Em
Londrina-PR, cidade que acolhe a mim e a minha família desde o dia 28 de março
de 2013, há o Instituto de Educação Estadual de Londrina, conhecido e chamado
pela sigla IEEL.
O
IEEL ofereceu tradicionalmente a formação de professores no formato de
Magistério, ou seja, a formação profissional, concomitante à formação do Ensino
Médio. Depois de reformas nas leis educacionais, com a exigência mínima no
nível superior para a atuação na docência, seja na Educação Infantil e/ou no Ensino
Fundamental, nível 1, o Estado do Paraná, ainda permitia a atuação do professor
formado “apenas” com o Magistério (“apenas” está entre aspas, pois, os cursos
de Magistério, não somente no Paraná, ofereceram excelentes bases para a
atuação dos professores).
No
curso existente de Magistério do IEEL, tem uma disciplina para os alunos do segundo
ano, “Fundamentos da Educação Especial/Inclusiva” – acredito que seja essa a disciplina,
o importante a destacar que o objetivo é que os alunos tenham a formação na
Educação Especial/Inclusiva. Como atividade da disciplina, o IEEL, professores
e alunos dessa disciplina promovem um evento aberto a toda comunidade
interessada.
Aqui
é onde me encontro com esse evento, na minha mudança para Londrina, tendo como
colega de trabalho (no Departamento de Educação da UEL) a Professora Josiane Junia
Facundo de Almeida, hoje minha grande amiga e irmã, que trabalhava também no
IEEL, fez o convite para eu dar uma palestra no IX Encontro sobre Necessidades
Educacionais Especiais e Inclusão (ENEEI), em setembro de 2013.
Assim
foi nos anos seguintes, no X ENEEI (2014) e XI ENEEI (2015), minha participação
como palestrante. Nos anos seguintes, 2016 a 2018, fiquei responsável, na mesa
de abertura, fazer a panorâmica do evento, nas edições XII, XII e XIV.
O
texto abaixo foi escrito para a panorâmica do ano de 2017 (XIII ENEEI), sobre o
qual farei uma adaptação para publicá-lo aqui no Blog, suprimindo as partes
específicas do evento (no exercício de escrever esse texto, veio-me a ideia de
um trabalho acadêmico, algo como a historiografia do evento, no qual a/o aluna/o
faria um resgate desde a primeira edição até a última: título, temas,
palestras, palestrantes; que área da Educação Especial teve mais enfoque:
surdez, cegueira, deficiência intelectual, deficiência física, altas
habilidades/superdotação? Divagações...)
O
objetivo dessa adaptação, na verdade, são dois: 1. A Educação Especial fez
novas visitas à minha família (vide o título do texto). 2. No dia 30 de setembro
de 2020 foi publicado um novo documento sobre as Políticas Nacionais para a
Educação Especial e Inclusiva no Brasil, pelo governo federal, o que gerou uma
grande polêmica e, até a presente data não tinha me manifestado sobre o tema.
Sou
consciente de que minha opinião não interessa, mas pessoalmente, como
interessado no tema e envolvido com ele dos pés à cabeça, sinto-me no dever
comigo mesmo de escrever meu posicionamento.
Segue
abaixo o texto escrito originalmente em 2017, cujas modificações, inserções
estarão marcadas em itálico ou com alguma observação.
.................................................
Relatarei
três [seis] visitas que a Educação
Especial fez ao meu lar até a presente data.
Sou
Pedagogo com habilitação em Deficiência Auditiva, formado pela UNESP de
Marília-SP, minha cidade natal. Atualmente professor de Língua Brasileira de
Sinais, no Departamento de Educação da Universidade Estadual de é Londrina [até janeiro de 2020. Atualmente, professor
substituto do Departamento Acadêmico de Ciências Humanas e Sociais, da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná, no campus de Londrina, desde agosto
de 2019]. Desse modo, a Educação Especial fez parte dos meus 4 anos e meio
de graduação, o vínculo com a EE permaneceu de várias formas no Mestrado e no
Doutorado, bem como no início da minha carreira na docência, em 2008.
Porém,
o relato das três [seis] visitas da
EE não diz respeito à minha escolha profissional: eu trabalho com a EE, mas
sim, diz respeito à minha vida pessoal: sou casado com Paula, boliviana e somos
pais de Lorenzo, 6 [9] anos e Benjamin, 3 [6] anos.
A
primeira visita foi da Altas Habilidades/Superdotação
A
segunda visita foi da Toxoplasmose congênita
A
terceira visita foi da Mobilidade Reduzida
[A quarta, quinta e sexta visitas é da Altas
Habilidades/Superdotação novamente, assim, ela não é mais visita, integrante
fixa da nossa família].
Lorenzo
tem o diagnóstico de AH/SD, o que pode parecer incrível, porém e, infelizmente,
os sistemas educacionais, sejam eles públicos ou privados, em sua grande maioria,
manejam INADEQUADAMENTE as questões didático-pedagógicas, sócio-psicológicas
relacionadas à DIFERENÇA, seja ela qual for. Essa primeira visita (a da AH/SD)
veio para ficar, não é mais uma visita [já
sabia que ela era membro fixo na família], estamos aprendendo sobre ela, já
que fará parte de nossas vidas. Nós, como pais, estaremos constantemente,
enfrentando barreiras para que a AH/SD não seja um problema na vida do Lorenzo.
A
segunda visita da EE em casa foi completamente inesperada e assustadora. No 6º
mês de gestação do Benjamin, Paula teve toxoplasmose, o que, em linhas gerais,
causa má formação do bebê, como microcefalia, surdez e ou cegueira, múltipla
deficiência. Benjamin foi considerado bebê com toxoplasmose congênita até todos
os exames do protocolo para toxoplasmose terem resultados negativos. Quando o
último exame de sangue acusou 0,002% de toxoplasmose (por causa do sangue da
mãe) recebeu alta aos 2 anos de idade. A segunda visita da EE foi longa (2
anos), mas foi embora. Um verdadeiro alívio!
A
terceira visita da EE ao nosso lar é mais recente, ficou pouco tempo, porém
causou alguns danos. Em junho desse ano [2017],
Lorenzo fraturou a tíbia direita em 2 locais diferentes, o que o deixou na
condição de cadeirante/com mobilidade reduzida por 2 meses, mais outro mês com
muletas. O maior enfrentamento desse período foi com a Escola Particular onde
estudava, pois o atestado do médico dizia que ele deveria retornar à escola
logo que colocou o gesso no 5º dia de fratura, porém, a escola é vertical, um
prédio de 4 andares, sem rampas, elevadores, plataformas ou banheiros
acessíveis. Apenas escadas!
Para
resumir a ópera, de modo abrupto e traumático tivemos que tirá-lo da escola,
pois a escola não acolhia o Lorenzo em sua condição de cadeirante [pensando sobre a escola, não o acolhia antes
na sua condição de Altas Habilidades também. Nós processamos a escola e o
Ministério Público acompanhou o caso. A escola teve que fazer as adaptações arquitetônicas
necessárias para receber crianças cadeirantes ou com mobilidade reduzida].
Desde então, Lorenzo está numa escola municipal, acessível, com rampas,
banheiro adaptado, mas com o primordial: profissionais da Educação com corações
sensíveis e acolhedores à diferença!
Essas
visitas da EE em nossas vidas, para além da minha vida profissional, têm nos
ensinado muito. Muito mais que livros e teorias!
Lorenzo saiu dessa
escola municipal, fez o final do 3º Ano do Ensino Fundamental e o início do 4º Ano
em outra. Em abril de 2019, nós solicitação a aceleração dele para o 5º Ano,
pois Lorenzo estava completamente desmotivado com a escola. Após as provas, ele
iniciou o 5º Ano. No final desse ano letivo, Lorenzo fez a prova do processo
seletivo para o II Colégio da Polícia Militar do Paraná. Conquistou a primeira
vaga, iniciando nesse ano de 2020 o 6º do Ensino Fundamental.
A Altas
Habilidades/Superdotação, que já morava em casa, “manifestou-se” novamente
nesse que vos escreve. Eu, André, aos 37 anos (em 2018), passei pela avaliação
psicoeducacional com uma psicóloga: AHSD perfil acadêmico-intelectual, como a
do Lorenzo. O importante a dizer é que o processo de autoconhecimento é
extremamente importante na vida do ser humano.
Depois, a Altas
Habilidades a ser “revelada” foi na Paula, minha esposa. Precisou fazer terapia
para chegar na aceitação e entendimento de que precisava passar pela avaliação
psicoeducacional. O que aconteceu em dezembro de 2019. Paula é uma mulher
superdotada, perfil criativo-produtiva e nos Esportes!
Mais recente, o
caçulinha de casa, que já tinha recebido a visita assustadora da toxoplasmose
congênita, Benjamin passou pelo processo após completar seis anos de idade
(junho fez aniversário), em julho iniciamos o processo de avaliação. Superdotação
perfil misto: criativo-produtivo e acadêmico-intelectual, porém, por influência
da criativo-produtiva, sua acadêmico-intelectual se manifesta e modo
particular. Recentemente escrevi um texto aqui no Blog sobre sermos uma famíliasuperdotada.
Na sequência faço
referência a uma notícia que havia viralizado nas redes sociais e utilizarei como
argumento para responder ao segundo objetivo proposto inicialmente com a
revisitação desse texto:
A
notícia que viralizou nos últimos dias, a qual eu disse que comentaria é um
menino com Paralisia Cerebral, cuja mãe, indignada pelo fato de seu filho ter
sido deixado na escola, enquanto a turma inteira foi ao cinema, ela publicou em
sua rede social: “meu filho ficou de 07:00 às 11:20, circulando no corredor da
escola com o auxiliar de apoio dele”. O relato dessa mãe merece ser lido na
íntegra, mas vou destacar um trecho que diz respeito ao meu fazer profissional:
“Fico
imaginando como é frustrante ser quem capacita estes profissionais da inclusão,
são estudos, textos, filmes e estudos de casos maravilhosos, mas não se aplica
a vida real”
Mais
importante que a frustração de quem capacita os profissionais da inclusão, deve
ser a preocupação em não frustrar a criança, o jovem, o adulto que, em função
da sua necessidade especial, foram ou serão impedidos de participar total ou
parcialmente de alguma atividade educacional, de lazer, do direito de ir e vir,
pois as condições de acessibilidade ou adaptações possíveis foram-lhes
negligenciadas ou negadas!
Mais
que profissionais inclusivos, que sejamos pessoas de bom senso, receptivas à
dor ou sofrimento alheios, sejamos pessoas pró-ativas que oferecem ou buscam
soluções, alternativas e caminhos para promover a inclusão que DE FATO se
aplica à vida real!
Sobre o Decreto
Federal No 10.502, de 30 de setembro de 2020, em linhas gerais, ele permite que
os alunos com deficiência sejam matriculados em escolas especiais e o retorno
das chamadas classes especiais. No decreto são chamadas de “escolas
especializadas” e “classes especializadas”, respectivamente, entretanto, é a
velha prática de segregação com nova nomenclatura.
O principal argumento
dos que defendem o novo decreto é que a família precisa ter o direito de
decidir onde matricular seu filho com necessidades especiais. Vejamos,
literalmente, no Decreto:
VI
- escolas especializadas - instituições de ensino planejadas para o atendimento
educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam, em seu
desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que
apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos;
VII
- classes especializadas - classes organizadas em escolas regulares inclusivas,
com acessibilidade de arquitetura, equipamentos, mobiliário, projeto pedagógico
e material didático, planejados com vistas ao atendimento das especificidades
do público ao qual são destinadas, e que devem ser regidas por profissionais
qualificados para o cumprimento de sua finalidade;
Somos levados
facilmente a pensar que se a criança com paralisia cerebral estivesse numa
escola especial (especializada, na nova roupagem), não teria sido deixada
propositalmente nos corredores da escola, enquanto os alunos “normais” foram ao
cinema.
Provavelmente, numa
dia específico, reservado somente para todas as crianças cadeirantes ou da
escola especial, teriam ido ao cinema e vivido a mesma experiência que as
outras crianças.
Ou seja, o problema da
segregação está estabelecido novamente. Não há oportunidade para a convivência
com os diferentes, pois todos somos. Não há a chance de que as crianças
deficientes tenham amigos diferentes e vice-versa.
Podem argumentar que
escola não é espaço somente para convivência, as crianças com deficiência
precisam aprender também. Claro que sim! A questão é: porque a escola regular
com todos os serviços de apoio do Atendimento Educacional Especializado não se
modifica a tal ponto de ser uma escola para todos?
A inclusão é ótima e
perfeita? Não é isto que estou dizendo. O que estou dizendo é que, todo o
sistema educacional e seus agentes, comunidade interna, comunidade externa,
sociedade em geral, estávamos todos no caminho e processo histórico de mudança
de paradigmas. Esse processo pode ser drasticamente interrompido com a
permissão legal de segregar novamente.
E as Escolas
Bilíngues para Surdos, que eu defendo e está no novo decreto –assim, como já constava
em outros documentos oficiais, não é segregação? Bem, a questão dos Surdos é
outra. É uma questão, primeira e primordial de Política Linguística. Os Surdos
que precisam aprender Língua de Sinais, precisam de uma escola sinalizadora,
professores fluentes em Língua de Sinais.
Não vou me estender
mais. Sinto muito, muito mesmo, todo o retrocesso que temos vivido em nosso
país, em tantos aspectos, de modos tão violentos. É assombroso! Que não
percamos a oportunidade de problematizar e discutir, pelo menos, e batalhar e
conquistar aquilo que acreditamos, de forma dialógica e não imposta.