O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

sexta-feira, setembro 24, 2021

MEUS QUATRO RG’s BRASILEIROS

 

1990                       2007                2011               2021


O primeiro é de e 1990. Eu estava com nove anos e meio. Lembro que a foto 3x4 foi tirada na Casa Alvorada, um armarinho sempre em expansão lá no bairro onde morei até meus 27 anos, na minha cidade natal, Marília-SP. Roupa de passeio, cabelo penteado, foto tirada, esperar um dia para revelar e buscar depois.

Acordei cedo, minha mãe disse: “ – Vai lá na Júlia do Mané (proprietários do armarinho), pegar as fotos para levar na escola. ao chegar na Júlia: “ – Sua foto queimou, temos que tirar outra agora”. “ – Agora?”. “ – Sim, agora!”. A roupa de dormir (nunca tivemos pijama, só roupas “de dormir”), cabelo despenteado, foto tirada e mais tarde revelada.

Está a prova na foto do primeiro RG: o André de nove anos e meio, cabelos desarrumados, camisa polo com botões abertos. Guardo com muito carinho o documento e todas as lembranças desse episódio, como os dedos sujos de tinta para que as impressões digitais fossem registradas em nossa ficha, os fichados corriam para o lavatório para tirar a tinta dos dedos.

Acredito que todos que estudávamos no SESI no. 308, em Marília-SP, naquele ano de 1990 e tiramos o RG, temos o número de registro muito parecidos. O número do RG da minha irmã, por exemplo, aluna da 2ª. série naquele ano e o meu são diferentes apenas nos últimos três números e o dígito (aquele número solitário depois do hífen).

O documento guardado ainda revela outros detalhes como minha letra de aluno da 3ª. série: eu acentuei “André” e “Onório” e não “Luis”. Entretanto, me acostumei a acentuar os dois nomes e o sobrenome. Questionei a agente que emitiu meu RG paranaense (o último e mais recente) a falta do acento agudo no “Onorio”. “ – Não posso mudar, coloco como está na certidão de casamento” (que copiou a certidão de nascimento – confirmo na fotocópia que tenho da original, e a original está no cartório civil, lá em Marília-SP).

O meu segundo RG, ainda paulista, mesmo número, com data de 01 de fevereiro de 2007, foi motivado pela necessidade de provar que eu era aquele menino do primeiro RG; as pessoas não acreditavam mais que aquele menino fofinho de nove anos era eu mesmo.

O terceiro RG, emitido em 01 de junho de 2011 e era, até então o RG utilizável. A diferença, para além da foto e da assinatura de gente grande, mudou também as informações sobre o meu registro civil – não mais o livro A, desde 2008, registrado no livro B. A camisa que uso na foto é uma laranja que ganhei da Paula quando éramos recém namorados.

Meu quarto e, por ora, meu último RG tem data de emissão: 15 de setembro de 2021, ou seja, escrevo esse texto no mesmo mês e ano de emissão do RG. A motivação para um novo RG? Tem dois motivos: 1) Meu novo local de trabalho – instituição estadual de ensino superior, na relação de documentos para a contratação exigia RG emitido no próprio Estado. Devido à pandemia, estavam aceitando RG de outro Estado, porém com o compromisso de logo emitir o RG paranaense. Nós, brasileiros podemos ter 27 RGs, um registro para cada Estado, mais o Distrito Federal - sim, desnecessário, mas estamos no Brasil!

Confesso que foi o segundo motivo que me fez correr no site de agendamento do Instituto de Identificação do Paraná, com atendimento reduzido pela covid-19, demorei dois dias para conseguir agendar. O segundo motivo é para o reconhecimento da cidadania italiana, no Consulado Italiano de Curitiba, que exige que o RG tenha menos de 10 anos de expedição e o meu RG paulista completou 10 anos em 01/06/2021.

O processo de reconhecimento da cidadania italiana: um sonho de algumas décadas, sempre me pareceu impossível e agora está tão próximo de se tornar realidade. Claro, taxas, traduções, apostila de documentos, uma fortuna! Porém, inspira, expira, inspira, expira... tenho até 17 de dezembro de 2021 para apresentar os documentos no vice-consulado italiano aqui em Londrina-PR.

Lá em 2006 e 2007 quando trabalhei (e gastei) com afinco reunindo informações, certidões de nascimento, casamento e óbito da minha árvore genealógica paterna (aliás, tenho cadastro em pelo menos dois sites com esses propósitos de reunir dados sobre os antepassados e pessoas da família), aprendi que nossa passagem pela Terra, ao menos aqui no Brasil, fica registrada nos livros alfa-numéricos (A-16, B-116, C-0, ainda não morri e não saberei o número do meulivro C).

Todas as certidões que comprei nessa época não eram de inteiro teor, como exigido para o processo de reconhecimento da cidadania. Desde 2019, aos poucos vinha pedindo novas certidões, agora em inteiro teor. Outro contratempo nos idos de 2006/2007, cujo equívoco descobri anos mais tarde é que a certidão de nascimento do antenato italiano que eu tinha em mãos não era do meu bisavô.

Para ter certidão italiana de nascimento correta gastei mais dinheiro para uma assessoria localizar e mais outro tanto para outra pessoa solicitar, buscar e me enviar. Sim, muito dinheiro desembolsado.

São pessoas diferentes, mesmo nome e sobrenome, mesmo pai e mãe, porém, com datas e locais de nascimento diferentes. A primeira certidão que eu recebi quando paguei um jovem brasileiro recém chegado na Itália para procurar e enviar o documento para mim é de “PRIMO SANTE CONEGLIAN”, nascido em 02 de novembro de 1893, em Villadose. O meu bisavô foi “PRIMO VINCENZO CONEGLIAN”, nascido em 13 de agosto de 1890, no comune de Ceregnano, também na Província de Rovigo, Itália.

Villadose e Ceregnano, Rovigo, Itália

Meu bisavô Primo Vicente Coneglian se casou com minha bisavó Maria Carolina Dadalto Coneglian, tiveram 11 filhos, dentre os quais meu avô Luiz Coneglian. Meu avô faleceu quando meu pai, o filho caçula de sete, estava com 17 anos. Foi casado com minha avó Olinda Brichi Coneglian. Meu pai se casou com minha mãe e eu sou o filho mais velho, tenho uma irmã e um irmão.

Por minha vez, casei-me com Paula Rosario Cruz Coneglian, boliviana, de Oruro, e temos dois filhos: Lorenzo e Benjamin. Algumas curiosidades sobre o registro civil na Bolivia: o carnet de identidad precisa ser renovado periodicamente, quando um casal oficializa o casamento no civil, eles recebem a “libreta da família” e conforme nascem os filhos, eles vão sendo acrescentados na libreta. Paula disse que sua mãe nunca teve a libreta por não ter sido casada oficialmente.

Libreta de Familia (Bolivia)

Mais um dos muitos procedimentos formais e burocráticos que marginalizam e discriminam pessoas e famílias que não se encaixam no padrão de família imposto pelo Estado e igreja cristã: homem, mulher e filhos felizes como numa propaganda de margarina tomando café da manhã num domingo, numa casa linda, com uma mesa farta!

Bem, a motivação inicial do texto foi escrever sobre meus quatro RGs e a discussão, para além das descritas acima: minha nostalgia em relação ao primeiro RG, todos os desdobramentos que impeliram a renovação dos RGs paulista e agora meu novo RG (Estado diferente, registro diferente), as mudanças no código civil brasileiro, muitos avanços como a não obrigatoriedade da mulher alterar seu nome incluindo o nome do marido ou ainda permitindo que o homem adote o sobrenome da esposa (alguns já usam essa possibilidade com outras motivações, como adotar o sobrenome japonês da esposa para ir ao Japão e trabalhar como dekassegui).

Desejo que o texto possa provocar outras linhas de pensamento, raciocínio e reflexão. Suscitar as memórias particulares de cada leitor em relação aos registros civis e sua história no mundo.

Meu grande sonho e há décadas quase inalcançável, o reconhecimento da cidadania italiana, agora tão próximo, sinto uma mescla de enorme de sentimentos. Pergunto-me: e quando for real e estiver com minha carteira de identidade italiana e passaporte europeu emitidos em minhas mãos?

Não queria que fosse acontecimento tão esperado o único motivo para trazer alegria e esperança para os meus dias... Aguardarei, sem criar expectativas conforme minha nova filosofia de vida – sem expectativas, para uma vida mais realista.

Quando for real, processarei o novo fato e a vida segue, até minha existência se encerrar e ser registrada no livro C. bem: Basta a cada dia o seu mal!