O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

terça-feira, agosto 10, 2021

DIA INTERNACIONAL DA SUPERDOTAÇÃO - 10 DE AGOSTO

 



[Escrito no Facebook em 10 de agosto de 2020]

Celebrar sim, porém, com engajamento, posicionamento, esclarecimento e reflexão.
Há vários conceitos e pesquisas sobre Altas Habilidades/Superdotação (AHSD). Pesquisadores debatem, divergem, convergem sobre questões que envolvem a área.
Todavia, grande parte fica no estritamente teórico. Claro que é importante outros falarem e defenderem a área não sendo superdotados.
Muitos se engajam na área por serem pais e mães, viveram/vivem diariamente as agruras de ter um sujeito superdotado em casa sob sua responsabilidade. Bem como profissionais que vestem a camisa da superdotação, pois exercem empatia e alteridade.
Entretanto, é importante que o próprio sujeito fale por si, não como representante exclusivo da área, pois, ao falar sobre sua idiossincrasia como sujeito com AHSD, fala de um perfil, que pode refletir um ou outro aspecto da diversidade e pluralidade dos perfis de outros sujeitos superdotados.
Somos muitos e diferentes! Há os "nerds", há os líderes (quando não encontram ambientes favoráveis, o crime oferecerá "ótimas" oportunidades), há aqueles que não vão bem na escola, pois esta é rígida, tradicional, e há muitos outros perfis.
Já fui extremamente otimista em relação ao mundo, a possibilidade de mudar o "status quo" por meio da coletividade, cooperativismo, a formação para o envolvimento social.
O meu otimismo se mudou para algum lugar da Oceania, bem distante de mim.
Somos uma família de superdotados, não uma família com superdotados. Os quatro superdotados. Tudo começou com o Lorenzo (2015), depois eu (2018), Paula (2019) e, recentemente Benjamin (2020).
Lorenzo, AHSD acadêmico-intelectual, como a minha superdotação. Paula, AHSD produtivo-criativa e no Esporte. Benjamin tem AHSD mista: acadêmico-intelectual e produtivo-criativa.
Não há glamour na superdotação, principalmente num mundo repleto de idiotas, no qual Ciência, Conhecimento e Estudo são ridicularizados e menosprezados.
Reina a ignorância e os ignorantes estão no poder; os superdotados sofrem, em sua grande maioria, pois o mundo despreza seus apelos: liberdade, justiça, ambiente favorável ao aprendizado, sem bullying, espaços, recursos materiais e humanos para exercer a criatividade, consumir e produzir conhecimento.
É muito triste pensar que muitos humanos que estavam à frente do seu tempo, por defenderem ideias diferentes, sofreram graves consequências, pagando com a própria vida, o que hoje sabe-se ser real.
O Sol não gira em torno Terra, mas é a Terra que orbita em torno do Sol. O médico que entendeu a importância da higienização das mãos, foi enganado por um colega que o internou num manicômio e morreu uma semana depois. Martin Luther King foi assassinado por lutar pelos direitos civis dos negros americanos. Mandela ficou preso por 27 anos por defender a igualdade entre negros e brancos e a lista é enorme.
Numa palestra em 2017, sobre criatividade, o questionamento da pesquisadora foi: o que faz uma sociedade valorizar e pagar melhor o Engenheiro Civil e não o pedreiro? As respostas são óbvias, podem pensar: o engenheiro estudou e merece ganhar mais por projetar prédios seguros. Mas, e o construtor? É uma questão cultural, para dizer o mínimo, mas poderíamos levantar muitos outros pontos.
Passei a vida escolar idolatrando a escola e meus professores. No processo de formação como professor, a ira, a indignação cresceram dentro de mim, senti-me enganado, traído, menosprezado, subestimado. Em sua grande maioria, os agentes educacionais foram rasos, medíocres; cumpriram mecânica e burocraticamente o ofício de ensinar, mediar e promover o conhecimento.
Como eu disse acima, esse é uma parte da minha percepção do mundo como sujeito superdotado, 37 anos sem saber que a minha estranheza tinha esse nome.
A percepção da Paula, menina boliviana, crescendo com suas dificuldades em Oruro são bem diferentes das minhas.
Assim como as percepções de mundo dos sujeitos cm AHSD identificados em idade escolar, que frequentaram/frequentam o Atendimento Educacional Especializado... ainda assim não estão livres dos desencontros e desajustes com o mundo.
Feliz Dia dos Superdotados? Felicidade? Não há felicidade em observar e absolver o mundo num ritmo diferente, num nível elevado de sensibilidade, pensamentos constantes, análises mil, outras tantas conjecturas e planos, dos quais 99% não acontecem, ou acontecem de modo inadequado por conta do desentendimento e ignorância do ambiente familiar, escolar, social...
Não há mesmo muito o que celebrar. Há muito pelo que lutar, há muito para conquistar. Os sistemas educacionais brasileiros têm muito, muito mesmo para melhorar, modificar, evoluir.
A formação de professores precisa mudar. A valorização salarial, a gestão dos recursos educacionais precisam ser mais adequadas e eficientes.
Enfim, parece que o otimismo me manda mensagens lá da Oceania, às vezes, chegam, com rasuras, incompletas, outras vezes não chegam. Zero. Silêncio (do otimismo). Resta o barulho e a confusão da realidade!

segunda-feira, agosto 09, 2021

DA SOLIDÃO, Cecília Meireles





Há muitas pessoas que sofrem do mal da solidão. Basta que em redor delas se arme o silêncio, que não se manifeste aos seus olhos nenhuma presença humana, para que delas se apodere imensa angústia: como se o peso do céu desabasse sobre sua cabeça, como se dos horizontes se levantasse o anúncio do fim do mundo.

No entanto, haverá na terra verdadeira solidão? Não estamos todos cercados por inúmeros objetos, por infinitas formas da Natureza e o nosso mundo particular não está cheio de lembranças, de sonhos, de raciocínios, de idéias, que impedem uma total solidão?

Tudo é vivo e tudo fala, em redor de nós, embora com vida e voz que não são humanas, mas que podemos aprender a escutar, porque muitas vezes essa linguagem secreta ajuda a esclarecer o nosso próprio mistério. Como aquele Sultão Mamude, que entendia a fala dos pássaros, podemos aplicar toda a nossa sensibilidade a esse aparente vazio de solidão: e pouco a pouco nos sentiremos enriquecidos.

Pintores e fotógrafos andam em volta dos objetos à procura de ângulos, jogos de luz, eloquência de formas, para revelarem aquilo que lhes parece não só o mais estático dos seus aspectos, mas também o mais comunicável, o mais rico de sugestões, o mais capaz de transmitir aquilo que excede os limites físicos desses objetos, constituindo, de certo modo, seu espírito e sua alma.

Façamo-nos também desse modo videntes: olhemos devagar para a cor das paredes, o desenho das cadeiras, a transparência das vidraças, os dóceis panos tecidos sem maiores pretensões. Não procuremos neles a beleza que arrebata logo o olhar, o equilíbrio de linhas, a graça das proporções: muitas vezes seu aspecto - como o das criaturas humanas - é inábil e desajeitado. Mas não é isso que procuramos, apenas: é o seu sentido íntimo que tentamos discernir. Amemos nessas humildes coisas a carga de experiências que representam, e a repercussão, nelas sensível, de tanto trabalho humano, por infindáveis séculos.

Amemos o que sentimos de nós mesmos, nessas variadas coisas, já que, por egoístas que somos, não sabemos amar senão aquilo em que nos encontramos. Amemos o antigo encantamento dos nossos olhos infantis, quando começavam a descobrir o mundo: as nervuras das madeiras, com seus caminhos de bosques e ondas e horizontes; o desenho dos azulejos; o esmalte das louças; os tranquilos, metódicos telhados... Amemos o rumor da água que corre, os sons das máquinas, a inquieta voz dos animais, que desejaríamos traduzir.

Tudo palpita em redor de nós, e é como um dever de amor aplicarmos o ouvido, a vista, o coração a essa infinidade de formas naturais ou artificiais que encerram seu segredo, suas memórias, suas silenciosas experiências. A rosa que se despede de si mesma, o espelho onde pousa o nosso rosto, a fronha por onde se desenham os sonhos de quem dorme, tudo, tudo é um mundo com passado, presente, futuro, pelo qual transitamos atentos ou distraídos. Mundo delicado, que não se impõe com violência: que aceita a nossa frivolidade ou o nosso respeito; que espera que o descubramos, sem anunciar nem pretender prevalecer; que pode ficar para sempre ignorado, sem que por isso deixe de existir; que não faz da sua presença um anúncio exigente "Estou aqui! estou aqui!". Mas, concentrado em sua essência, só se revela quando os nossos sentidos estão aptos para descobrirem. E que em silêncio nos oferece sua múltipla companhia, generosa e invisível.

Oh! se vos queixais de solidão humana, prestai atenção, em redor de vós, a essa prestigiosa presença, a essa copiosa linguagem que de tudo transborda, e que conversará convosco interminavelmente.


MEIRELES, Cecília. Janela Mágica. 3. Editora Moderna: 2003, p. 48-51.