O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

sábado, dezembro 30, 2006

REGISTROS DE DIÁLOGOS E SITUAÇÕES INUSITADAS (os primeiros...)


O repórter e a anã
- Como é o seu nome?
- Veronika, mas pode me chamar de Veka!
- Mas porquê?
- Veronika é muito grande!
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El reportero y la enana
- Como és tu nombre?
- Veronika, pero puede llamarme de Veka!
- Por que?
- Veronika és muy grande!
(traducción libre para el Español; una homenaje a mi amiga y hermana Paula Rosário)

André Coneglian
1ª quinzena dez/2006.

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Um brasileiro e uma boliviana na brincadeira das línguas

- O que é “gelinho”? – ela.
- É um suco que se põe no saquinho e depois no congelador. – ele.
- Ah... bolo (para os bolivianos).
- Bolo? E bolo (o nosso bolo)?
- Torta!
- E torta?
- Queque!

Palavras com a mesma forma, quase com os mesmos sons, porém, que significam coisas diferentes, ainda que muito próximas, ou nem tanto: gelinho é bolo!!!

- Hahahahaha!
- Jajajajaja! (representação do riso em castelhano).

André Coneglian
1ª quinzena dez/2006.

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Provocações

- Su letra parece de médico.
- Mas letra de médico é feia!
- Por eso!
- ... [cara de admiração e espanto!]
Outro dia:
- Veja minha letra de maestro.
- Si tu letra és de maestro, mi abuelita tiene quince años!
- Mira! Como sua avó é nova!!
- Kakaka, jajaja!!!

André Coneglian
1ª quinzena dez/2006.

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Cultura brasileira X Cultura boliviana

O encontro entre culturas diferentes é muito interessante. Na verdade, “encontro” não é a melhor palavra. “Choque cultural” parece ser uma expressão adequada para a situação quando línguas, costumes e tradições que envolvem vestimentas, comida, artes e até mesmo aspectos geográficos (temperatura, fauna, flora...) estão em contato.

Tudo começou quando Paula veio procurar-me. Seu interesse era pela Língua Brasileira de Sinais. Paula tem um biótipo andino muito característico; seu “portunhol” ou ainda, um português carregado de sotaque castelhano confirmaram; ela apenas especificou seu país de origem: Bolívia. No Brasil havia 7 meses, inicialmente morou na cidade de Rio Claro, onde teve contato com a LIBRAS.

Paula passou a freqüentar as aulas do curso de LIBRAS aos sábados e segundas-feiras assiduadamente, bem como as atividades semanais do Ministério de Surdos da Primeira Igreja Batista de Marília, o grupo de oração na quarta e a Escola Bíblica de Surdos, aos sábados e ainda o Culto de Celebração aos domingos.

Aprendizado em toda e qualquer palavra ou sinal expressados. Paula aprendendo LIBRAS e Português; eu, o Espanhol e aspectos da cultura boliviana.

Os choques culturais começaram quando expressei a delícia que é tomar vitamina de abacate, batida com leite e açúcar; ao que Paula expressou:

- Argh... abacate com açúcar e leite?!

- Sim. Nunca tomou? – indaguei.

- Na Bolívia comemos como salada, temperada com sal e cebola. – ela respondeu.

- Abacate com sal e cebola... eca!!! – minha vez de estranhar.

Paula disse que estranhou muito nossa comida, parecida com comida de hospital, fraca, sem tempero, nada “picante”. Estranhou também a quantidade de feijão que consumimos.

Assim, aprendi muito, ri muito também, por causa dos encontros e desencontros das línguas e culturas.

Num sábado fomos todos do Ministério de Surdos comer “panchito” – cachorro-quente. Entre fotos, conversas e risadas, Paula nos contou um “segredo” boliviano que envolve as lhamas e os turistas que vão à Bolívia. Disse mais: para los chiquititos y chiquititas és tan divertido, que van al zôo solamente para mirar los turistas, y estos, com ganas de conocerem las llamas.

O segredo: é que as lhamas têm uma defesa para auto-proteção; elas cospem naqueles que se aproximam muito. Paula disse que não é pouco mas muito cuspe. Ao cuspir, as lhamas emitem um barulho forte que, para os desavisados, soa assustador.

Um misto de indignação com celebração me invadiu por essa omissão e passatempo de muitos bolivianos: ver turistas serem vitimados com susto e cuspidas de lhamas. Ri tanto, mais tanto, que até chorei. Mas o alerta está registrado: turistas brasileiros, quando visitarem a Bolívia, mais especificamente as lhamas e verem um monte de chiquititos y chiquititas mirándote, lembrem-se do segredo boliviano.


André Coneglian
28/12/2006.

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Travalenguas

Paula ensinou-me este travalíngua:

Trepa la catatrepa y trepan los tres catatrepitos. Mas precisa ser dito depressa, repetidas vezes, claro, sem travar a língua.

Quis saber o que eram catatrepas. Pelas explicações recebidas, me pareceram insetos como a taturana que conhecemos por aqui.

Aliás, os primeiros relatos de Paula sobre insetos típicos da Bolívia, foram sobre as assustadoras chulupacas, uma barata gigante, com uns 15 centímetros de comprimento, que além do tamanho, voa. As chulupacas voadoras morrem ao chocarem-se com cabeças de pessoas que têm o azar de estar em seu caminho.

Está nos planos de Paula trazer para o Brasil uma chulupaca fêmea e outra chulupaca macho para terem muitos chulupaquitos por aqui.

Atenção fronteiras brasileiras com a Bolívia: não permitam a passagem do casal de chulupacas, para a segurança de nossas cabeças!
(Leiam esta matéria que encontrei sobre insetos típicos da Bolívia; acabo de descobrir que as chulupacas picam - Paula escondeu este detalhe!
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Casa da Borracha

Em minha cidade há um local chamado Casa da Borracha, uma loja ampla que vende uma variedade de produtos de borracha como mangueira para jardins e botas, como também outros tipos de materiais como espuma e isopor.

Quando era criança precisei ir até a Casa da Borracha comprar uma bola de isopor para a confecção de um palhacinho, que aprendemos na escola.

Borracha, material retirado da seringueira. Borracha, companheira escolar, preciosíssimo seu valor e função.

Casa da Borracha! Mas ontem, este título ganhou outra conotação, muito, mais muito engraçada. Era noite; estávamos dentro do carro, esperando o sinal abrir, em frente à Casa da Borracha; portas fechadas, mas bem visível o seu nome: Casa da Borracha.

Eis que a minha amiga boliviana diz:

- Suena muy divertido para mi este nombre Casa da Borracha... algo como “Casa da Bébida” – ela quis dizer bêbada.

Explodi em gargalhadas: Casa da Borracha, Casa da Bêbada.

O mais difícil será passar em frente à Casa da Borracha e segurar o riso. Ao me verem rindo sozinho, poderão pensar: “deve estar borracho este muchacho!”.

André Coneglian
28/12/2006.
(os primeiros... por que haverão muitos outros registros de situações e diálogos inusitados!)

sexta-feira, dezembro 22, 2006

A Surdolândia

Era uma vez uma terra chamada Surdolândia. As pessoas que lá viviam comunicavam-se com as mãos. Falavam com os braços, mãos e dedos em movimentos rápidos ou lentos somados às expressões faciais e corporais.

Não sabiam falar com a voz, afinal não precisavam dela; entendiam-se perfeitamente bem com as mãos. Claro que tinham pregas vocais e os moradores da Surdolândia contavam e recontavam “lendas” para as gerações mais novas, de épocas em que seus ancestrais eram forçados a vibrar “um músculo bem aqui, oh!” – e apontavam para o pescoço.

As crianças ficavam admiradas e espantadas. Secretamente, longe dos adultos, forçavam a garganta para saber se acontecia algo. Em vão! Riam das “caras&bocas” provocadas por tanto esforço. O esforço era em vão, não porque não saia som... Afinal, estavam na Surdolândia!

Essas e outras histórias antigas, como, por exemplo: a de aparelhos estranhos pendurados nos ouvidos; aliás, os ouvidos, na Surdolândia, são chamados de sustentadores (substantivo perfeito para a função que desempenhavam para aquele povo: sustentavam óculos, brincos e outros acessórios estéticos), não aparelhos esdrúxulos como descreviam os mais velhos.

“Diziam que ajudavam na hora de mexer a garganta”! – as crianças ficavam mais espantadas e intrigadas, imaginando que relação haveria entre os sustentadores e a garganta.

As mãos eram muito preciosas na Surdolândia; estavam estampadas até na bandeira nacional, lindas e maravilhosas mãos, orgulho para os cidadãos de Surdolândia. Algumas estrofes do Hino Nacional, “entoado” com as mãos, também exaltavam a destra e a canhota, este par habilidoso. Por falar em lateralidade, quase 90% da população era composta de canhotos. Na língua de sinais, há a predominância de uma das mãos, mas para os próprios sinalizadores ser destro ou canhoto era um simples detalhe, quase imperceptível.

Existia TV na Surdolândia, toda programação era em língua de sinais. Programas sobre cuidados com as mãos era uma constante. Havia um rádio. No museu. Mais uma peça intrigante do passado para as novas gerações de surdos. Por ser um objeto raro, este único rádio era avaliado em torno de 100.000 LIBRAS[1]. Os jornais, livros e demais registros impressos eram em “sinal-escrito”, muito parecido com ideogramas. As crianças, em fase inicial de escolarização, logo aprendiam o “sinal-escrito”, não porque era uma transposição direta da língua de sinais, mas porque seus professores exploravam precocemente a função social da leitura e da escrita.

Surdolândia estava prestes a descobrir algo surpreendente. Era cada vez mais comum, pais relatarem que seus filhos assustavam quando algo caía próximo a eles. Esta reação era raríssima em Surdolândia, por tanto, os pais que a percebiam, não davam atenção. Porém, o fenômeno do susto com objetos ou outros eventos não sabidos ainda, tornaram-se recorrentes.

O caso mais espantoso foi dos gêmeos. Os pais descobriram a anomalia quando uma panela caiu e os dois começaram a chorar. Pior, ao ver panelas, começam a piscar e retrair os ombros como esperando novamente o susto. Decorrido alguns meses, os pais dos gêmeos passaram a perceber uma forma de interação entre as crianças que não utilizava as mãos. Estavam apavorados!

Foi então que um estrangeiro vindo de terras bem distantes, o qual não se comunicava com as mãos, desestabilizou a paz em Surdolândia... Anos depois à sua chegada, o pequeno país passou a ter jovens e crianças que se comunicavam sem as mãos, influenciados pelo forasteiro.

As autoridades não sabiam que atitude tomar. Não viam benefício e sentido naquela forma de comunicação, mas cientistas já apontavam a possibilidade de alguma anomalia bio-fisiológica de alguns jovens e crianças, pois não eram todos que conseguiam êxito. Levantavam hipóteses sobre a ligação entre os sustentadores e a garganta ser real, embora, não entendiam como os sustentadores funcionavam sem os lendários e esdrúxulos aparelhos! Alguns médicos já tinham a convicção que as crianças que levavam sustos com objetos que caíam, em 99% passaram a se comunicar como o forasteiro. Ainda que não deixassem de usar a língua de sinais.

“Pais, mestres e digníssimos cidadãos surdolenses. Cuidemos de nossas crianças para que nunca deixem de sinalizar. Não sabemos os malefícios dessa comunicação “quieta”, “estática”, sem vida, que não usam os preciosos e ricos movimentos das mãos. Não podemos permitir que o símbolo de nossa nação – as mãos e o poder que possuem de significar o mundo, seja prejudicado por influências estrangeiras.” – pronunciou em rede nacional, o presidente da Surdolândia, o qual foi ovacionado por milhares e milhares de palmas, braços levantados ao céu, mãos e dedos movimentados pra lá e pra cá, numa “dança” sincronizada.

Fim

André Coneglian
dezembro de 2006.

[1] Não resisti ao trocadilho, ou melhor, à semelhança entre a sigla da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) e a moeda inglesa, Libras Esterlinas, comumente confundia aqui no Brasil.