O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

segunda-feira, março 05, 2007

Cecília Meireles, Itália, Poemas, Língua Portuguesa, Língua Italiana - que combinação

Mensagem

Agora tenho saudade daquele anônimo guia
que na Itália me acompanhou a uma festa popular.
Mulheres robustas gritavam com força: “Ecco, ecco, è Giuseppe!”
“No, si, no, si...”
quando o cantor apareceu, com roupas do século 14.

O guia, meigo e triste, delicadamente sentou-se a meu lado,
verificou se a minha cadeira estava firme,
depois, fitou com melancolia o espetáculo no pátio do castelo.

Então, delicadamente, lhe estendi um saco de balas,
para que se servisse.
mas docemente levou a palma da mão ao queixo,
e murmurou com extrema gentileza: “No, grazie...”
e, mais baixinho, acrescentou “que tinha um dente furado, e doía muito...”

Vai para esse guia sincero,
perdido entre as torres de São Giminiano,
a minha tenra, humana saudade:
- nunca, ninguém me fez tão pura e simples confidência.
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Messaggio

Adesso ho nostalgia di quell´anonima guida
che in Italia m´accompagnò a una festa popolare.
Donne robuste gridavano forte: “Ecco, ecco, è Giuseppe!”
“No, si, no, si...”
quando il cantante apparve, con vestito del secolo XIV.

La guida, gentile e triste, delicatamente, mi sedette vicino,
s´accerto che la mia sedia fosse ben ferma,
poi, fissò con malinconia lo spettacolo, nel cortile del castello.

Allora, delicatamente, gli porsi il sacchetto delle caramelle,
perchè si servisse,
Ma dolcemente portò la palma della mano al mento,
e mormorò con estrema gentileza: “No, grazie...”
e, più basso, aggiunse “che aveva um dente cariato, e gli faceva molto male...”

Vada a quella guida sincera,
perduta tra le torri di San Gimignano,
la mia tenera, umana nostalgia
- mai nessuno mi fece cosi pura e semplice confidenza.

Cecília Meireles.

Mensagem, sem indicações, escrito presumivelmente no Rio [de Janeiro], relatando um fato verídico, segundo confirma o prof. Heitor Grillo. O espetáculo é relembrado no artigo “Uma hora em San Gimignano” (D.d.N., 13/5/1956): “San Gimignano organizou para esta tarde uma festa evocativa do século 14, com figurantes vestidos à moda da época, e arautos anunciando o espetáculo. Há música, dança, há também canções, - e as cores brilhantes dos vestuários enchem de alegria a plataforma no alto da escadaria do palácio. No pátio, o público vai tomando lugar nas cadeiras e bancos, que dificilmente se equilibram no chão de terra... A multidão pe pitoresca, como sempre acontece nestas ocasiões, em qualquer lugar do mundo. As senhoras, gordas e alegres, parecem muito felizes, e conversam animadamente. As crianças correm para cá e para lá, levantam poeira do chão, tiram as cadeiras dos lugares...”

“Quando as figuras se alinham para dar início à festa, as senhoras ao meu lado começam a reconhecer os rapazes e moças que estão lá em cima. ´Aquele é o Giuseppe!´.e contam a história do Giuseppe; quem é, de onde vem, o que faz. ´Aquele é o Giovanni!´. E contam a história do Giovanni. Giuseppe começa a cantar – e todos sossegam; mesmo as crianças, com a boca cheia de balas. Oh, a voz de Giuseppe batendo naqueles altos muros onde agora também está batendo o sol! Oh, a mão de Giuseppe acompanhando no ar a expressão de sua voz! O pátio é só música. Música da boca de Giuseppe, dos seus olhos, das suas mãos, do seu peito... E o maestro feliz, acompanhando Giuseppe, que vai, que vem dentro da música, e não se engana, e não se perde...”

“Bravo, Giuseppe!”

“Logo que a música cessa, a multidão volta ao seu rumor. Mas é rumor de alegria. Olhos brilhantes, faces encarnadas, palavras deslumbradas. Tudo sossega de novo, è espera do segundo número...”

“E assim prossegue a festa, com um bailado ingênuo, de moças muito claras e esbeltas, que levantam os braços para cá e para lá, e se curvam para um lado e para outro, e parecem uns arbustos inclinados por um vento de música – e depois se inclinam e despedem, e recuam, e voltam para os seus lugares... Bravo! Bravíssimo!”

in.: Poemas Italianos. Cecília Meireles. Versão italiana de Edoardo Bizzarri São Paulo: Instituto Cultural Ítalo-brasileiro. 1968. p. 112-3, 155-6.

É emocionante o registro de algo tão singelo por esta poetisa fantástica; o modo como capta, observa e depois tece as palavras para eternizar o momento. Bravíssimo, belíssimo!