O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

domingo, outubro 08, 2023

"A BANDEJA DE SALOMÉ", DE ADRIANE GARCIA: NOTAS DE UM "JOVEM" ATEU

Farei igual ao Jack [Estripador]: vamos por partes!

1º) Não sou tão jovem de idade cronológica: nasci em janeiro de 1981, portanto, estou com 42 anos nesta data. Quando mais jovem, pensava, parecia e agia como um velho ranzinza. Fui melhorando ao longo dos anos, acredito. Um outro curioso caso de Benjamin Button, mas de pensamento, modo de entender, habitar e agir no mundo. Este mundo injusto e cruel!

2º) Sou um jovem ateu! Como eu cri no deus cristão, primeiro como católico - dos 9 aos 18 anos, depois como protestante - dos 18 aos 38, estou ateu no deus cristão e, por desconfiança, em qualquer outra divindade. Talvez, de modo poético, creio em Pachamama, ou adorarei crer - poeticamente - numa divindade que não exige nada, não prometa nada. Talvez, ainda, deva existir - poeticamente, uma Energia que nossa pequenez humana não pode dar conta, não consegue captar/capturar e portanto, não pode dar nome, nem nada...!

3º) As minhas notas sobre o livro "A bandeja de Salomé" são reflexos (reflexões) e reverberações que a leitura - minha, interior e pessoal, de poemas tão potentes causaram neste leitor, ex-cristão, crítico da vida e não de Literatura. Não tenho know how para nada, a verdade é essa!

Minha história com o cristianismo é cheia de peripécias. Meus avós maternos foram cristãos evangélicos pentecostais desde que me entendo por gente. Ternos, vestidos, bíblias debaixo dos braços, cultos fervorosos, orações em línguas estranhas. Na infância, a casa dos avós não tinha nem TV - caixa do demônio! Minha mãe fazia parte da orquestra da igreja, entretanto, sofreu punições por ter casado grávida (eu era o bebê). Com todos os traumas possíveis, dos julgamentos dos pais, dos "irmãos" na fé, minha mãe preferiu não ser fiel a nenhuma igreja. Seguiu a fé no deus cristão do seu modo particular, de casa.

Meu pai, avó e tios paternos, eram/são todos católicos apostólicos romanos por tradição, convicção ou comodismo. Na infância, tinha primos fervorosos, que moravam próximos de nós, assim, eu expressei o desejo de começar a frequentar a catequese para a primeira comunhão e tentei seguir o ritual - mesmo não me encaixando (não adorei a Virgem Maria, não fui devoto de nenhum santo católico, odiava me confessar ao padre e só o fiz duas vezes por obrigação aos rituais), até meus 18 anos.

Quando fui convencido - por minhas histerias, medos e crenças limitantes da época, que só havia uma única "religião" correta: a que pratica o fã clube de Jesus. Foram longos 20 anos, em três igrejas protestantes (duas em Marília-SP e uma aqui em Londrina-PR). O problema dessa galera é querer converter todo mundo para seu clubinho, apontando que o jeito de ser, habitar e agir no mundo das pessoas diferentes deles é errado, pecaminoso, blá, blá, blá... Eles são os carnívoros da "cadeia alimentar religiosa". Triste constatação, mas contra fatos não há argumentos!

Óbvio que nessa trajetória do protestantismo conheci pessoas incríveis, tive experiências maravilhosas, mas como aconselhou o chato do apóstolo Paulo é preciso "reter o que é bom".

Desse modo, os personagens dos poemas de Adriane Garcia, me são familiares, como para qualquer cristão que lê e estuda a bíblia. Infelizmente, esses "crentes fervorosos" não terão coragem de enfrentar a leitura dos poemas de Adriane. Se o fizerem, será apenas para reforçar que a poeta é uma blasfemadora.

Capa do Livro

Orelha do livro

Amei cada poema! Vibrei ao encontrar toda referência ao deus todo poderoso, assim mesmo, em minúsculo: deus. E, todo horror causado por ele ou em nome dele, ganhar uma lente de aumento ou foco a partir do ponto de vista das vítimas, especialmente das mulheres.

Citaria todos os poemas - aliás, senti falta no livro de um sumário com os títulos e suas respectivas páginas - mas isso é perfumaria. Sem contar, que é uma edição bilíngue - Português/Espanhol, com tradução de Manuel Barrós, um jovem peruano que também traduz Cecília Meireles - sempre ela, Deusa! - para sua língua materna. Como não vou citar todos os poemas, leiam o livro!

Vou tecer alguns comentários sobre aqueles que me chocaram! O primeiro, que conheci, inclusive, no pré-lançamento do livro, ano passado, por meio das redes sociais de Adriane, é "A metáfora de Agar", ou seja, a poeta resgata a história de Abrão, Sarai e a serva estrangeira, história que sabemos, nasce o conflito entre Ismael e Israel - cada qual entendendo que são o filho da promessa desse deus maluco. Escrevo um dia depois de novos conflitos entre palestinos e israelenses.

"Tudo são metáforas./ Mas onde encaixamos o estupro?" Adriane encerra o poema com esta pergunta que pode encerrar tantas outras histórias bíblicas ou não bíblicas de mulheres. Por exemplo "O testemunho das filhas de Ló", acusadas no relato bíblico de terem "coabitado" com o pai, relação incestuosa da qual nascem dois descendentes e, consequentemente, dois povos, inimigos dos israelitas: moabitas e amonitas.

"A cor dos olhos de Lia", a irmã "feia" e vesga de Raquel, quem Jacó amava de verdade, mas submeteu-se aos anseios gananciosos de Labão, pai de ambas. Enfim, essa novela mexicana, da qual descendem as doze tribos de Jacó, com quatro mulheres diferentes - Lia, Raquel e suas servas. Como a gente naturaliza esses procedimentos todos, no sentido, eram práticas da época, culturais, blá, blá, blá... Viva Adriane, que nos presenteia com outra perspectiva.

"A razão de Raabe", prostituta de Jericó, que sobreviveu à queda da muralha de Jericó, salvando sua família e entrando para a genealogia de Jesus. Que reviravolta, Adriane! Meu queixo caiu com o desfecho desse poema!

A tocante história - não deixa de ser - de Rute e Noemi, porém, revisitada, recontada pela própria Rute. "O nojo de Betsabé", aquela que Davi cobiçou e tomou, do soldado que depois morreu. Junto com um poema anterior "O espelho de Mical", ambos poemas demonstram como a maioria dos homens cis-héteros, se relacionam com o "sexo oposto". Só isso, sexo, mas amam outros homens!

"A confissão da outra mãe", poema que reescreve a disputa das duas mães resolvida pelo "sábio" rei Salomão, sobre o bebê que a OUTRA mãe roubou em função da morte do seu bebê. Foi um verdadeiro "plot twist"!

"O método da mulher de Ló", meu senhor da goiabeira, que CHO-CAN-TE e TO-CAN-TE, ao mesmo tempo e te leva a pensar em tantos modos de tirar a própria vida, por não suportar mais a opressão desse mundo - repitam comigo: injusto e cruel, especialmente com mulheres e crianças.

"O ódio de Herodias", "A palavra de Maria", "A generosidade da boa samaritana" e todos, encerrados com o poema que dá título ao livro: "A bandeja de Salomé". Mesmo que de modo literário, é satisfatório, ver que na bandeja de Salomé estão tantas cabeças, que usaram poder, influência, sobrenome, status social para oprimir mulheres, crianças e outros vulneráveis.

Eu, jovem ateu, encerro, as notas desta leitura impactante, de uma poeta contemporânea, cujo primeiro livro que li, em forma de e-book, "Estive no fim do mundo e me lembrei de você", poesia pura no título - que título é esse? Enfim, Adriane, tem a capacidade de me impactar com seu modo de entender, habitar e agir no mundo, este mundo injusto e cruel, que castiga a TODOS, mas fere mortalmente os que SENTEM!