O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

quinta-feira, janeiro 28, 2021

MINHA COLEÇÃO PARTICULAR DE CECÍLIA MEIRELES E A CHEGADA DE “NOVOS” EXEMPLARES, COM DESTAQUE PARA UM DE 1949

 

Meu amor e minha admiração por Cecília Meireles crescem consideravelmente. Tamanhos são meu amor e admiração por ela que meu desejo é citá-la e referencia-la o tempo todo. Sigo empenhado em ter comigo toda sua obra publicada, todas as palavras que escreveu e publicou, bem como todas que escreveu e não pode publicar em vida, mas o fizeram suas filhas.

Poemas, romances, contos, crônicas, reportagens, ilustrações. Quero tudo! Tenho um selo comemorativo de seu centenário. Gostaria de ter a cédula de 100 cruzeiros. Se possível, a edições mais antigas, mais próximas da autora quando ainda respirava. Como este exemplar que acabei de ganhar de presente da minha esposa por ocasião do meu quadragésimo aniversário (15/01/2021); ganhei outros livros da Cecília, da minha esposa, mãe e irmã, entretanto, este último é especial.



Minha esposa também me presenteou com uma boneca da Cecília, a boneca mais linda e única, não haverá outra igual. Nada comum, não é mesmo? Esposa confecciona e presenteia o marido com uma boneca. Pois é, não somos comuns.








O primeiro livro de Cecília Meireles que foi morar em casa e tenho até hoje: “Melhores poemas – seleção de Maria Fernanda”, 8ª edição, 1996, da Editora Global. O modo como esse exemplar foi parar em casa, um dia talvez eu confesse a um padre. No ano de 2011, minha querida amiga Tânia Tolentino me presentou com o mesmo livro, 14ª edição, de 2002.

O primeiro livro que eu comprei com meu salário foi “Crônicas de Viagem”, no ano de 2000, por conta de uma coluna publicada no jornal da minha cidade natal (Marília-SP); a coluna foi escrita, vejam só, por uma professora da Unesp de Marília, que viria ser minha professora no ano seguinte (2001), Profa. Sonia Marrach, responsável pela disciplina “História da Educação no Brasil”.

O meu exemplar de “Crônicas de Viagem” eu presenteei à minha amiga Priscila Mendonça, em um aniversário dela, 28 de agosto, só não me recordo o ano.

Depois eu descobri que a biblioteca da Unesp possuía os três primeiros volumes do livro “Crônicas de Educação”, os quais reúnem crônicas escritas por Cecília Meireles, enquanto foi jornalista, de dois jornais cariocas, o primeiro de 1930 a 1933 e o segundo de 1941 a 1943.

No ano de 2010, por ocasião do Dia dos Namorados – 12 de junho, Paula, minha eterna namorada, presenteou-me com a coleção dos 5 volumes de “Crônicas de Educação”. A leitura desses volumes, à época estudante de Pedagogia foi tão arrebatadora que não me achava digno de exercer o ofício de Professor, tamanha a responsabilidade apontada pelas crônicas de Cecília.

Minha coleção seguiu um ritmo tranquilo de aquisição de outros exemplares, que chegaram por meio de sebos da internet. Um dos momentos mais sublimes de aquisição de obras de Cecília (muitos exemplares no mesmo dia), foi quando estive por primeira vez na cidade do Rio de Janeiro, em setembro de 2007.

Numa reportagem de TV eu tinha ouvido que Cecília Meireles morou na Rua Smith de Vasconcelos, no. 30, no bairro Cosme Velho. No meu segundo dia no Rio de Janeiro fui atrás da casa. Encontrei! Tirei fotos, por fora. Tinha a esperança de entrar na casa e ver a biblioteca pessoal de Cecília, enfim, sua casa toda... ninguém atendeu minhas palmas insistentes.

[as fotos que tirei em frente à casa, estão em meu outro blog]

Descobri que a casa fica na rua lateral do Trem do Corcovado e foi assim que conheci o Cristo Redentor, por causa da Cecília Meireles. Como fiquei hospedado em um hostel (albergue para jovens) em Ipanema, na Rua Vinicius de Mores, o trajeto do ônibus do hostel a Cosme Velho e de Cosme Velho ao hostel, passava pela Avenida das Laranjeiras, onde fica localizado o Instituto Nacional de Educação de Surdos – INES.

O INES foi o motivo principal para eu estar no Rio de Janeiro, naquele setembro de 2007. O instituto realiza anualmente um congresso e naquele ano comemorava 150 anos de fundação. Uma viagem memorável e inesquecível por muitos motivos.

Cecília Meireles visitou o INES e escreveu crônicas sobre a visita na sua coluna. Eu conheci uma das crônicas por meio da Revista “Sentidos”, publicação do INES, numa seção que resgata a “História” do instituto. Andando por Copacabana, ainda em 2007, descobri uma livraria/sebo: “Livraria Mar de Histórias”, Rua Francisco Sá, 51 – Copacabana, loja 11 e 12. O Google Mapas mostra uma foto da fachada da livraria onde se lê: “Todo livro que você não leu é um livro novo”. Por isso eu amo sebos!

Encontrei muitos tesouros de Cecília nesse sebo. Destaco um deles: o livro “O que se diz e o que se entende”, Editora Nova Fronteira, 1980. O que faz desse exemplar especial? Muito especial, para mim, aliás. É que o livro possui uma dedicatória escrita a mão, Stella compra este exemplar e presenteia a Lucy em 1980 (livro recém lançado). É muito caro para mim esses “pequenos” detalhes. “À querida Lucy do coração sutil e da alma requintada, carinhosamente. Stella. Rio, 17 de julho de 80”. Ainda sonho em descobrir Stella e Lucy, o que foram uma para outra, qual a história – oculta para mim e agora para vocês – que este livro representa para ambas. Enquanto Stella realizava aquele carinho a Lucy, eu estava sendo formado no ventre materno (cheguei ao mundo seis meses depois).




A biblioteca da Unesp em Marília-SP possui um exemplar do livro “Poemas Italianos, com a versão italiana de Edoardo Bizzarri”, do Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, 1ª. edição de 1968, que eu, não podendo roubar o exemplar para mim (mais um pecado para confessar ao padre), tirei cópia na íntegra. Espero um dia poder ter o original!

O exemplar mais antigo que possuía até então é do ano de 1953 – Poemas escritos na Índia. Tenho outros da década de 1960 (1962, 1963); década de 1970 (1973, 1974); década de 1980 (1980, 1981, 1982, 1983). Depois são livros já publicados neste século presente. O único novo que adquiri neste período é o “Romanceiro da Inconfidência”, uma versão de bolso, de 2012, que comprei na livraria da EDUEL (Londrina).

No meu aniversário desse ano, minha irmã me presentou com um livro da Lygia Fagundes Telles e uma edição de bolso: “Cecília de bolso – uma antologia poética”, de 2014. Minha mãe me deu “Crônicas para jovens”, seleção, prefácio e notas biobibliográficas de Antonieta Cunha, da Editora Global, de 2012. Minha esposa me presentou com quatro exemplares: “Janela Mágica”, Editora Moderna, de 2003; “Canção da tarde no campo”, Editora Global, com ilustrações de Ana Raquel, 2ª edição de 2002; “O menino azul”, Editora Global, com ilustrações de Elma, de 2013. E o exemplar que motivou esse texto: “Rui, pequena história de uma grande vida”, biografia de Rui Barbosa, escrita por Cecília Meireles, sob encomenda da Casa de Rui Barbosa, edição comemorativa ao centenário de nascimento de Rui Barbosa, em 1949.

Foi amor à primeira vista. Tirou o trono de exemplar mais antigo do livro “Poemas escritos na Índia”. O livro é diferente de tudo que já tive de Cecília ou qualquer outro. Uma garota “prodígio” escrevendo sobre outro garoto “prodígio”. Um espírito humano elevadíssimo narrando poética e sensivelmente a história de vida de outro espírito igualmente elevado, de uma importância histórica para nosso país, que repercutiu internacionalmente.

Eu li num artigo sobre as comemorações do centenário de nascimento de Rui Barbosa que foi produzido 90 mil exemplares e distribuídos aos alunos do último ano (ensino médio?) por meio da Força Aérea Brasileira.

O livro é lindo, poético e sensível. Com fotografias relacionadas à vida de Rui Barbosa. Cada capítulo Cecília encerrou com uma citação do próprio Rui Barbosa. Um tesouro. Apresento algumas fotos do meu tesouro e finalizo com um checklist dos livros que tenho (sim) – e não tenho (em branco), de Cecília Meireles. Aceito presentes fora da época do meu aniversário. Livros de sebos são os melhores! Quanto mais velho, mais eu amarei! Minha busca pessoal é pelos originais.

 



















Obrigado! De nada!

 

Espectros, 1919

 

Criança, meu amor, 1923

 

Nunca mais, 1923

 

Poema dos Poemas, 1923

 

Baladas para El-Rei, 1925

 

O Espírito Vitorioso, 1929

 

Saudação à menina de Portugal, 1930

 

Batuque, samba e Macumba, 1933

 

A Festa das Letras, 1937

 

Viagem, 1939

Sim

Olhinhos de Gato,1940

 

Vaga Música, 1942

 

Poetas Novos de Portugal, 1944

Sim

Mar Absoluto, 1945

 

Rute e Alberto, 1945

Sim

Rui — Pequena História de uma Grande Vida, 1949

Sim

Retrato Natural, 1949

 

Problemas de Literatura Infantil, 1950

 

Amor em Leonoreta, 1952

 

Doze Noturnos de Holanda, 1952

 

O Aeronauta, 1952

Sim

Romanceiro da Inconfidência, 1953

Sim

Poemas Escritos na Índia, 1953

 

Batuque, 1953

 

Pequeno Oratório de Santa Clara, 1955

 

Pistoia, Cemitério Militar Brasileiro, 1955

 

Panorama Folclórico de Açores, 1955

 

Canções, 1956

Sim

Giroflê, Giroflá, 1956

 

Romance de Santa Cecília, 1957

 

A Bíblia na Literatura Brasileira, 1957

 

A Rosa, 1957

 

Obra Poética,1958

 

Metal Rosicler, 1960

 

Poemas de Israel, 1963

Sim

Antologia Poética, 1963

 

Solombra, 1963

 

Ou Isto ou Aquilo, 1964

Sim

Escolha o Seu Sonho, 1964

Sim

Crônica Trovada da Cidade de San Sebastian do Rio de Janeiro, 1965

 

O Menino Atrasado, 1966

 

Poésie (versão francesa), 1967

 

Antologia Poética, 1968

Sim

Poemas Italianos, 1968

 

Poesias (Ou isto ou aquilo& inéditos), 1969

 

Flor de Poemas, 1972

 

Poesias Completas, 1973

 

Elegias, 1974

 

Flores e Canções, 1979

 

Poesia Completa, 1994

 

Obra em Prosa - 6 Volumes - Rio de Janeiro, 1998

Sim

Canção da Tarde no Campo, 2001

 

Poesia Completa, edição do centenário, 2001, 2 vols. (Org.: Antonio Carlos Secchin. Rio de Janeiro: Nova Fronteira)

Sim

Crônicas de educação, 2001, 5 vols. (Org.: Leodegário A. de Azevedo Filho. Rio de Janeiro: Nova Fronteira)

 

Episódio Humano, 2007

 

sexta-feira, janeiro 08, 2021

The Crown – A Coroa: pequena reflexão sobre o que a série me provocou

 


 

Paula e eu terminamos de assistir aos 40 episódios, distribuídos em quatro temporadas, a série da Netflix, The Crown (A Coroa), com enfoque na vida da Rainha Elizabeth II, monarca do Reino Unido.

Tudo é muito primoroso, em termos de produção televisiva, sendo inclusive a mais cara já produzida até então. A abertura é de uma imponência, uma experiência áudio-visual arrebatadora, a construção gradual da coroa, junto com a música instrumental, que vai num crescente e, dependendo do volume da TV, fica ensurdecedor nos últimos segundos!

Sim, a família real britânica parece exercer um fascínio geral; mesmo não querendo, estamos ali, na TV, na internet acompanhando as intempéries dos membros da família real. Alguém resistiu e não assistiu ao casamento do príncipe William com Kate na TV aberta (29 de abril de 2011), ainda que pequenos trechos ou leu algo a respeito?

Para nós que vivemos em um país de regime presidencialista, que temos uma jovem e frágil democracia, parece mais distante e surreal que um país, em pleno século XXI, ainda seja uma monarquia constitucionalista, como é a Inglaterra. Na verdade são 43 países que ainda possuem algum tipo de monarquia – onde o monarca pode ter mais ou menos influência nas questões de decisões do país.

Ainda que eu não seja especialista em nenhum dos temas que toco nessa pequena reflexão, quero/preciso registrar um ponto principal que a série suscitou em mim:

- A necessidade que o ser humano tem em se agarrar a um mito:

No episódio 4 da primeira temporada (Ato Divino), Elizabeth visita a avó Mary, que havia enviado uma carta na ocasião em que o rei havia morrido (pai de Elizabeth, filho de Mary), portanto, Elizabeth seria coroada a nova rainha. Elizabeth lê um trecho da carta:

“Lealdade ao que você herdou é seu dever acima de tudo, porque o chamado vem de uma origem mais alta. Do próprio Deus”.  A rainha pergunta se a avó acredita realmente nessa afirmação e avó responde:

“A monarquia é a sagrada missão de Deus para abençoar e dignificar a Terra. Para dar as pessoas comuns um ideal pelo qual viver, um exemplo de nobreza e responsabilidade para elevá-las de suas vidas miseráveis. A monarquia é um chamado de Deus. Por isso a coroação é numa abadia e não num prédio governamental. Somos ungidos, não indicados. É um arcebispo que põe a coroa em sua cabeça, não um ministro ou funcionário público. E, por isso, você responde a Deus em seu cargo, não ao público”.

A rainha Elizabeth traz argumentos do marido, o príncipe Philip, que não concordaria com essa definição de monarquia, que deveria ser mais atual. Igreja e Estado serem separados. A avó contra argumenta desqualificando a ascendência real do príncipe que não é tão antiga e cheia de qualificadores como os antigos monarcas britânicos.

A questão é: fiquei chocado com essa afirmação da rainha Mary. Se a fez realmente ou não, está claro que é assim que pensa e age a monarquia, especialmente a britânica.

Por isso tantos protocolos. Por isso tantos impedimentos de uma vida próxima ao comum (das vidas miseráveis!). E este é exatamente o ponto: os membros da família real são humanos, mas se recusam a ser somente humanos. Ou os protocolos e os conservadores não deixam que qualquer membro da família real deixe a personalidade ou individualidade se sobressair. O que causou e causa tanto sofrimento neles.

O próprio Rei Eduardo VIII que abdicou do trono por conta do amor a uma americana divorciada, ao que pese outras tantas questões polêmicas sobre esse casal (a aproximação com o nazismo, etc). Ambos e especialmente o ex-rei, na série, são retratados como verdadeiros inimigos da Coroa, por não ele não ter sido fiel ao chamado da Coroa e ela, o motivo de ter desviado o rei desse chamado.

O contraditório é que, as pessoas comuns ainda acreditam que seria um verdadeiro conto de fadas terem uma vida na família real. E, ouso dizer que o fascínio do público pela realeza é esse: acompanhar esse reality show, esperar uma traição, um deslize, um ato próximo do comum, para o “bem” ou para o “mal”.

A impossibilidade de se casar com que se ama. A impossibilidade de se divorciar e etc, sabemos mais ou menos o sofrimento da princesa Diana, entretanto, a irmã da rainha Elizabeth, a princesa Margaret sofreu de modo muito próximo à tortura moral e psicológica. É sofrível acompanhar a vida triste e frustrante dessa mulher.

Igualmente é sofrível e frustrante acompanhar a vida de qualquer um deles. Vibramos com qualquer atitude mais humana que venham ter, como um abraço ou expressão de seus reais sentimentos e desejos.

No livro “Amor, poesia e sabedoria”, do filósofo francês Edgar Morin, sobre o amor, o autor localiza o amor em dois extremos: o físico e o mitológico, sendo que o primeiro está relacionado ao “engajamento do corpo” (e não somente a questão biológica do sexo), beijo, olho no olho, declarações amorosas, etc... o aspecto mitológico do amor está relacionado a tudo que se idealiza sobre a questão, o aspecto sagrado (religioso ou não). Em ambos os aspectos, Morin deixa claro que são influenciados por questões culturais: como expressar o amor, como “executar” o ato de amar.

Trago a discussão do amor, com base no texto de Morin, somente para incluir a questão do mito, que a meu ver, absorve todos os aspectos da nossa vida, não somente no amor. O mito que explica a criação do mundo (não somente judaico-cristã), o mito que rege nosso comportamento, o mito do desejo de ter poder e dominar. Mitos! E, deixo claro que os mitos não são ruins, desde que não sejam eles fonte de destruição da nossa humanidade ou que sejam usados para impor padrões e, portanto, causar dor e sofrimentos naqueles que estão “fora dos padrões”.

Como é triste a vida humana quando é afastada da sua humanidade. Tristeza que pode levar a tragédias individuais (que nunca são individuais, pois afetam outros ao redor) e podem ser tragédias de um povo, de uma nação (como dos nove anos adicionais para o fim do Apartheid na África do Sul, como veremos abaixo).

Poderia citar tantos outros fatos e episódios da série, como aquele em que um “miserável” britânico invade o castelo de Windsor e vai até o quarto da rainha. Como algumas questões históricas – Guerra de Suez, Guerra das Malvinas, Guerra Fria, estão associadas aos egos de políticos e monarcas.

Foi tocante o episódio em que o príncipe Philip fica obcecado com a viagem da Apollo 11 até a lua. O roteiro vincula sua frustração enquanto homem que quer desbravar o mundo e seus próprios limites, entretanto, deve ocupar-se em ser um enfeite, um bibelô – assim como são todos, começando pela rainha, que na série e na vida, demonstra ter incorporado bem essa figura de ser um enfeite!

Quando o príncipe se encontra com os três astronautas – privilégio por ser príncipe, ele fica frustrado em constatar a humanidade dos garotos. São homens comuns que realizaram um feito extraordinário, mas são humanos: ficam doentes, possuem seus próprios ídolos, sonhos e desejos. São sábios e falhos!

Peguei uma raiva de quase todos os personagens, especialmente, dos conservadores. Uma imensa tristeza e empatia pelos que sofreram (Margaret e Diana). Príncipe Charles é uma vítima – da Coroa, do pai, da mãe, e ele próprio não teve coragem de brigar e assumir o amor por Camilla (sua atual esposa), sem antes tornar-se também co-autor (senão o principal) algoz de Diana.

Uma raiva em particular da primeira-ministra Margaret Tatcher, que pode ser uma figura histórica tida como brilhante, magistral, porém (e exatamente por sermos seremos complexos e contraditórios), a série deixou claro que a recusa dela, enquanto primeira-ministra em assinar o documento de sanções comerciais e econômicas contra o governo da África do Sul, juntamente com os outros países que faziam parte da Comunidade Britânica, para que acabassem com o “Apartheid”, foi para defender interesses do próprio filho, tido como o favorito dela, pois ele mantinha negócios com a África do Sul.

No final desse episódio, a série informou que em 1994 o Apartheid caiu e Nelson Mandela foi eleito o primeiro presidente negro do país. Perguntado se as sanções ajudaram a derrubar o Apartheid, ele respondeu: “Sem dúvida nenhuma”. A primeira-ministra poderia ter feito isso em 1985. Bruxa! Demônia! São os qualificadores que posso publicar aqui de como xinguei aquela mulher.

Faço referência novamente ao texto de Morin, quando ele questiona o “título” dado à espécie humana atual: “homo sapiens”, ou seja, o homem racional e sábio.

“Ser Homo implica ser igualmente demens: em manifestar uma afetividade extrema, compulsiva, com paixões, cóleras, gritos, mudanças brutais de humor; em carregar consigo uma fonte permanente de delírio; em crer na virtude de sacrifícios sanguinolentos, e dar corpo, existência e poder a mitos e deuses de sua imaginação” (p. 07).

O autor segue dissertando sobre a importância da loucura para nossa espécie: “[...] é fonte de ódio, crueldade, barbárie, cegueira. Mas sem as desordens da afetividade e as irrupções do imaginário, e sem a loucura do impossível, não haveria élan, criação, invenção, amor, poesia” (p. 07).

A vida é, afinal, uma busca incessante por um equilíbrio entre racionalidade e loucura. Morin pergunta: “Prudência, sim, mas isso não significa esterilizar nossas vidas, evitar iscos a qualquer custo? Temperança, sim, mas será mesmo necessário evitar a experiência da ‘consumação’ e do êxtase? Desprendimento, sim, mas será mesmo necessário renunciar aos laços de amizade e amor?” (p. 08).

A Coroa é uma “sagrada missão de Deus” que a família real britânica está disposta a levar adiante, a qualquer custo, evitando toda experiência de consumação e êxtase, renunciando laços de amizade e amor, mesmo que seja apenas para manter as aparências e com brutal esmagamento da mulher (os homens podem ter suas amantes, as mulheres não, ou são mais crucificadas por terem amantes), mas se mantem o sacramento do casamento intacto.

Com tudo isso não estou dizendo que sou anti-monarquista, abaixo a coroa, que acabe de uma vez... Talvez, é só um desejo de uma realeza mais próxima da realidade humana (sapiens/demens), sem construir aparências e exigir o cumprimento de regras sem levar em consideração o humano. O que pode ser contraditório, pois quebraria o "encanto" e o mito se desfaria...

“Finalmente creio que as grandes linhas da sabedoria se encontram na vontade de assumir as dialógicas humanas, que podem ser resumidas na dialógica sapiens-demens e na dialógica prosa-poesia”, escreve Morin nas últimas páginas.

Todos nós elegemos, consciente ou inconscientemente, nossos mitos e deuses, não somente no aspecto transcendental, mas em nosso dia a dia, nas questões políticas, econômicas, sociais, educacionais, de lazer... Para a maioria dos britânicos a monarquia é um desses tantos mitos idealizados. Para nós, cidadãos de um país com imenso potencial, porém, dominado por uma cultura colonialista, regidos pelo padrão do homem branco europeu ou do “sonho” norte-americano, quantos mitos nos regem?

Com esta pequena reflexão, não estou atacando a coroa ou qualquer outro sistema. Estou tentando exercitar o que Edgar Morin escreveu abaixo: um auto-exame, autocrítica. Pensar sobre tudo isso que chamamos de mundo e de vida!

“Se o mal que sofremos e fazemos sofrer reside na incompreensão do outro, na autojustificação, na mentira a si próprio (self decepction), então o caminho da ética – e é aí que introduzirei a sabedoria – reside no esforço da compreensão e não na condenação, no auto-exame, que comporta a autocrítica e que se esforça em reconhecer a mentira para si próprio” (p. 67).

E você? Assistiu à série "The Crown"? Ainda que não assistiu, tem algo a dizer sobre as questões citadas nesse texto? Ficarei imensamente feliz se quiser e puder compartilhar comigo.

p.s.: a concretização do mito na figura da princesa Diana, que morreu tragicamente, tornando-a "um mártir" pelos feitos em vida, eternamente jovem em nosso imaginário. Igualmente, com a Rainha Elizabeth, indo para o lado cômico com sua firmeza e longevidade, haja vista tantos memes produzidos brincando com sua idade e por ter participado de tantos eventos mundiais, conhecido tantos líderes mundiais importantes, que já morreram e ela segue firme. Enfim, há tantos elementos para serem analisados e discutidos.