[o texto contém links em algumas palavras e frases, que direcionam para as referências de outros textos, meus ou de outros]
Como pode um texto ser de
uma vida inteira? Não cabe a vida inteira numa folha de papel, em mil palavras
ou em dez mil palavras ou cem mil, seja quantas forem. A vida real, de todas as
horas, minutos, segundos que se tornam dias, meses, anos, décadas. Pois é o que
somos, seres mortais, um amontado de décadas. Duas datas na lápide!
Mas, o intervalo entre elas,
ah, é sobre isso que escrevo. A vida! A vida real. A vida real não cabe no
papel, seja num romance, numa novela, numa peça de teatro, num roteiro de filme.
Ainda que autobiográfico, não cabe, o papel não comporta. Por isso, entre
outras maravilhas do texto escrito, amo o poema “Biografia”,
de Cecília Meireles.
Entretanto, o fato e a consciência
da vida real não caber no papel, não é impeditivo para escrever. É preciso
escrever. Escrever, escrever, escrever! Por necessidade, como é o meu caso,
escrevo. Já escrevi muito mais em anos passados do que escrevo hoje. Sem preocupação
com regras e estilo, escrever para mim primeiro, na tentativa de ser
compreensível depois. Folhas e mais folhas do que chamei de diário,
devocionais, orações escritas, percepções dos dias. Escrever!
Escrevi tanto, tanto, que
criei um calo nos dedos da mão direita, pois coube a mim ser destro, ainda que
desejei ser canhoto ou um ser completo: ambidestro (canhodestro!) Escrevi
sobre isso num dos meus trabalhos favoritos, redigido para uma disciplina da
universidade. Escrever para mim sempre foi um imperativo, escrevi assim. Da minha
família – pai, mãe e irmãos, sem pestanejar, sou o que mais escrevi. Mil vezes
mais.
Porém, há outros sujeitos
que já morreram inclusive, mais jovens e, que escreveram dez mil vezes mais que
eu. Há aqueles que continuam escrevendo e escrevendo, por muitos motivos: pessoais,
políticos, religiosos, financeiros. O importante é escrever!
Escrevi num dos grupos de
whatsapp que participo que precisamos nos apropriar do poder da palavra. Da palavra
falada: ouvir aos outros, pensar, refletir, ponderar e também falar. Falar e
falar bem também é uma arte. Apropriar-nos da palavra escrita: ler, ler, ler,
ler muito, todo tempo, tudo que quiser e puder ler. Também escrever, escrever,
escrever e escrever.
Antes de escrever no grupo
de whatsapp, disse o mesmo para um grupo de jovens do Ensino Médio, alunos de
uma grande amiga-irmã, que me convidou para falar com sua turma sobre o meu
amor por Cecília Meireles – pois ensinava a eles um determinado período da
poesia brasileira e alguns poetas, entre eles Cecília. Tenho esperança de que
minhas palavras tenham surtido efeito. Ao menos, que sejam sementinhas que no
devido tempo, florescerão.
Vencida a timidez de pelo
menos duas décadas de vida, na universidade, preparando-me para ser professor,
seminários, estágios, regências. Vida acadêmica, mestrado e doutorado, entre um
e outro tornei-me professor. Falei muito sobre muitos temas: Educação, Educação
Especial, Educação de Surdos e tenho lido, escrito e falado sobre muitos
outros novos assuntos. É um oxigênio para mim!
O texto de uma vida inteira!
Estará no bilhete do suicida? Numa carta de amor? No testamento de um moribundo?
O texto de uma vida inteira está na soma de todos os escritos que uma pessoa
escreveu em vida? Talvez, pois o que escrevi nos idos dos meus 19 anos não sou eu. Aqueles
escritos registram uma pequeníssima parcela do autor que fui naquela época.
Não importa! O importante é
escrever. Escrever, escrever, escrever. Um dia, quando a data derradeira chegar,
a segunda data da lápide estiver determinada, pois a morte é pragmática, o
texto de uma vida inteira, da minha vida, alguém se interesse em reunir, tudo o
que escrevi e buscar um sentido, interpretações, o que eu estava vivendo na
época, o que eu queria dizer com este e aquele trecho... Será petulância
acreditar que alguém se interessaria por minhas palavras? É a
ilusão de uma possível eternidade, como desejou Anne
Frank e escreveu no seu diário, escondida no sótão.
Lá nos idos de 2003, escrevi
um “poema” intitulado “Perdoe-me
se eu morrer”. “Perdoe-me se eu morrer ao amanhecer”, “Perdoe-me se eu
morrer ao entardecer”, “Perdoe-me se eu morrer ao anoitecer”, “Perdoe-me se eu,
simplesmente, morrer” são as frases iniciais das quatro estrofes do poema.
Tenho manuscritos, tenho
textos digitados, perdidos nos meus computadores antigos, no Google Drive, em
folhas avulsas, tenho dois blogs, um que continuo “alimentando” e outro que
agora é um museu virtual,
reunindo trechos daquele que será o meu texto de uma vida inteira.
Tenho necessidade de
escrever sobre tantos assuntos: vida e morte são uma constante, mas também
escrevo sobre leituras que me marcaram, sobre fatos corriqueiros que ganham
importância – ao menos para mim, por isso escrevo sobre eles. Escrevi sobre uma
mala
que viajou 11 dias! Escrevi sobre a dominação das formigas!
Escrever é terapêutico. Sim.
É um exercício catártico! Aconselho: escrevam. Foi assim que escrevi o meu primeiro
livro “Cartas do Menino do Quarto para o Mundo”, nesse ano de 2020: um processo
terapêutico sobre o processo de identificação da superdotação já adulto.
Como disse a querida Professora
Stela Muller, quando eu estava na universidade: mesmo que escrevemos para não
mostrar para ninguém, escrevemos para nós mesmos, somos nossos primeiros
leitores. Ao lermos o que escrevemos é como aquela sensação do seu espírito
fora do corpo, você está vendo a si próprio.
Portanto, escreva! E quando
tiver coragem, compartilhe o que escreve. Primeiro com os amigos mais próximos,
depois com as pessoas que vão se aproximando e, de repente, terá amigos que
primeiro conheceram seus escritos.
Por fim, as pessoas do
futuro saberão da sua existência, por que teve coragem de escrever. Assim como
conheço Clarice, Cecília, Albert, Doyle, Drummond, Veríssimo pai, Veríssimo
filho (vivo), Bandeira, o Manuel e o Pedro (vivo). Tantos outros e não tão
famosos, mas que leio, e aprendo, e cresço, pois tiveram coragem de escrever.
Escrevam! Para vocês mesmos,
para aquela determinada pessoa, para todo mundo. Escreva para mim!
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