O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

quinta-feira, outubro 22, 2020

AS VISITAS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL EM MINHA CASA E O DECRETO 10.502

 

(Fonte da Imagem)

Em Londrina-PR, cidade que acolhe a mim e a minha família desde o dia 28 de março de 2013, há o Instituto de Educação Estadual de Londrina, conhecido e chamado pela sigla IEEL.

O IEEL ofereceu tradicionalmente a formação de professores no formato de Magistério, ou seja, a formação profissional, concomitante à formação do Ensino Médio. Depois de reformas nas leis educacionais, com a exigência mínima no nível superior para a atuação na docência, seja na Educação Infantil e/ou no Ensino Fundamental, nível 1, o Estado do Paraná, ainda permitia a atuação do professor formado “apenas” com o Magistério (“apenas” está entre aspas, pois, os cursos de Magistério, não somente no Paraná, ofereceram excelentes bases para a atuação dos professores).

No curso existente de Magistério do IEEL, tem uma disciplina para os alunos do segundo ano, “Fundamentos da Educação Especial/Inclusiva” – acredito que seja essa a disciplina, o importante a destacar que o objetivo é que os alunos tenham a formação na Educação Especial/Inclusiva. Como atividade da disciplina, o IEEL, professores e alunos dessa disciplina promovem um evento aberto a toda comunidade interessada.

Aqui é onde me encontro com esse evento, na minha mudança para Londrina, tendo como colega de trabalho (no Departamento de Educação da UEL) a Professora Josiane Junia Facundo de Almeida, hoje minha grande amiga e irmã, que trabalhava também no IEEL, fez o convite para eu dar uma palestra no IX Encontro sobre Necessidades Educacionais Especiais e Inclusão (ENEEI), em setembro de 2013.

Assim foi nos anos seguintes, no X ENEEI (2014) e XI ENEEI (2015), minha participação como palestrante. Nos anos seguintes, 2016 a 2018, fiquei responsável, na mesa de abertura, fazer a panorâmica do evento, nas edições XII, XII e XIV.

O texto abaixo foi escrito para a panorâmica do ano de 2017 (XIII ENEEI), sobre o qual farei uma adaptação para publicá-lo aqui no Blog, suprimindo as partes específicas do evento (no exercício de escrever esse texto, veio-me a ideia de um trabalho acadêmico, algo como a historiografia do evento, no qual a/o aluna/o faria um resgate desde a primeira edição até a última: título, temas, palestras, palestrantes; que área da Educação Especial teve mais enfoque: surdez, cegueira, deficiência intelectual, deficiência física, altas habilidades/superdotação? Divagações...)

O objetivo dessa adaptação, na verdade, são dois: 1. A Educação Especial fez novas visitas à minha família (vide o título do texto). 2. No dia 30 de setembro de 2020 foi publicado um novo documento sobre as Políticas Nacionais para a Educação Especial e Inclusiva no Brasil, pelo governo federal, o que gerou uma grande polêmica e, até a presente data não tinha me manifestado sobre o tema.

Sou consciente de que minha opinião não interessa, mas pessoalmente, como interessado no tema e envolvido com ele dos pés à cabeça, sinto-me no dever comigo mesmo de escrever meu posicionamento.

Segue abaixo o texto escrito originalmente em 2017, cujas modificações, inserções estarão marcadas em itálico ou com alguma observação.

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Relatarei três [seis] visitas que a Educação Especial fez ao meu lar até a presente data.

Sou Pedagogo com habilitação em Deficiência Auditiva, formado pela UNESP de Marília-SP, minha cidade natal. Atualmente professor de Língua Brasileira de Sinais, no Departamento de Educação da Universidade Estadual de é Londrina [até janeiro de 2020. Atualmente, professor substituto do Departamento Acadêmico de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, no campus de Londrina, desde agosto de 2019]. Desse modo, a Educação Especial fez parte dos meus 4 anos e meio de graduação, o vínculo com a EE permaneceu de várias formas no Mestrado e no Doutorado, bem como no início da minha carreira na docência, em 2008.

Porém, o relato das três [seis] visitas da EE não diz respeito à minha escolha profissional: eu trabalho com a EE, mas sim, diz respeito à minha vida pessoal: sou casado com Paula, boliviana e somos pais de Lorenzo, 6 [9] anos e Benjamin, 3 [6] anos.

A primeira visita foi da Altas Habilidades/Superdotação

A segunda visita foi da Toxoplasmose congênita

A terceira visita foi da Mobilidade Reduzida

[A quarta, quinta e sexta visitas é da Altas Habilidades/Superdotação novamente, assim, ela não é mais visita, integrante fixa da nossa família].

Lorenzo tem o diagnóstico de AH/SD, o que pode parecer incrível, porém e, infelizmente, os sistemas educacionais, sejam eles públicos ou privados, em sua grande maioria, manejam INADEQUADAMENTE as questões didático-pedagógicas, sócio-psicológicas relacionadas à DIFERENÇA, seja ela qual for. Essa primeira visita (a da AH/SD) veio para ficar, não é mais uma visita [já sabia que ela era membro fixo na família], estamos aprendendo sobre ela, já que fará parte de nossas vidas. Nós, como pais, estaremos constantemente, enfrentando barreiras para que a AH/SD não seja um problema na vida do Lorenzo.

A segunda visita da EE em casa foi completamente inesperada e assustadora. No 6º mês de gestação do Benjamin, Paula teve toxoplasmose, o que, em linhas gerais, causa má formação do bebê, como microcefalia, surdez e ou cegueira, múltipla deficiência. Benjamin foi considerado bebê com toxoplasmose congênita até todos os exames do protocolo para toxoplasmose terem resultados negativos. Quando o último exame de sangue acusou 0,002% de toxoplasmose (por causa do sangue da mãe) recebeu alta aos 2 anos de idade. A segunda visita da EE foi longa (2 anos), mas foi embora. Um verdadeiro alívio!

A terceira visita da EE ao nosso lar é mais recente, ficou pouco tempo, porém causou alguns danos. Em junho desse ano [2017], Lorenzo fraturou a tíbia direita em 2 locais diferentes, o que o deixou na condição de cadeirante/com mobilidade reduzida por 2 meses, mais outro mês com muletas. O maior enfrentamento desse período foi com a Escola Particular onde estudava, pois o atestado do médico dizia que ele deveria retornar à escola logo que colocou o gesso no 5º dia de fratura, porém, a escola é vertical, um prédio de 4 andares, sem rampas, elevadores, plataformas ou banheiros acessíveis. Apenas escadas!

Para resumir a ópera, de modo abrupto e traumático tivemos que tirá-lo da escola, pois a escola não acolhia o Lorenzo em sua condição de cadeirante [pensando sobre a escola, não o acolhia antes na sua condição de Altas Habilidades também. Nós processamos a escola e o Ministério Público acompanhou o caso. A escola teve que fazer as adaptações arquitetônicas necessárias para receber crianças cadeirantes ou com mobilidade reduzida]. Desde então, Lorenzo está numa escola municipal, acessível, com rampas, banheiro adaptado, mas com o primordial: profissionais da Educação com corações sensíveis e acolhedores à diferença!

Essas visitas da EE em nossas vidas, para além da minha vida profissional, têm nos ensinado muito. Muito mais que livros e teorias!

Lorenzo saiu dessa escola municipal, fez o final do 3º Ano do Ensino Fundamental e o início do 4º Ano em outra. Em abril de 2019, nós solicitação a aceleração dele para o 5º Ano, pois Lorenzo estava completamente desmotivado com a escola. Após as provas, ele iniciou o 5º Ano. No final desse ano letivo, Lorenzo fez a prova do processo seletivo para o II Colégio da Polícia Militar do Paraná. Conquistou a primeira vaga, iniciando nesse ano de 2020 o 6º do Ensino Fundamental.

A Altas Habilidades/Superdotação, que já morava em casa, “manifestou-se” novamente nesse que vos escreve. Eu, André, aos 37 anos (em 2018), passei pela avaliação psicoeducacional com uma psicóloga: AHSD perfil acadêmico-intelectual, como a do Lorenzo. O importante a dizer é que o processo de autoconhecimento é extremamente importante na vida do ser humano.

Depois, a Altas Habilidades a ser “revelada” foi na Paula, minha esposa. Precisou fazer terapia para chegar na aceitação e entendimento de que precisava passar pela avaliação psicoeducacional. O que aconteceu em dezembro de 2019. Paula é uma mulher superdotada, perfil criativo-produtiva e nos Esportes!

Mais recente, o caçulinha de casa, que já tinha recebido a visita assustadora da toxoplasmose congênita, Benjamin passou pelo processo após completar seis anos de idade (junho fez aniversário), em julho iniciamos o processo de avaliação. Superdotação perfil misto: criativo-produtivo e acadêmico-intelectual, porém, por influência da criativo-produtiva, sua acadêmico-intelectual se manifesta e modo particular. Recentemente escrevi um texto aqui no Blog sobre sermos uma famíliasuperdotada.

Na sequência faço referência a uma notícia que havia viralizado nas redes sociais e utilizarei como argumento para responder ao segundo objetivo proposto inicialmente com a revisitação desse texto:

A notícia que viralizou nos últimos dias, a qual eu disse que comentaria é um menino com Paralisia Cerebral, cuja mãe, indignada pelo fato de seu filho ter sido deixado na escola, enquanto a turma inteira foi ao cinema, ela publicou em sua rede social: “meu filho ficou de 07:00 às 11:20, circulando no corredor da escola com o auxiliar de apoio dele”. O relato dessa mãe merece ser lido na íntegra, mas vou destacar um trecho que diz respeito ao meu fazer profissional:

“Fico imaginando como é frustrante ser quem capacita estes profissionais da inclusão, são estudos, textos, filmes e estudos de casos maravilhosos, mas não se aplica a vida real”

Mais importante que a frustração de quem capacita os profissionais da inclusão, deve ser a preocupação em não frustrar a criança, o jovem, o adulto que, em função da sua necessidade especial, foram ou serão impedidos de participar total ou parcialmente de alguma atividade educacional, de lazer, do direito de ir e vir, pois as condições de acessibilidade ou adaptações possíveis foram-lhes negligenciadas ou negadas!

Mais que profissionais inclusivos, que sejamos pessoas de bom senso, receptivas à dor ou sofrimento alheios, sejamos pessoas pró-ativas que oferecem ou buscam soluções, alternativas e caminhos para promover a inclusão que DE FATO se aplica à vida real!

Sobre o Decreto Federal No 10.502, de 30 de setembro de 2020, em linhas gerais, ele permite que os alunos com deficiência sejam matriculados em escolas especiais e o retorno das chamadas classes especiais. No decreto são chamadas de “escolas especializadas” e “classes especializadas”, respectivamente, entretanto, é a velha prática de segregação com nova nomenclatura.

O principal argumento dos que defendem o novo decreto é que a família precisa ter o direito de decidir onde matricular seu filho com necessidades especiais. Vejamos, literalmente, no Decreto:


VI - escolas especializadas - instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos;

 

VII - classes especializadas - classes organizadas em escolas regulares inclusivas, com acessibilidade de arquitetura, equipamentos, mobiliário, projeto pedagógico e material didático, planejados com vistas ao atendimento das especificidades do público ao qual são destinadas, e que devem ser regidas por profissionais qualificados para o cumprimento de sua finalidade;

Somos levados facilmente a pensar que se a criança com paralisia cerebral estivesse numa escola especial (especializada, na nova roupagem), não teria sido deixada propositalmente nos corredores da escola, enquanto os alunos “normais” foram ao cinema.

Provavelmente, numa dia específico, reservado somente para todas as crianças cadeirantes ou da escola especial, teriam ido ao cinema e vivido a mesma experiência que as outras crianças.

Ou seja, o problema da segregação está estabelecido novamente. Não há oportunidade para a convivência com os diferentes, pois todos somos. Não há a chance de que as crianças deficientes tenham amigos diferentes e vice-versa.

Podem argumentar que escola não é espaço somente para convivência, as crianças com deficiência precisam aprender também. Claro que sim! A questão é: porque a escola regular com todos os serviços de apoio do Atendimento Educacional Especializado não se modifica a tal ponto de ser uma escola para todos?

A inclusão é ótima e perfeita? Não é isto que estou dizendo. O que estou dizendo é que, todo o sistema educacional e seus agentes, comunidade interna, comunidade externa, sociedade em geral, estávamos todos no caminho e processo histórico de mudança de paradigmas. Esse processo pode ser drasticamente interrompido com a permissão legal de segregar novamente.

E as Escolas Bilíngues para Surdos, que eu defendo e está no novo decreto –assim, como já constava em outros documentos oficiais, não é segregação? Bem, a questão dos Surdos é outra. É uma questão, primeira e primordial de Política Linguística. Os Surdos que precisam aprender Língua de Sinais, precisam de uma escola sinalizadora, professores fluentes em Língua de Sinais.

Não vou me estender mais. Sinto muito, muito mesmo, todo o retrocesso que temos vivido em nosso país, em tantos aspectos, de modos tão violentos. É assombroso! Que não percamos a oportunidade de problematizar e discutir, pelo menos, e batalhar e conquistar aquilo que acreditamos, de forma dialógica e não imposta.

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