O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

quinta-feira, outubro 22, 2020

AS VISITAS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL EM MINHA CASA E O DECRETO 10.502

 

(Fonte da Imagem)

Em Londrina-PR, cidade que acolhe a mim e a minha família desde o dia 28 de março de 2013, há o Instituto de Educação Estadual de Londrina, conhecido e chamado pela sigla IEEL.

O IEEL ofereceu tradicionalmente a formação de professores no formato de Magistério, ou seja, a formação profissional, concomitante à formação do Ensino Médio. Depois de reformas nas leis educacionais, com a exigência mínima no nível superior para a atuação na docência, seja na Educação Infantil e/ou no Ensino Fundamental, nível 1, o Estado do Paraná, ainda permitia a atuação do professor formado “apenas” com o Magistério (“apenas” está entre aspas, pois, os cursos de Magistério, não somente no Paraná, ofereceram excelentes bases para a atuação dos professores).

No curso existente de Magistério do IEEL, tem uma disciplina para os alunos do segundo ano, “Fundamentos da Educação Especial/Inclusiva” – acredito que seja essa a disciplina, o importante a destacar que o objetivo é que os alunos tenham a formação na Educação Especial/Inclusiva. Como atividade da disciplina, o IEEL, professores e alunos dessa disciplina promovem um evento aberto a toda comunidade interessada.

Aqui é onde me encontro com esse evento, na minha mudança para Londrina, tendo como colega de trabalho (no Departamento de Educação da UEL) a Professora Josiane Junia Facundo de Almeida, hoje minha grande amiga e irmã, que trabalhava também no IEEL, fez o convite para eu dar uma palestra no IX Encontro sobre Necessidades Educacionais Especiais e Inclusão (ENEEI), em setembro de 2013.

Assim foi nos anos seguintes, no X ENEEI (2014) e XI ENEEI (2015), minha participação como palestrante. Nos anos seguintes, 2016 a 2018, fiquei responsável, na mesa de abertura, fazer a panorâmica do evento, nas edições XII, XII e XIV.

O texto abaixo foi escrito para a panorâmica do ano de 2017 (XIII ENEEI), sobre o qual farei uma adaptação para publicá-lo aqui no Blog, suprimindo as partes específicas do evento (no exercício de escrever esse texto, veio-me a ideia de um trabalho acadêmico, algo como a historiografia do evento, no qual a/o aluna/o faria um resgate desde a primeira edição até a última: título, temas, palestras, palestrantes; que área da Educação Especial teve mais enfoque: surdez, cegueira, deficiência intelectual, deficiência física, altas habilidades/superdotação? Divagações...)

O objetivo dessa adaptação, na verdade, são dois: 1. A Educação Especial fez novas visitas à minha família (vide o título do texto). 2. No dia 30 de setembro de 2020 foi publicado um novo documento sobre as Políticas Nacionais para a Educação Especial e Inclusiva no Brasil, pelo governo federal, o que gerou uma grande polêmica e, até a presente data não tinha me manifestado sobre o tema.

Sou consciente de que minha opinião não interessa, mas pessoalmente, como interessado no tema e envolvido com ele dos pés à cabeça, sinto-me no dever comigo mesmo de escrever meu posicionamento.

Segue abaixo o texto escrito originalmente em 2017, cujas modificações, inserções estarão marcadas em itálico ou com alguma observação.

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Relatarei três [seis] visitas que a Educação Especial fez ao meu lar até a presente data.

Sou Pedagogo com habilitação em Deficiência Auditiva, formado pela UNESP de Marília-SP, minha cidade natal. Atualmente professor de Língua Brasileira de Sinais, no Departamento de Educação da Universidade Estadual de é Londrina [até janeiro de 2020. Atualmente, professor substituto do Departamento Acadêmico de Ciências Humanas e Sociais, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, no campus de Londrina, desde agosto de 2019]. Desse modo, a Educação Especial fez parte dos meus 4 anos e meio de graduação, o vínculo com a EE permaneceu de várias formas no Mestrado e no Doutorado, bem como no início da minha carreira na docência, em 2008.

Porém, o relato das três [seis] visitas da EE não diz respeito à minha escolha profissional: eu trabalho com a EE, mas sim, diz respeito à minha vida pessoal: sou casado com Paula, boliviana e somos pais de Lorenzo, 6 [9] anos e Benjamin, 3 [6] anos.

A primeira visita foi da Altas Habilidades/Superdotação

A segunda visita foi da Toxoplasmose congênita

A terceira visita foi da Mobilidade Reduzida

[A quarta, quinta e sexta visitas é da Altas Habilidades/Superdotação novamente, assim, ela não é mais visita, integrante fixa da nossa família].

Lorenzo tem o diagnóstico de AH/SD, o que pode parecer incrível, porém e, infelizmente, os sistemas educacionais, sejam eles públicos ou privados, em sua grande maioria, manejam INADEQUADAMENTE as questões didático-pedagógicas, sócio-psicológicas relacionadas à DIFERENÇA, seja ela qual for. Essa primeira visita (a da AH/SD) veio para ficar, não é mais uma visita [já sabia que ela era membro fixo na família], estamos aprendendo sobre ela, já que fará parte de nossas vidas. Nós, como pais, estaremos constantemente, enfrentando barreiras para que a AH/SD não seja um problema na vida do Lorenzo.

A segunda visita da EE em casa foi completamente inesperada e assustadora. No 6º mês de gestação do Benjamin, Paula teve toxoplasmose, o que, em linhas gerais, causa má formação do bebê, como microcefalia, surdez e ou cegueira, múltipla deficiência. Benjamin foi considerado bebê com toxoplasmose congênita até todos os exames do protocolo para toxoplasmose terem resultados negativos. Quando o último exame de sangue acusou 0,002% de toxoplasmose (por causa do sangue da mãe) recebeu alta aos 2 anos de idade. A segunda visita da EE foi longa (2 anos), mas foi embora. Um verdadeiro alívio!

A terceira visita da EE ao nosso lar é mais recente, ficou pouco tempo, porém causou alguns danos. Em junho desse ano [2017], Lorenzo fraturou a tíbia direita em 2 locais diferentes, o que o deixou na condição de cadeirante/com mobilidade reduzida por 2 meses, mais outro mês com muletas. O maior enfrentamento desse período foi com a Escola Particular onde estudava, pois o atestado do médico dizia que ele deveria retornar à escola logo que colocou o gesso no 5º dia de fratura, porém, a escola é vertical, um prédio de 4 andares, sem rampas, elevadores, plataformas ou banheiros acessíveis. Apenas escadas!

Para resumir a ópera, de modo abrupto e traumático tivemos que tirá-lo da escola, pois a escola não acolhia o Lorenzo em sua condição de cadeirante [pensando sobre a escola, não o acolhia antes na sua condição de Altas Habilidades também. Nós processamos a escola e o Ministério Público acompanhou o caso. A escola teve que fazer as adaptações arquitetônicas necessárias para receber crianças cadeirantes ou com mobilidade reduzida]. Desde então, Lorenzo está numa escola municipal, acessível, com rampas, banheiro adaptado, mas com o primordial: profissionais da Educação com corações sensíveis e acolhedores à diferença!

Essas visitas da EE em nossas vidas, para além da minha vida profissional, têm nos ensinado muito. Muito mais que livros e teorias!

Lorenzo saiu dessa escola municipal, fez o final do 3º Ano do Ensino Fundamental e o início do 4º Ano em outra. Em abril de 2019, nós solicitação a aceleração dele para o 5º Ano, pois Lorenzo estava completamente desmotivado com a escola. Após as provas, ele iniciou o 5º Ano. No final desse ano letivo, Lorenzo fez a prova do processo seletivo para o II Colégio da Polícia Militar do Paraná. Conquistou a primeira vaga, iniciando nesse ano de 2020 o 6º do Ensino Fundamental.

A Altas Habilidades/Superdotação, que já morava em casa, “manifestou-se” novamente nesse que vos escreve. Eu, André, aos 37 anos (em 2018), passei pela avaliação psicoeducacional com uma psicóloga: AHSD perfil acadêmico-intelectual, como a do Lorenzo. O importante a dizer é que o processo de autoconhecimento é extremamente importante na vida do ser humano.

Depois, a Altas Habilidades a ser “revelada” foi na Paula, minha esposa. Precisou fazer terapia para chegar na aceitação e entendimento de que precisava passar pela avaliação psicoeducacional. O que aconteceu em dezembro de 2019. Paula é uma mulher superdotada, perfil criativo-produtiva e nos Esportes!

Mais recente, o caçulinha de casa, que já tinha recebido a visita assustadora da toxoplasmose congênita, Benjamin passou pelo processo após completar seis anos de idade (junho fez aniversário), em julho iniciamos o processo de avaliação. Superdotação perfil misto: criativo-produtivo e acadêmico-intelectual, porém, por influência da criativo-produtiva, sua acadêmico-intelectual se manifesta e modo particular. Recentemente escrevi um texto aqui no Blog sobre sermos uma famíliasuperdotada.

Na sequência faço referência a uma notícia que havia viralizado nas redes sociais e utilizarei como argumento para responder ao segundo objetivo proposto inicialmente com a revisitação desse texto:

A notícia que viralizou nos últimos dias, a qual eu disse que comentaria é um menino com Paralisia Cerebral, cuja mãe, indignada pelo fato de seu filho ter sido deixado na escola, enquanto a turma inteira foi ao cinema, ela publicou em sua rede social: “meu filho ficou de 07:00 às 11:20, circulando no corredor da escola com o auxiliar de apoio dele”. O relato dessa mãe merece ser lido na íntegra, mas vou destacar um trecho que diz respeito ao meu fazer profissional:

“Fico imaginando como é frustrante ser quem capacita estes profissionais da inclusão, são estudos, textos, filmes e estudos de casos maravilhosos, mas não se aplica a vida real”

Mais importante que a frustração de quem capacita os profissionais da inclusão, deve ser a preocupação em não frustrar a criança, o jovem, o adulto que, em função da sua necessidade especial, foram ou serão impedidos de participar total ou parcialmente de alguma atividade educacional, de lazer, do direito de ir e vir, pois as condições de acessibilidade ou adaptações possíveis foram-lhes negligenciadas ou negadas!

Mais que profissionais inclusivos, que sejamos pessoas de bom senso, receptivas à dor ou sofrimento alheios, sejamos pessoas pró-ativas que oferecem ou buscam soluções, alternativas e caminhos para promover a inclusão que DE FATO se aplica à vida real!

Sobre o Decreto Federal No 10.502, de 30 de setembro de 2020, em linhas gerais, ele permite que os alunos com deficiência sejam matriculados em escolas especiais e o retorno das chamadas classes especiais. No decreto são chamadas de “escolas especializadas” e “classes especializadas”, respectivamente, entretanto, é a velha prática de segregação com nova nomenclatura.

O principal argumento dos que defendem o novo decreto é que a família precisa ter o direito de decidir onde matricular seu filho com necessidades especiais. Vejamos, literalmente, no Decreto:


VI - escolas especializadas - instituições de ensino planejadas para o atendimento educacional aos educandos da educação especial que não se beneficiam, em seu desenvolvimento, quando incluídos em escolas regulares inclusivas e que apresentam demanda por apoios múltiplos e contínuos;

 

VII - classes especializadas - classes organizadas em escolas regulares inclusivas, com acessibilidade de arquitetura, equipamentos, mobiliário, projeto pedagógico e material didático, planejados com vistas ao atendimento das especificidades do público ao qual são destinadas, e que devem ser regidas por profissionais qualificados para o cumprimento de sua finalidade;

Somos levados facilmente a pensar que se a criança com paralisia cerebral estivesse numa escola especial (especializada, na nova roupagem), não teria sido deixada propositalmente nos corredores da escola, enquanto os alunos “normais” foram ao cinema.

Provavelmente, numa dia específico, reservado somente para todas as crianças cadeirantes ou da escola especial, teriam ido ao cinema e vivido a mesma experiência que as outras crianças.

Ou seja, o problema da segregação está estabelecido novamente. Não há oportunidade para a convivência com os diferentes, pois todos somos. Não há a chance de que as crianças deficientes tenham amigos diferentes e vice-versa.

Podem argumentar que escola não é espaço somente para convivência, as crianças com deficiência precisam aprender também. Claro que sim! A questão é: porque a escola regular com todos os serviços de apoio do Atendimento Educacional Especializado não se modifica a tal ponto de ser uma escola para todos?

A inclusão é ótima e perfeita? Não é isto que estou dizendo. O que estou dizendo é que, todo o sistema educacional e seus agentes, comunidade interna, comunidade externa, sociedade em geral, estávamos todos no caminho e processo histórico de mudança de paradigmas. Esse processo pode ser drasticamente interrompido com a permissão legal de segregar novamente.

E as Escolas Bilíngues para Surdos, que eu defendo e está no novo decreto –assim, como já constava em outros documentos oficiais, não é segregação? Bem, a questão dos Surdos é outra. É uma questão, primeira e primordial de Política Linguística. Os Surdos que precisam aprender Língua de Sinais, precisam de uma escola sinalizadora, professores fluentes em Língua de Sinais.

Não vou me estender mais. Sinto muito, muito mesmo, todo o retrocesso que temos vivido em nosso país, em tantos aspectos, de modos tão violentos. É assombroso! Que não percamos a oportunidade de problematizar e discutir, pelo menos, e batalhar e conquistar aquilo que acreditamos, de forma dialógica e não imposta.

sábado, outubro 17, 2020

SOBRE SER UMA PESSOA AHSD E TER FILHOS, SOBRE TER FILHOS AHSD E SER PAI/MÃE, SOBRE SER UMA FAMÍLIA SUPERDOTADA


 

O autoconhecimento é uma jornada fascinante para quem a iniciou, pois conseguiu desbravar os primeiros trechos dessa caminhada, dos quais muitos trechos são assustadores e paralisantes.

É muito cômodo e confortável permanecer onde se está, ainda que este lugar seja de angústia e sofrimento, porém, para a pessoa o pensamento é: são angústias e sofrimentos conhecidos, por isso são passíveis de serem suportados.

Todavia, quando o lugar de angústia e sofrimento não é mais suportável, é preciso dar um passo adiante. Um passo de coragem para o autoconhecimento. Caso contrário, a pessoa pode acabar com o sofrimento tirando a própria vida.

A superdotação é uma diferença marcante no ser humano, faz parte do leque da diversidade do ser humano e pode se manifestar nas mais variadas configurações, considerando a idiossincrasia de cada pessoa: personalidade, família, educação, cultura e outras influências.

Nesse sentido, a superdotação sabida e conhecida de uma pessoa, seja ela criança, jovem, adulto ou idoso é diferente da superdotação nas pessoas que não são conscientes que a sua diferença – pois se sentem estranhos – tem um nome!

Proponho-me, novamente e quantas vezes forem necessárias – para mim mesmo, como catarse, também para favorecer a reflexão em outras pessoas e famílias, relatar o meu processo de autoconhecimento e como nos tornamos, Paula, Lorenzo, Benjamin e eu, sabedores da nossa superdotação.

Primeiro: superdotação não é glamour!

Segundo: superdotação não é glamour!

Terceiro: superdotação não é glamour!

Talvez, no imaginário das pessoas ser superdotado deve ser “um sonho de consumo”, uma benção, uma dádiva, um privilégio, uma vantagem. Assim como em outras diferenças no ser humano, há sim vantagens e desvantagens, prós e contras.

Permanecendo no advérbio de dúvida, talvez, num mundo idealizado por pessoas superdotadas, seja maravilhoso todos os dias ser uma pessoa superdotada, a ponto de não precisar lembrar a esta sociedade perfeita que somos superdotados.

O mundo tal como ele é não é favorável às diferenças. Constantemente, a dinâmica da vida real, dos sistemas que regem a vida cotidiana, perseguem uma padronização, uma massificação, tentam grudar nas pessoas rótulos que sejam “aceitáveis”.

A superdotação na nossa vida familiar chegou no ano de 2015, quando Lorenzo tinha quatro anos de idade. Chegou de um modo assustador: uma gastrite nervosa e princípio de depressão na criança de quatro anos. Investigadas, medicadas e tratadas as questões de saúde física e psicológica, iniciamos o processo de investigação: porque uma criança tão pequena sofre com questões que não são para sua idade?

Depois de oito sessões com uma psicóloga e uma psicopedagoga, o relatório que nos foi entregue apontava indicadores de altas habilidades/superdotação, porém, pela idade do Lorenzo estava aberta a questão. Era preciso esperar a idade de seis anos, repetir alguns testes e fazer outros novos, por exemplo, o WISC-IV.

Quando os testes foram finalizados, aos seis anos de idade, a diferença do Lorenzo recebeu um nome: altas habilidades/superdotação, perfil acadêmico-intelectual. Desde então, a nossa busca como pais foi para que a vida escolar, principalmente, não fosse feita somente de frustrações: já sei ler e escrever, já sei os números e as principais operações aritméticas, gosto de palavras cruzadas, já leio livros mais complexos, interesso-me por planetas e elementos químicos.

Lembram-se dos rótulos e padrões que a vida e seus sistemas tentam nos grudar o tempo todo? Na biblioteca da escola, por exemplo, eram disponibilizados para o 1º Ano do Ensino Fundamental, livros “apropriados” para crianças em fase inicial de alfabetização. Os alunos não tinham o direito de emprestar outros livros, que não aqueles separados para esse fim. E estou citando somente uma “simples” questão de outras mil que tivemos que enfrentar.

Deixarei de escrever sobre a superdotação do Lorenzo a partir daqui, porém, por conta dele, que fomos conduzidos por caminhos que nos levaram ao Ensino Público da Rede Municipal da Educação de Londrina, ao Atendimento Educacional Especializado, específico para alunos com Altas Habilidades/Superdotação, à Associação Londrinense de incentivo ao Talento e Altas Habilidades/Superdotação, a qual tive o privilégio de ser presidente na gestão de 2017/2019 e acesso a tantas famílias e histórias relacionadas à AHSD bem diferentes da nossa história – pois cada família é ímpar, cada sujeito é único.

No ano de 2018, minha esposa conheceu Patrícia Neumann, a palestrante se apresentou como superdotada, condição descoberta na vida adulta e ministrou um minicurso acerca da “sobre-excitabilidade emocional”. Foi o suficiente para Paula me apresentar à Patrícia e menos de um mês depois, estava eu iniciando e finalizando o processo de avaliação psicoeducacional sobre minha superdotação.

Na época eu estava com 37 anos de idade. Sim, foi uma mudança enorme na percepção de vida, minha relação com o mundo, o conhecimento. Eu sabia porque tinha sido um peixe fora d’água de praticamente todos os ambientes que frequentara. Altas Habilidades/Superdotação, perfil acadêmico-intelectual.

Paula seguiu um percurso diferente. Sabia da sua condição diferenciada a vida inteira, porém, precisou fazer terapia para compreender sua desestabilidade psicológica e criar coragem para o processo de avaliação da sua superdotação. Ao final do processo, apontava um perfil totalmente diferente da superdotação do Lorenzo e minha. Paula é superdotada de perfil criativo-produtiva e nos Esportes, finalizou a avaliação em dezembro de 2019, quase às vésperas de Natal.

Por fim e não é aqui que eu termino esse relato, a superdotação do nosso caçula, o Benjamin. Cada história é muito singular. Benjamin, segundo filho, igualmente desejado e planejado, na gestação do sexto para o sétimo mês, Paula teve toxoplasmose. A finalização da gravidez, o parto e as primeiras semanas foram sofridas para todos nós, especialmente para o bebê. Muitos exames, internações, “n” protocolos para descartar as sequelas da toxoplasmose gestacional.

Ainda que todos os exames fossem favoráveis à condição de saúde, Benjamin foi considerado bebê com toxoplasmose congênita até os dois anos de idade, quando recebeu alta do acompanhamento clínico-médico. Nosso olhar para ele era outro, um olhar diferente quase oposto ao que direcionávamos para Lorenzo, de super-proteção.

Benjamin cresceu com um irmão 3 anos e meio mais velho, irmão cheio de atividades intensas, muitos compromissos escolares e extraescolares, enquanto que os compromissos do Benjamin era com exames e hospitais. Entretanto, quando nos voltamos para aqueles dias, é possível dizer que Benjamin enfrentava sua questão “particular” de saúde com uma maturidade fantástica para uma criança da sua idade. Ele não fugia dos “jalecos brancos”, não gritava com as agulhas e injeções.

A Educação Infantil do Benjamin foi pautada pela dinâmica escolar do Lorenzo. O primeiro ano de berçário foi na mesma escola que Lorenzo estudava há quatro anos. Quando mudamos de bairro e, portanto, de escola, escolhemos uma escola para o perfil do Lorenzo e que, obviamente, também atendia o perfil do Benjamin.

Ficaram nessa escola somente um semestre. Precisamos tirar Lorenzo de forma abrupta – pois havia quebrado a perna, estava cadeirante, a escola não tinha acessibilidade arquitetônica, muito menos boa vontade de promover nenhuma mudança atitudinal para acolher a condição temporária dele. Assim, tiramos ambos dessa escola – que foi processada e obrigada pelo Ministério Público para se adequar às normas mínimas de acessibilidade.

No dia seguinte, Lorenzo estava matriculado no 2º Ano do Ensino Fundamental na escola pública. Benjamin ficou sem escola, sem professora, sem amigos até o início do próximo ano letivo. E foi nessa escola de educação infantil, no ano de 2018, com uma excelente professora, que Benjamin passou a demonstrar seu potencial. Na escola, ele era a referência dos demais colegas: “O Benjamin sabe!” e esperavam suas manifestações. Em casa, ele disfarçava, não respondia nossos questionamentos. Na escola contava até sessenta, em casa até vinte. Era como se não pudesse saber muito, pois alguém já tinha esse lugar!

Benjamin estudou 2019 numa escola e neste ano está em outra escola. Matriculamos Lorenzo em outra escola no final de 2018 e ficou nessa escola o ano letivo de 2019 inteiro, onde passou pelo processo de aceleração no mês de abril, do 4o. para o 5o. Ano do Ensino Fundamental, pois estava frustrado novamente com a escola. No final de 2019 prestou o processo seletivo para o II Colégio da Polícia Militar de Londrina, com mais de 1000 candidatos para 90 vagas e conquistou a primeira vaga, das 45 direcionadas à população em geral (as outras 45 são destinadas para filhos de militares), assim, com nove anos de idade, iniciou o 6o. Ano do Ensino Fundamental.

Neste ano (2020), quando Benjamin completou seis anos de idade (14/06/2020), iniciamos o processo de avaliação sobre AHSD. Resultado: Benjamin é superdotado, perfil misto, produtivo-criativo e acadêmico-intelectual. Um perfil mais “livre”, de necessidade criativa, latente e permanente. No caso específico dele, mistura de tintas, substâncias, elementos, cortar, colar, juntar.

Aqui, é importante parar numa reflexão extremamente salutar. No que diz respeito exclusivamente a crianças com AHSD, há pesquisas e artigos que relatam “a síndrome do segundo filho”, em que pese a AHSD do primogênito na dinâmica familiar e os pais não estão atentos aos indicadores da AHSD do segundo, terceiro filhos. Pois podem ser AHSD com outro perfil.

Quero expandir a reflexão para as famílias que possuem qualquer diferença, especialmente, crianças e jovens com necessidades especiais, sejam elas quais forem. É possível que os adultos, preocupados com essa criança e o ritmo diferenciado que as necessidades dela podem demandar, se esqueçam de dedicar tempo de qualidade com os demais filhos ou outros membros da família. E não o fazem conscientemente!

Haja vista nossa dinâmica com foco nas atividades do Lorenzo e, também, nosso foco com as questões da toxoplasmose congênita do Benjamin. Há pesquisas e artigos sobre a dinâmica de famílias com crianças com deficiências ou outras necessidades com foco nos irmãos que não possuem deficiência. Uma busca rápida no Google ou outros buscadores listará alguns artigos.

Dentre tantas referências, gosto de citar um filme, em que a irmã mais nova se manifesta em diálogos com a mãe e com a própria irmã surdacega. O filme é “Black” (2005), de Bollywood, produção indiana. O filme é baseado na história da Helen Keller, surdacega norte-americana e sua tutora Anne Sullivan (O Milagre de Anne Sullivan, filme de 1962).

Para concluir esse texto, respondo um questionamento feito num grupo de whatsapp de adultos superdotados. A pergunta foi se nós adultos superdotados com filhos contamos ou não sobre a nossa condição de superdotação. No nosso caso particular, foi a superdotação do nosso filho mais velho que nos conduziu todos a nossa própria superdotação e sempre fomos totalmente transparentes.

Os filhos têm direito de saber que seus pais não são “normais” (típicos). Os pais tem o dever de promover o caminho do autoconhecimento aos filhos. Conheci uma mãe, cujo filho tem AHSD e decidiu, juntamente com a psicóloga do filho, não contar a ele sobre sua condição. Na época ele devia ter nove ou dez anos de idade. Eu rebati: você não tem o direito de negar essa informação dele. A mãe: tenho sim, sou a mãe dele! Não quero que ele seja estigmatizado na escola e na família. Eu ainda tentei: ele já sabe que é diferente, precisa saber o nome da diferença dele. Acredito que até hoje, esse garoto não saiba da sua condição de superdotado.

É preciso tratar com naturalidade aquilo que é natural nas pessoas. Ser superdotado é natural para quem é superdotado. Não é normal ou natural para a sociedade, que insiste em padronizar, massificar, rotular. Para desconstruirmos essa insistente tentativa, precisamos tratar com naturalidade em nosso ambiente familiar, em nossos meios sociais para que as pessoas, no mínimo, respeitem nosso modo de ser e viver no mundo!

E você,  que me conta sobre tudo isso? Sua experiência?

quinta-feira, outubro 01, 2020

FUNERÁRIA SANTA LUZIA, SUA MORTE É A NOSSA ALEGRIA



Afirmo de antemão que não é objetivo ofender ninguém. Desejo apenas refletir sobre a morte como um negócio. Especialmente, nesses tempos em que a morte figura com mais frequência do que antes da pandemia causada pelo covid-19.

Na pandemia levantou-se a questão: será mais importante preservar as vidas das pessoas ou a economia que movimenta o mercado? Isolamento total ou parcial, etc.

De modo geral, fico a pensar, o que é mais vantajoso, em termos de negócio, no capitalismo, o que traz lucro seguro. Não sou economista, cientista político, muito menos estou defendendo o socialismo ou o comunismo. Quero simplesmente pensar na lógica que nos é imposta.

Se levantarmos as questões básicas para todo e qualquer ser humano, para a manutenção de uma vida confortável, eu listo: 1) alimentação; 2) trabalho; 3) moradia; 4) saúde; 5) educação; 6) lazer e 7) segurança. Parece que algumas questões caminham paralelas e são co-dependentes, por exemplo, saúde e segurança são necessários para trabalhar, conseguir comprar alimentos e pagar aluguel ou a prestação da casa e outras despesas.

Educação e lazer são necessários também para a manutenção da vida confortável, porém, dependendo do contexto social, econômico, podem ser entendidos como “supérfluos” ou “desnecessários”.

Pois bem, se tivesse a oportunidade de abrir um negócio, em que área seria? Uma premissa – das tantas outras – do capitalismo é criar a necessidade do consumidor para que ele deseje aquilo que ele não precisa, a priori. A pior premissa desse sistema é transformar em mercadoria com grande valor agregado, o que é item básico para a manutenção da vida: alimento, saúde e, claro que direi Educação. Educação básica, especialmente, nunca deveria ser mercadoria.

Abrir um comércio de alimento, pensando no alimento preparado, pronto para ser consumido. As pessoas têm vidas agitadas, comem fora de casa e, dependendo do lugar vale muito a pena, não comprar os itens e preparar aa refeições em casa, pois ainda tem o gasto com o gás da cozinha.

Porém, culinária, cozinha é algo que não me agrada. Tenho um amigo, cuja família toda trabalha nesse ramo. Vendem uma comida caseira deliciosa e compramos alguns dias na semana. Ir ao supermercado, comprar arroz, feijão, carnes, verduras e legumes. Preparar os alimentos. Disponibilizá-los no tempo e temperaturas adequados, acertar tempero e agradar os clientes. Lavar as panelas e demais utensílios usados na preparação; lavar pratos e talheres, no caso de clientes que consomem no local. Não! Definitivamente não abriria um comércio de alimentos.

Educação. As escolas particulares não têm alunos, têm clientes. Em sua maioria, visam o lucro, portanto, os professores não são remunerados adequadamente; possuem uma carga de trabalho altíssima, junto com um pressão psicológica muito forte. Já comercializei ensino, sim. Cursos de Libras. Porém, é um conhecimento muito específico; faz o curso e paga quem quer.

Saúde. Segurança. Lazer. Não vou me aprofundar em todos esses itens. A carga tributária no Brasil é altíssima. Sim, sabemos disso. Os impostos, a priori, deveriam proporcionar serviços públicos de qualidade a toda população: Educação, Saúde, Segurança, Transporte, tudo de qualidade. Porém, sabemos que a corrupção e a má gestão dos recursos públicos, basicamente, abrem duas vias bem distintas.

A primeira via: abre-se a “oportunidade” para a iniciativa privada lucrar com Educação particular, Planos de Saúde e de outros setores serem comandados e balizados pela iniciativa privada. A segunda via é: o pobre, considerando o pobre que tem trabalho formal, paga aluguel ou a prestação da casa, outras despesas – água, luz, alimentação, com os filhos na educação pública; a ele e seus familiares “resta” a saúde pública, que pode – e deve – ser eficiente.

Entretanto, os partidos políticos e seus representantes eleitos legislam e executam a legislação para o sucateamento desses serviços. E manipulam as informações para fazer a população acreditar que os serviços públicos são as verdadeiras fontes de mazelas da economia no país. A população, que não tem educação de qualidade, acredita e vota no lobo mau que “cuida” dos porquinhos.

Qual é o ramo mais lucrativo? Vamos afunilar a escolha: qual é o ramo mais lucrativo, mesmo tem tempos de dificuldades econômicas?

Ao considerar as poucas argumentações acima, creio que não é o ramo da alimentação o mais lucrativo, afinal, tem pessoas que não compram comida pronta, compram no mercado e fazem em casa. Tem pessoas que nem comem em casa, pois não tem casa. Tem pessoas que não tem casa, nem comem todos os dias e, aos milhares, morrem!

Saúde só é um negócio lucrativo para quem é dono do negócio, que precisam de clientes que paguem pelos serviços de saúde que vendem. Quem não tem plano de saúde, usa o SUS. Quando o SUS falhar, como eu disse, por má gestão dos recursos, corrupção e tantos outros crimes, os pobres adoecem, a doença pode agravar e, morrem!

Educação, já comentei acima, deveria ser universal, gratuita e de qualidade para todos. Até mesmo as universidades. O que não significa que não deva existir faculdades e universidades particulares. O que não pode é querer destruir a universidade pública para privilegiar o mercado, “educação como mercadoria”. O que não pode é dinheiro público ser injetado nas particulares, como foi o PROUNI, pois, ainda que o objetivo seja justificável – oportunizar o acesso do pobre ao ensino superior – que o poder público faça isso por meio da universidade pública e não privada. Vamos investigar os desvios e abusos que ocorreram com as verbas destinadas ao PROUNI e FIES?

Não ter educação não mata, a priori! Porém, ouso afirmar que a médio e longo prazo, a ignorância é uma arma letal e tem matado aos milhares também. Os mais vulneráveis são os pobres. Morrem os pobres alfabetizados, os pobres analfabetos, os pobres sempre morrem!

Segurança pública, bah. Não vou me estender mais.

A morte é, em suma, o ramo mais lucrativo! Pobres e ricos morrem – mais pobres que rico, pois proporcionalmente, há mais pobres do que ricos. Pobres e ricos querem enterrar com dignidade seus mortos. Para se diferenciar do pobre, os ricos criaram outras opções, como a cremação, como opção ecologicamente correta, inclusive.

Mesmo em tempos de guerra, eu estava tentado a dizer que a morte não é lucrativa. Como não? O que são as guerras, senão produção em massa da morte. Pode-se não lucrar com caixões e rituais, afinal, corpos e corpos são jogados em valas coletivas. Basta lembrar o holocausto – é dever nunca esquecermos!

A primeira vez que ouvi a frase do título “Funerária Santa Luzia, sua morte é a nossa alegria!”, a pessoa disse atendendo o telefone, como pegadinha. Achei de uma deselegância, de uma afronta, de um desrespeito com a morte. Passados alguns anos, vivido o que vivi – individualmente e, também observando o comportamento da humanidade nesses tempos de pandemia, tendo o Brasil como um dos piores países a enfrentar o problema, chego a cogitar: por que não?

Claro que não! Não tenho estrutura para trabalhar diariamente com a morte e ainda mais lucrando com isso. Enterramos um passarinho, enterramos o Blup Blup (peixinho do Lorenzo), enterramos os gambás... quantos e quantos velórios e enterros de familiares, amigos e conhecidos...

Viver e morrer para os humanos não é tarefa pouca!