O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

sexta-feira, julho 07, 2006

Sobre ser Triste

Quando Shakespeare escreveu a tão conhecida frase “To be or not to be”, dita por Hamlet, para nós falantes da Língua Portuguesa é inconcebível que um único verbo abarque o ser e o estar. É tão óbvio e oposto um estado do outro, um permanente (ser) e outro temporário (estar). Mas a questão que quero suscitar aqui não é tão filosófica quanto esta; apenas para situar o verbo “ser” do título acima. E ele não tem nada haver com o verbo “estar”, não poderia ser aleatória ou automaticamente traduzido para o Inglês como “About to be sad”.

Ainda é necessário situar de que tristeza escrevo; sem sombras de dúvidas não é essa tristeza popularmente conhecida, negada, mal-vista, indesejada por todos. Não é! Também não é a tristeza que o apóstolo Paulo descreveu em sua 2ª Carta aos Coríntios (7:10): “Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte” – se já ultrapassei este nível de tristeza ou ainda não atingi... depende do ponto de vista.

Numa leitura agradável encontrei: “Sábio é receber a tristeza, permitir-se ficar triste, mas junto buscar compreender o que o deixa assim. Elaborar a tristeza é diferente de nega-la (alienando-se). Sentir-se triste não é deixar de ser feliz [...] É fundamental desenvolver o contato com a tristeza, refletindo sobre o que ela diz. É impossível passar com serenidade de uma tristeza a uma alegria sem uma profunda reflexão sobre o motivo de estar-se triste”[1].

Já situei a questão do ser e estar. O título diz respeito a minha condição pessoal. Reconhecer-me e confessar-me triste não é um pecado, uma derrota, um fracasso para mim, mesmo porque ser triste não significa que não possa ser alegre. Como reconheceu e escreveu Cecília Meireles sobre a morte e a solidão, que a todos os mortais apavora, enquanto a ela, foram combustíveis para belíssimas e fecundas obras. Não que ela tenha cultivado ou buscado a ambas, morte e solidão. Nossas vidas são (estão?) aquilo que fizemos (e fazemos) com os fatos que preenchem o primeiro fato de todos, que é estar vivo.

Meu pai relembra nostalgicamente de um dia quando ele, minha mãe e minha avó paterna riam sobre algo; eu, bebê, senti'ndo prazer naquele som – as gargalhadas dos adultos, sorria – um espasmo facial infantil e depois gritava bem alto, na tentativa de imitar som tão agradável... Os adultos passaram a rir das tentativas do bebê em imitá-los, que por sua vez, insistia, por serem insistentes as gargalhadas dos mais velhos e os gritos aumentavam em força e intensidade. Sempre foi hilariante para mim, remontar no imaginário esta cena...

Devo ter cansado muito nesta tentativa temprana e pueril. Sorrir, gargalhar, levar os outros a se contagiarem com minhas risadas não foi (e não é) a minha aptidão, decididamente! Melancólico?! Talvez seja... e não tem nenhuma ligação direta com o gosto por Cecília Meireles, mais que melancólica, é sagaz e inteligente; um realismo cheio de lirismo e poesia inundam suas obras.

Tem haver com o crescimento, com a maturidade, que tem haver com a perda da inocência, que as pessoas são boas e más, quase sempre más, não porque queiram, mas porque assim é que garantem a sobrevivência em meio a tamanha selvageria que é um ciclo vicioso... Tem haver com o conhecimento: “o muito estudar é enfado da carne” (Eclesiastes 12:12b); seria menos triste o homem que ficou no mundo da caverna, que não atingiu, não conheceu a luz, sobre o qual escreveu Platão? Quanto mais pensamos ter galgado degraus no conhecimento, mais aumentamos a angústia e o tormento interno, não devia ter sabido isto, não devia ter descoberto aquilo... é o pago do homem adâmico por ter a pretensão de querer conhecer o bem e o mal.

Segundo a percepção e pensamento de uma grande amiga, devia ser muito feliz um sujeito surdo, analfabeto, sem os dentes e que sorria a todos e de tudo, pensava ela com seus botões e um dia compartilhou comigo. Parece tão sensata a ignorância, aquela de viver na superfície da existência, não aprofundar nos sub-mundos, bastidores, segredos, valores e mecanismos que regem a vida. Entendam que não culpo nem procuro culpados por ser triste... muito menos quero parecer auto-comiserado. Não escrevo sobre ser triste desejando ser feliz, também não quero ser fatalista. É apenas uma saudável constatação como apontou Alex Rocha.

O Pregador aconselhou: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração” (Eclesiastes 7:2).

[1] Alex Rocha, psicólogo, citado por Esther Carrenho, no livro “Raiva: seu bem, seu mal”. São Paulo: Editora Vida, p. 34.

Cri-ativ-idade

“Para escrever um verso que seja, há que ter visto muitas cidades, muitos homens e muitas coisas; há de conhecer os animais, há que ter sentido o vôo dos pássaros e saber que movimentos fazem as flores ao abrirem-se de manhã, leves, brancas e adormecidas, voltando a fechar. Há que ter recordações de muitas noites de amor, todas diferentes, de gritos de mulheres com dor de parto e de parturientes. E ter estado junto a moribundos, e ao lado de um morto, com a janela aberta, pela qual chegavam, de vez em quando, os ruídos do exterior. E tampouco basta ter recordações. Há que saber esquece-las quando são muitas, e há que ter a imensa paciência de esperar que voltem. Porque as recordações não servem. Tem de converter-se em sangue, olhar, gesto; e quando já não tem nome, nem se distinguem de nós próprios, então pode acontecer que a certa altura, brote a primeira palavra de um verso.” (Rilke)

Este trecho possui uma longa história. O fio do novelo começa por José Antonio Marina, que o leu e o transcreveu em seu livro “Teoria da Inteligência Criadora”, Lisboa: Caminho, 1995. p. 216-7 (o qual ainda não li), juntamente com outro trecho de sua própria autoria, embasando, comentando o trecho de Rilke, reproduzido em outro livro, de três autoras, que escreveram sobre o ensino de arte. Assim, me faltam elementos, por exemplo: quem foi Rilke, por que José Antonio Marina o citou, que por sua vez, foi citado por Martins, Picosque e Guerra (as três autoras), num outro recorte; encaixa-se esta última escolha no objetivo das autoras de esboçar caminhos e possibilidades do ensino da arte.
Afinal, chamou-me a atenção o trecho de Rilke, assim como de José Antonio, pela essência criadora, poética, etc. Agora, existe a história do próprio livro, este único (apesar de existir milhares de outros exemplares iguais editados pela FTD, em 1998); falo deste único que toco, folheio, leio... Era julho de 2005, fui para um único final de semana em São Paulo; entre outras visitas, passeios e afazeres a Priscila Fernandes presenteou-me com um livro que já era dela, tanto que este possui, aqui e ali, carimbos de PRISCILA K MENDONÇA – Fonoaudióloga – CRFa xxxx –SP. E que ganhado, provocou emoções, sentimentos: o livro, o dar, o presentear, a intuição de que seria útil em algum momento... Empreendi uma leitura no ônibus voltando para casa, nos dias seguintes ainda, mas não prossegui.
Ontem, 22 de junho de 2006, peguei-o, enquanto aguardava o computador ligar altas horas da noite, início da madrugada. Abrindo na página 74, chamou-me a atenção a definição de leitura, trazida para o contexto da arte plástica: “Ler é produzir sentido. Lemos a cor vermelha em uma obra figurativa ou abstrata da mesma maneira que a cor vermelha do semáforo?”. Quase um ano após ganhar o livro, este trecho foi muito significativo devido ao momento específico que vivo. Escrever uma monografia para a disciplina “Aspectos técnicos e sociais da leitura no tempo e no espaço”, do programa de pós-graduação (mestrado). Retomei a leitura do trecho e prossegui em outros tópicos, hoje pela manhã (23/06/2006). Reencontrei autores como Gardner, que conheci depois de um seminário na graduação em pedagogia sobre inteligências múltiplas, citando outra obra, comparando os estágios de desenvolvimento psicológico proposto por Jean Piaget, Gardner mais preocupado com o desenvolvimento estético, artístico da criança.
Bem, já passa do meio-dia, estou no meu quarto, sentindo a fome chamar, com barulhos e movimentos traduzíveis por: “chega de fazer o que faz agora, está na hora de almoçar, por favor!”. Assim, todo livro, ou qualquer trecho, autores, idéias possuem outras histórias, enfim... Concluindo, Rilke está repleto de certeza! Concordo em gênero, numero e grau.

André Coneglian
23/06/2006
12h33m.