O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

sábado, março 21, 2020

O Doce da Vida




Correndo pelas longas estradas do tempo, o mundo deu tantas voltas que sorri ao parar no mesmo lugar de anos atrás. Lembranças pueris, pequenos gestos, grandes pessoas, sentimentos enraizados, que naquele instante floresceram e exalaram o aroma que me fez desejar viver aquilo tudo novamente.
            Mas, o grande personagem dessa história, não são minhas saudades, não é a criança que um dia eu fui, não exatamente isso. Mas, sim, seu Joaquim, o grande personagem, responsável por essa viagem tão doce no tempo.
Seu Joaquim é um nome fictício. Não por querer preservar sua identidade, é por que eu não sei o seu nome de verdade. Idade: mais de sessenta, setenta anos talvez. Onde mora? Não sei! Sei onde encontrá-lo. Por isso não me perguntem mais nada.
De seu Joaquim sei que vende doces. O lugar: o portão em frente da escola em que estudei. Seu Joaquim vendia doces, carregados pela sua bicicleta, numa caixinha de plástico, acoplada na frente deste veículo que o transportava para todos os lugares.
Balas, pirulitos, chicletes, pipoca, chocolate, doces e mais doces, todo dia ele estava lá, na entrada e na saída, fazia chuva, fazia sol.
Esta lembrança vale pela emoção que ele provocou em mim. Não me lembro claramente o que comprei de Seu Joaquim, comprei pouco, muito pouco, é uma pena...
Hoje, dez, onze anos depois eu poderia descrever o gosto do chocolate, os vários sabores de chicletes e balas, se a pipoca era fresca ou murcha... Não posso lembrar sabores, mas foram os sabores que Seu Joaquim sempre vendeu que me fizeram descrever esta sensação incrível.
Vi-o uma vez no ônibus. “Meu Deus! – exclamei – Ele ainda está vivo?!”, pensei comigo mesmo. Não que eu o queria morto, não. Aquele velhinho que fazia parte da minha infância, estava naquele ônibus que eu pegara na correria de minha vida, agora adulta. Pensei: “Deve estar aposentado, vivendo como pode, dependendo do INSS”.
Seus doces eram sabores do passado, deixados de lado, pois, a velhice exigia mais cuidados.
Muito me enganei e sorri. Sozinho, andando pela avenida, ao passar em frente a antiga escola do primário, no horário de entrada, um pouco depois em que se vê apenas os atrasadinhos correndo para chegar a tempo, ele, Seu Joaquim, plácido, tranqüilo, na sombra de uma arvorezinha, tendo ao lado sua bicicleta com a caixa de doces e um isopor, chupando um “geladinho”, assim, como quem só pensava em saborear o gosto gelado do sorvete que vendia.
            As imagens, o sentimento foi tão forte, que o sorriso apenas disfarçou e segurou as lágrimas que fizeram meus olhos brilharem. Brilharam momentos felizes de criança que se preocupa apenas com a brincadeira depois da escola, brilharam a felicidade de ver aquela pessoa que nos ama verdadeiramente no mundo, que nos esperava todo dia na saída, descompromissada sempre, quando se tratava de buscar e levar-nos para a escola, brilharam ainda, mais intensamente momentos que se foram e nunca mais voltarão. É uma dor, sentida lá no mais íntimo do coração, infância que não volta mais, mundo de encanto e fantasia perdido para sempre, anos em que se era feliz e não sabia. Não sabia que bastava sorrir e pular e cantar e brincar e correr e abraçar a mãe e ir feliz para casa, quem sabe antes pedir com jeito um pirulito ou um chiclete...
            É, assim é a vida. Crescer, amadurecer e admirar, esses momentos mágicos de reencontros, de pessoas, olha só, que apenas estiveram ali, em algum lugar de nossa vida e nos proporcionam mais adiante tamanha felicidade e emoção.
            Seu Joaquim, passarei por ti e não direi nada, comprarei um chocolate, quem sabe, esse sim terá um sabor todo especial, não só aquele doce, melado, gostoso, sabor de saudade, de um trabalho humilde de uma grande pessoa que foi apenas um vendedor de doces para essa eterna criança...
            “Ao velhinho que vende doces e, que há anos faz a alegria de milhares de crianças na frente da escola: Obrigado!”

p.s.: depois de alguns anos, descobri que Mateus é o verdadeiro nome do seu Joaquim, foi meu pai quem disse, pois o conhecia; lembro-me que pensei: que nome de menino para um idoso... eu e meus preconceitos! Viva o seu Mateus!

[Menino do Quarto, Sem data]

Um comentário:

creuzapgalindo@gmail.com disse...

Muitas são as lembranças que nos fazem lembrar sons, cheiros, perfumes, sabores ...
Que linda essa recordação em palavras que nos fazem reviver com você momentos assim ...