Estava eu num bairro bem distante da
cidade. Meu patrão me mandou para cobrar uma mulher. Eu era Office-boy de um
escritório de cobranças – coisa mais normal, então, eu fazer isso. Não é?
Office-boy, bairro distante, escritório de cobrança, fazer cobrança... Deve ter
bicicleta, podem pensar.
Nada disso. Era Office-boy, mas
fazia apenas serviço bancário no centro da cidade mesmo. Mas como eu era
empregado, o patrão mandou, eu obedeci. Fui de ônibus circular, mas estava
perdido num bairro que nem sabia onde ficava. Para piorar, estava na hora do
almoço e não podia atrasar no serviço. Com dificuldades, achei a casa, cobrei a
mulher... Bem, ela não pagou, mas fiz o meu serviço.
Fui para o ponto do ônibus. Cadê
ônibus? O tempo passa e nada de ônibus.
E eis que vejo ela:
“Emília, você por aqui?”
“E aí, colega, o que faz você por
aqui?”
Rápida apresentação: Emília é a moça
da cidade que viaja atrás de artistas e tenta tirar fotos com eles, em rodeios,
festas agropecuárias, aniversários de cidades, shows, etc, ela vai. Também
monta fãs-clubes, sem preconceito quanto a estilo musical, do sertanejo ao axé
music; também organiza excursões para programas de TV.
Ah, ela chama todo mundo de colega.
É que ela conhece tanta gente e para não ficar feio, ela chama carinhosamente
de colega aqueles que ela conhece. Legal da parte dela, pois a Emília não te
esquece mesmo, o que é um nome, não é mesmo?! Então, colega pra todo mundo!
É uma figura! Gente fina. Adora
mostrar os álbuns com milhares de fotos de gente famosa. Artistas, fotos e
colegas à parte, estranhei vê-la ali.
“O que faz aqui, neste fim de
mundo?”
“Vim cobrar uma menina ali.”
[Coincidência, hein?!]
Emília mora perto da minha casa e
estava de bicicleta, aquela com garupa, estilo mais rústico, de cor vermelha.
Cobrou uma menina que comprou as fotos de um artista e não pagou.
“É meu ganha-pão!”
“E eu não sei.”
“Então, quer uma carona?”
“O que? Eu na garupa?”
“É, vamos!”
“Olha o meu tamanho (1,90 m)!”
“O que é que tem?”
“É que eu nunca fui carregado por
ninguém, sempre carreguei meus irmãos, meus primos, os outros, nunca me
carregaram e eu sou homem, você é mulher, eu te carrego então! (Aceitaria a
carona com esta condição, afinal horário de almoço, eu estava atrasado, o
ônibus não aparecia...)”
“Não, não. Eu também nunca fui
carregada e não me sentiria segura. Vamos lá, colega, pode confiar; eu te
levo.”
“Ai, ai, eu não acredito nisso.”
Foi a volta de bicicleta mais
espetacular e inesquecível da minha vida. Primeiro pela situação e também era a
primeira vez que eu era carregado na garupa de uma bicicleta, por ela, a “moça
dos artistas”.
Foi hilariante e dolorido também; as
minhas pernas enormes eram forçadas a ficar suspensas para não pegar o chão.
Não dava para relaxar, apesar dela ter dado um show, ter guiado direitinho, não
deu nenhuma mancada, não me derrubou. Chegamos na avenida, já em nosso bairro,
então eu disse que estava ótimo a carona até ali. Era só correr para casa,
comer algo mais que depressa e voltar para o serviço.
Naquela tarde, naquele fim de mundo,
a colega Emília me deu uma carona inusitada, eu numa garupa de bicicleta
(enorme, desajeitado com tanto corpo) carregado pela primeira vez, por uma
mulher. E conseguimos ir super-bem, ela agüentando de lá, segura, guiando; eu
suspendendo as pernas, um pouco tenso, mas não caímos. E desde então, never
more! Bicicleta, só guiando. E andar de bicicleta para mim naquele dia ganhou
outro ponto de vista, uma nova sensação: a de passageiro.
Escrito originalmente em 07/02/2001
p.s: Emília faleceu não muito tempo depois desse encontro; parada cardíaca, tão jovem. Quem é de Marília-SP talvez tenha conhecido a "moça dos artistas".
Nenhum comentário:
Postar um comentário