Daqui há quatro dias completo 42 anos de idade -
21 em cada perna. Quatro décadas e dois anos é a minha soma. Morando os últimos
meses sozinho lá no sul do Paraná, mais precisamente, no norte de Santa
Catarina, meu kitnet era vizinho de uma funerária, que depois saiu do local,
permitindo que a padaria expandisse. Entretanto, ali no centro é possível
encontrar outras duas ou três - senão mais funerárias. A maior concentração de
funerárias, barbearias e petshops do Brasil, segundo minha própria percepção (fonte:
vozes da minha cabeça).
Chegar quase onze horas da noite, depois de dar aula, abrir o pequeno portão, passar pelo corredor, cujas janelas eram da própria funerária. A solidão naqueles dias era gigante e fez-me pensar e repensar no sentido da existência com muito mais intensidade - mais do que o comum.
Estacionamento exclusivo da funerária, minha vizinha
Funerária um pouco mais a frente, na mesma praça
Em anos passados escrevi sobre velórios. Um texto específico sobre a morte da Nina, mãe da Gisele, que estudou comigo no Ensino Médio. Éramos vizinhos de bairro. Eu morava na Rua Carlos Santili, 45. Nina e família moravam na esquina das ruas Luís Rodolfo Miranda e Olar Durigheto. Naquele texto, uma das reflexões que levanto: estarei em quantos outros velórios? Quem estará no meu velório?
Pois bem, não sei quem estará no meu velório, nem quando será, mas sei que no meu velório quero leituras e declamações dos poemas - ou crônicas - de Cecília Meireles. Os presentes que quiserem agradar este ser hoje consciente e que escreve nesse instante - meu corpo será apenas uma concha vazia, como escreveu Edna Adan Ismail, todavia será uma maneira de espalhar poesia, artigo de "luxo", num dia aparentemente triste. Fernando Pessoa escreveu que para ele, o cadáver é como um "trajo", o corpo é como o "terno único" e "alguém se foi embora e não precisou levar aquele fato único que vestira".
Os poemas de Cecília são a expressão da perfeição da imperfeição humana. Poeta que escreveu sobre a brevidade da vida e a iminência da morte terrena de modo tão sublime. Um morto no caixão não manda em nada, mas, registro aqui: leiam poemas de Cecília Meireles em meu velório, dure ele uma hora, dez ou 24 horas (desnecessário!!).
Agora vou escrever sobre o passado.
Nasci no século XX. Amo números romanos, seu funcionamento e lógicas diferenciadas dos números arábicos. Eu criei uma forma idiota para conseguir recordar alguns como "linquenta" (L = 50, cinquenta) ou "dinhentos" (D = 500, quinhentos). I, V, X, C e M eram mais fáceis de lembrar, sendo C e M diretamente relacionados.
15 - 01 - 1981
Era uma quina-feira, 18h40, Maternidade Maria Isabel Sampaio Vidal, em Marília-SP, se acreditarmos nos registros. Devo ter registrado em algum texto minha estranheza em perceber que nasci numa cidade relativamente jovem, em janeiro de 1981, Marília contava com 51 anos de emancipação.
As opções de nomes que minha mãe escolheu eram: André Luís, Álvaro e Paulo Henrique. Amo meu nome - ou me acostumei a ele. Uso Álvaro como pseudônimo em pesquisas que participo. Paulo Henrique é um estranhamento, mas se tivesse sido a opção da minha mãe, eu diria o mesmo de "André Luís" hoje. "A", primeira letra do alfabeto ocidental. Janeiro - primeiro mês do ano ocidental. Minha data de nascimento possui o número 1 no dia, mês e ano. Convenções! Tudo convenções de época, cultura, circunstância. Janeiro e fevereiro foram incluídos no calendário romano (calendário juliano, somente em 46 a. C., como acabo de pesquisar e ler na Wikipedia).
42 anos parecem tantos anos... Porém, divididos em décadas:
1a) 1981-1991, 2a) 1991-2001, 3a) 2001-2011, 4a) 2011-2021...
Na primeira década, fui bebê, criança; na segunda, fui basicamente estudante; na terceira, terminei o mestrado, casei e fui pai do Lorenzo; na quarta, terminei o doutorado, mudamos para Londrina, Benjamin nasceu e mais dois anos de pandemia do coronavírus...
Dentro de cada década, preenchida com vivências, experiências, aprendizados, traumas... Toda a vida fui intenso, sensível ao extremo, vulnerável a toda e qualquer interferência e não precisava ser nada muito drástico. Não por acaso, meu apelido dentro de casa foi "manteiga derretida"; na vizinhança e escolas, os "apelidos" eram mais incisivos: bichinha, viadinho, florzinha... Numa discussão na 5a série, então com 11 anos, na qual eu estava defendendo uma outra aluna de ser passada para trás, a Miléia disse que eu não morreria, pois "bicha não morre, vira purpurina"...
A ponta do meu dedo indicador carrega uma cicatriz por uma desobediência e arte - uma das poucas que cometi, na primeira década. Chegou uma visita em casa, aproveitei a distração da mãe, para pegar a faca e cortar o bambu verde, para construir pipas - que eu não empinava, com medo da força do vento.
Todos esses atropelamentos, determinaram os encaminhamentos para as décadas seguintes. Uma das minhas memórias mais antigas, quatro ou cinco anos de idade, estava só de cuequinha e chinelo, sentei no degrau do quartinho de bagunça e levei uma ferroada de marimbondo no bumbum. É como se pudesse sentir a dor e lembro que chorei muito. Com sete anos tive que ir ao hospital para expurgar um furúnculo gigante no pescoço... lembro da gritaria e do desespero do meu pai, tentando meu acalmar...
A segunda década da minha vida, como escrevi, fui basicamente estudante do Ensino Fundamental, Médio e Técnico. Destaco o período que minha mãe entrou em alguns consórcios com um biscate conhecido (Elias e sua belina) que vendia de lençóis, colchas, roupas a eletroeletrônicos e, justamente por isso, tivemos nosso primeiro e único micro-ondas, bem como nosso primeiro e único videocassete.
Ele é o ponto central aqui! Meus finais de semana, caminhava até a Avenida João Ramalho para a Hobby News Videolocadora. Dependendo do dinheiro disponível para o aluguel das fitas VHS, eram duas a quatro por fim de semana. Durante esse período, comprava a revista SET e criei, num caderno universitário usado, uma espécie de catálogo: uma lista enumerada dos filmes que já tinha visto, recordada no início da lista e depois alimentada/atualizada conforme ia assistindo aos filmes, alugados ou vistos na TV aberta.
Da minha casa até a videolocadora, caminhando, uns 10 minutos
Depois, nesse mesmo caderno, criei páginas para meus atores favoritos, como Whoopi Goldberg e na frente de seus nomes indicava os números dos filmes que participaram. Na minha lista, por exemplo, "A cor púrpura" era o filme número um. 2."O Rei Leão", 3."Lua de Cristal", 4."Ghost, do outro lado da vida", 5."Inimigo Meu" (com Dennis Quaid, meu deus, preciso rever esse filme pela milésima vez, pois as 999 vezes anteriores foram nessa segunda década de vida), 6."Corina, uma babá perfeita". Em frente ao nome de Whoopi Goldberg estava os números: 1, 4, 6... Dennis Quaid: 5; Ray Liotta: 6...
No filme "Corina...", uma babá negra e um viúvo branco, nos anos de 1950 nos EUA, se apaixonam e lembro como hoje uma fala racista da mãe ou avó do homem branco, algo como: um pássaro e um peixe podem se apaixonar, porém, onde farão o seu ninho?".
Fiz questão de focar nessa minha paixão juvenil por filmes, assistir filmes, saber sobre seus bastidores e os atores, comprar a revista, tinha uma coleção de capas de VHS - quatro por revista, que era uma publicação mensal, pois recentemente, iniciei um curso online "Escrita de roteiro para cinema e TV" e estou "feliz" com o que tenho aprendido. "Feliz" entre aspas significa "feliz, sem muita empolgação ou expectativas", ou seja, uma felicidade racional, não emocional. Satisfeito com o que tenho aprendido. Ciente de que sou um amador, meu senhor, quanta coisa para ver e aprofundar!
No livro que escrevi e publiquei no início de 2020, escrevi nas páginas 79/80: "Pastor Alexandre, que celebrou nosso casamento, disse que nossa história daria um bom livro. Eu penso em um roteiro de filme, oportuna motivação para retratar a relação entre Brasil e Bolívia, brasileiros e bolivianos e a nossa história como pano de fundo. Eu tenho uma imaginação muito fértil: 'o fantástico mundo de André'. Nesse caso, as histórias já estão prontas, fico imaginando quais delas selecionar e como serão as cenas, sets de gravação, como será a escolha dos atores mirins que farão Paula e André na infância".
Engraçado ler isso hoje. Aqui eu era o roteirista, o diretor geral, o produtor, o diretor de elenco... Foi a década mais acentuada do "Menino do Quarto", solitário, de casa para a escola, da escola para casa. No quarto eu lia, escrevia, desenhava, pintava, fabricava meus livros e preenchia meus diários, assistia a meus filmes (na sala), mas logo corria para meu lugar seguro.
A terceira década foi a de maior transformação: o Menino do quarto saiu do quarto, entrou na universidade - como eu amei aquele ambiente acadêmico-científico, a igreja e os grupos me ajudaram a ganhar confiança e seguir com meus novos objetivos, avançando, superando os anos anteriores de timidez patológica e solidão extrema.
A quarta década seguiu repleta de mudanças. Mudança de cidade/Estado, trabalho, teve a toxoplasmose congênita do Benjamin e quando o contrato para professor PSS na UEL, além de deteriorar, teve a mudança de chefia do Departamento de Educação (2018-2020), colaborando e muito para o desmoronamento da ilusão que eu tinha de tudo, até então. A única estabilidade, minha âncora foi a família: Paula, Lorenzo e Benjamin, apesar das tempestades internas e externas, que sofria e sigo enfrentando.
Próximo de completar meu quadragésimo segundo verão, pois nasci no hemisfério sul desse planeta, portanto, início do verão, sou um adulto relativamente realizado. Afinal, o que é sucesso? Questionei lá no livro, em 2020. Marido, pai, professor, ainda pago os boletos, aos trancos e barrancos, mas seguimos. Como indivíduo, sujeito psíquico, estou perdido, em desintegração, buscando uma nova estabilidade (sabidamente ilusória). E isso não é culpa de ninguém, nem minha. Todas as circunstâncias, eventos, fatos dessa minha vida trouxeram-me até aqui...
Quem sou eu? Para que vim? Para onde vou? Qual é o sentido de tudo? Essas perguntas-fantasmas, tão velhas quanto o homem e sua consciência da existência humana, respondidas e conformadas com momentos históricos, religiosa ou filosoficamente. Sou apenas mais uma pobre alma perdida, atormentada por esses fantasmas. Os religiosos, especialmente os radicais com os quais convivi das décadas, dirão que é justamente o que ocorre com quem se desvia, sai do caminho que é jesus, apostata da fé, blá blá blá blá... Coitados. tem pessoas muito boa nesse meio, poucas, raríssimas, mas estão mergulhados no radicalismo fanático religioso.
A manutenção da vida é cara e cansativa. Esse mantra se repete de quando acordo até me deitar, ter pesadelos horríveis e outra vez e novamente. algumas esperança? Nenhuma! E isso não é ruim. Desejo que meus filhos encontrem ou construam seus propósitos nesse mundo, que não tem nada de divino ou pré-determinado por um deus onisciente, onipotente e onipresente... Desejo que vivam de modo mais leve, se possível. Não carregar essa carga traumática da religião pode tornar a jornada mais leve... eles poderão escolher o caminho, sem nossa imposição de certo ou errado.
Na página 82 do meu livro: "Cartas do Menino do Quarto para o mundo", na carta dedicada à minha família (esposa e filhos), escrevi: "[...] Lorenzo e Benjamin, sou humano e, portanto, falho; desejo ser o melhor pai do mundo para vocês, mas, as tentativas de ser, são de um pai possível e real!".
Infelizmente, o livro está impregnado de "crentês", referências bíblicas e espirituais (cristãs), mas era no que estava imerso até então. E quando escrevo "infelizmente", não é pelo que vivi e aprendi lá. Muito mais pela forma como se deu. Como tudo na minha vida - e Paula tem o mesmo perfil, de mergulhar, sermos intensos, não fazer pela metade ou superficialmente. Como escrevi em outro momento, o cristianismo evangélico brasileiro, nesses últimos anos, extremista-radical, como podemos verificar com a mistura perniciosa com a política, de caráter fascista.
Consola-me saber que nesses 20 anos de "menino de igreja", e como casal também, tivemos nossos embates e enfrentamentos justamente por sermos questionadores. Batemos de frente com "figurões", pastores e líderes e, portanto, fomos tachados de rebeldes, insubordinados. Mudamos de local - isso em Marília e aqui, ficamos em um e desde a pandemia, graças a deus, Maria, santo expedito, exu, iemanjá, espírito André Luís, todas as bruxas queimadas e vivas, Pachamama e todas as forças vitais do Universo, não somos mais de nenhum local ou estamos debaixo de cobertura espiritual de seu-ninguém. Que alívio!
Recomendo: "Pachamama", uma animação francesa,
sobre a invasão e genocídio dos povos andinos
Caso você que me lê até aqui, se em algum momento do passado quando eu fazia parte desse radicalismo e extremismo religioso, tenha te ofendido por algum ponto de vista ou posicionamento sobre qualquer área e tenha te magoado ou ferido, peço perdão pela minha ignorância.
O que escreverei sobre o ciclo da 5a década de minha vida? (estarei vivo? não terá acontecido antes meu velório com declamações dos poemas de Cecília Meireles? Leiam "Biografia", leiam todos que citei na minha Live com a Fernandinha Meireles em 17 de novembro de 2021).
Ano de 2031, se vivo, completarei 50 anos, meio século e só faltam oito anos para essa data. Neste ano, 2023, deixarei de ser professor universitário, que tenho sido desde 2008 e vou experimentar ser professor de adolescentes, na Sala de Recursos para Altas Habilidades/Superdotação (como PSS ainda pelo Estado do Paraná) e, talvez, seja convocado para uma vaga no concurso para professor de Educação Básica, pela Secretaria Municipal da Educação de Londrina, ser professor de crianças, do 1o ao 5o Ano do Ensino Fundamental. Desafios!
Sem expectativas, tentando administrar todas essas mudanças no mundo das ideias. Vamos ver como será na prática.
A manutenção da vida segue cara e cansativa. Amenizada com poesia. Ótimo ópio, ela, a poesia... refletir sobre a crueldade da existência com inteligência, doçura e incisões precisas.
Seguimos!
Feliz 42 anos para mim.
Obrigado.
De nada.