O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

segunda-feira, janeiro 30, 2023

A SEDE SEM CURA: O GENOCÍDIO DOS YANOMAMIS

Quando tudo ou quase tudo nos afeta, como não sucumbir diante das atrocidades que foram cometidas pelos homens, como o Holocausto de mais de 6 milhões de judeus e as que seguem ocorrendo, como o genocídio dos Yanomamis?

"O mundo é de quem NÃO sente", escreveu Fernando Pessoa. Eu insisto em perguntar: e eu que sinto MUITO? Onde é o meu lugar? Sem nenhum ópio para acalmar ou proporcionar um fuga temporária desse suplício, desse martírio, desse inferno que é este mundo...

Todas as manhãs nestas férias, ao acordar e realizar meu ritual - banho, preparar o café, tomá-lo - venho para meu pequeno escritório, ligo o computador, ouço Nina Simone, Andrea Bocelli, Shakira, Aurora, The Cranberries, Whitney Houston e tantos outros... e abro o meu presente de Natal: "Obra Poética", de Cecília Meireles e, como uma bíblia, vou lendo e refletindo.

Quinta ou sexta-feira, cheguei ao Romanceiro da Inconfidência, obra monumental, lançada em 1953. Cecília Meireles, definitivamente foi uma superdotada, "comprometida com a tarefa", "habilidades acima da média" e "criatividade" a mil por hora (a la conceituação básica de superdotação, Teoria dos Três Anéis, de Joseph Renzulli).

Escrever em versos, agrupados por romances, a história da inconfidência mineira e seus desdobramentos, é, de fato, uma obra grandiosa. Cecília escreveu sobre seu processo de criação e escrita do Romanceiro:

"A duzentos anos de distância, embora ainda velados muitos pormenores desse fantástico enredo, sente-se a imprescindibilidade daqueles encontros, de raças e homens; do nascimento do ouro; da grandeza e decadência das Minas; desses gráficos tão bem traçados de ambição que cresce e da humanidade que declina; a imprescindibilidade das lágrimas e exílios, da humilhação do abandono amargo, da morte afrontosa – a imprescindibilidade das vítimas, para a definitiva execração dos tiranos. E para que, no fim da partida – como em todas as parábolas – neste dialogo do céu com a terra, fossem obscurecidas para sempre as glórias efêmeras, e, por toda a eternidade, exaltados e glorificados os que padeceram opressão e martírio…"

Fonte: clique aqui

Bem, faço essa introdução apenas para explicar como as tragédias se repetem. Mudam-se circunstâncias, lugares, épocas, entretanto, há os que causam dor, flagelos e mortes e os que sofrem tudo isso... As vítimas atuais (?) são os Yanomamis. Os algozes, pode parecer que são os financiadores dos garimpos ilegais, porém, os piores são aqueles que tinham poder para evitar, mas não só se omitiram, como incentivaram os garimpos e a dizimação dos Yanomamis. 

Todos os que votaram e defenderam - e continuam defendendo bolnossauro e seus asseclas, têm sangue Yanomami nas mãos, mais de 500 crianças só neste período dos últimos três a quatro anos. O meu ódio a essas pessoas, como damares - a louca da goiabeira, menino veste azul, menina veste rosa, infelizmente não muda os fatos... Até desejamos ter superpoderes para explodir a cabeça deles, como aquela guria da série de uma temporada só, que a Netflix deixou a gente passando vontade por não dar continuidade...

As lágrimas que chorei ontem (29/01/2023) assistindo à reportagem da Sônia Bridi no Fantástico não significam um milésimo de nada em toda essa tragédia... É como assistir ao inferno em pleno funcionamento e você só tem a impotência te enforcando...

Pois bem, escrevo esse texto para nada também... apenas para diminuir a febre de sentir, como prescreveu Fernando Pessoa. Escrevo para registrar a analogia dos primeiros romances da obra fenomenal de Cecília, da extração desenfreada em Minas com os garimpos ilegais em Roraima.

O título deste texto é um empréstimo da penúltima estrofe do ROMANCE I OU DA REVELAÇÃO DO OURO: "Que a sede de ouro é sem cura,/e, por ela subjugados,/ os homens matam-se e morrem,/ ficam mortos, mas não fartos".

Porém, quero deixar na íntegra o ROMANCE II OU DO OURO INCANSÁVEL:

Mil BATEIAS vão rodando
sobre córregos escuros;
a terra vai sendo aberta
por intermináveis sulcos;
infinitas galerias
penetram morros profundos.

De seu calmo esconderijo,
o ouro vem, dócil e ingênuo;
torna-se pó, folha, barra,
prestígio, poder, engenho . . .
É tão claro! — e turva tudo:
honra, amor e pensamento.

Borda flores nos vestidos,
sobe a opulentos altares,
traça palácios e pontes,
eleva os homens audazes,
e acende paixões que alastram
sinistras rivalidades.

Pelos córregos, definham
negros a rodar bateias.
Morre-se de febre e fome
sobre a riqueza da terra:
uns querem metais luzentes,
outros, as redradas pedras.

Ladrões e contrabandistas
estão cercando os caminhos;
cada família disputa
privilégios mais antigos;
os impostos vão crescendo
e as cadeias vão subindo.

Por ódio, cobiça, inveja,
vai sendo o inferno traçado.
Os reis querem seus tributos,
— mas não se encontram vassalos.
Mil bateias vão rodando,
mil bateias sem cansaço.

Mil galerias desabam;
mil homens ficam sepultos;
mil intrigas, mil enredos
prendem culpados e justos;
já ninguém dorme tranquilo,
que a noite é um mundo de sustos.

Descem fantasmas dos morros,
vêm almas dos cemitérios:
todos pedem ouro e prata,
e estendem punhos severos,
mas vão sendo fabricadas
muitas algemas de ferro.



As bateias para garimpo

"Por ódio, cobiça, inveja,/ vai sendo o inferno traçado"... "É tão claro! [o ouro] e turva tudo:/ honra, amor e pensamento"... turva os rios, contamina com mercúrio, mata os peixes, adoece os humanos que ali vivem...

Cada vez mais entendo os mendigos, os loucos... é preciso se desligar, se desconectar para não adoecer - contraditório, não é mesmo, pois para a sociedade perfeita, cristã, ilibada, justa, estes são os doentes, junto com o pobres, negros, homossexuais, maconheiros ou qualquer outro grupo minoritário ou excluído por alguma característica, que desonram a ideia unívoca de vida, defendida por quem tem o poder de produção e de manutenção de sua narrativa exclusiva/excludente.

Vou encerrar tentando reproduzir a fala da enfermeira entrevistada ontem na reportagem do Fantástico: "eles irão encontrar um modo de regenerar a terra, com a sabedoria deles, mas primeiro, precisam ter a saúde reestabelecida; eles encontrarão o caminho..." (escrevo de memória, o que ficou em mim, do que ouvi ontem...). Há um poder nessas palavras! Sim, eles encontrarão o caminho da regeneração... a que custo... a que custo...



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