O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

segunda-feira, março 30, 2020

Whatsapp de 2004


Nesses dias de isolamento social, vasculhando caixas que guardam recordações, dentro de um diário, na última página, um bolso feito com as duas últimas folhas, encontro alguns papéis.
O que se destacou entre eles foi uma folha que continha, além da minha letra, outra caligrafia diferente, a de uma grande amiga, Aldine. Cursamos, na mesma turma o curso de Pedagogia, na Unesp de Marília-SP, de 2001 a 2004.
Concluímos a graduação em julho de 2005. Nós dois na Pedagogia, ambos escolhemos a Educação Especial, ela a habilitação em Deficiência Física e eu, a Deficiência Auditiva. Algumas disciplinas das habilitações em Educação Especial eram comuns a todas as especialidades: auditiva, física, intelectual e visual.
Guardei essa folha sem pretensão, que hoje, quase 16 anos depois, para mim é uma preciosidade: é como se nos dias de hoje, dois amigos trocassem mensagens via whatsapp durante uma aula.







Fotografei a folha e enviei para Aldine, que vive em Osasco-SP, via whatsapp. Perguntei como estavam, de que modo estavam enfrentando o isolamento social, perguntei do Lucas, o filho e da mãe. Então, Aldine lembrou outro fato: lembra que ele rebaixou nossas notas quando vocês brigaram?
Ao que respondi: como esquecer! Minha primeira e única média seis da vida inteira.
Devo ter relatado em algum diário o fato, quando encontrar posso reproduzir aqui, mas basicamente foi: o professor estava atribuindo falta aos alunos que não participavam da aula. Ticiane e eu, que não tínhamos recebido a falta, fomos falar em nome dos alunos que foram lesados.
Argumentamos que o professor tinha todo direito de descontar pontos, diminuir a nota dos alunos que não estavam participando, entretanto, atribuir falta a alunos presentes era algo muito grave. Foi o suficiente para ambos sermos atacados e o professor começou um ataque verbal a toda turma.
Tentamos ainda recorrer à sessão de graduação, a que nos recomendou procurar a coordenação pedagógica do curso... Não me recordo se chegamos a protocolar algo. A consequência desse triste episódio – o autoritarismo docente – foram médias não condizentes com o desempenho real dos alunos na disciplina. Retaliação da pior espécie.
Éramos todos professores em formação e ele nos deu o pior exemplo do que não se deve fazer com alunos. Primeiro e único professor que discuti na vida. Apesar de traumático todo esse episódio, também foi pedagógico: não seja como ele, nunca. Primeiro: prepare melhor suas aulas. Segundo: esteja aberto às demandas dos alunos, inclusive abra canais de discussão sobre a sua didática. Nunca, nunca mesmo, transforme questões de sala de aula em perseguição pessoal, muito menos, não faça do seu “poder” de atribuir notas e presenças, elemento de chantagem: se não fizerem desse modo, vocês sofrerão consequências, hahahahahah!
Minha amiga Aldine deu a ideia: “escreve uma crônica sobre seu único 6,0 da vida”. Para ajudar, tinha compartilhado outro papel, com uma oração escrita, datada em 13 de abril de 2004, ou seja, pouco menos de um mês antes da outra folha com trocas de mensagens.



“Essa oração foi na aula dele também, só pode”, disse ela, ao que eu confirmei, sim, era. “Medidas em Educação Especial”, o título da disciplina. E como vocês podem verificar pelo histórico, não foi 6,0 e sim 6,5, tão bonzinho esse professor.


Comprometedor tantos dados assim, mas, aviso aos leitores: não fiquem especulando quem era o professor, não vale a pena quem era, vale o aprendizado com tudo isso. Claro que depois de formado, ainda participando de cursos e eventos na Unesp, reencontrei esse professor. Reinava o formalismo, a polidez, a educação. Ele está aposentado há muitos anos.
A conclusão: viva as recordações, viva a amizade, viva a oportunidade de crescer e amadurecer, sempre! Obrigado Aldine pela sugestão. Feito. Espero que goste do resultado desta “crônica”!

sábado, março 28, 2020

Uma cena


(foto ilustrativa)

No meio do caminho há um trilho. Há um trilho no meio do caminho. Há uma rua íngreme no final deste trilho. No final deste trilho há uma rua íngreme. Este trilho e esta rua fazem parte do trajeto que faço de segunda a sexta-feira para ir trabalhar, pela manhã.
Há um alto muro por toda a extensão deste trilho, cercado por bambuzais e eucaliptos gigantes e, do outro lado, há uma grande depressão, cheia de árvores que cercam um campo de futebol.
Nesse horário da manhã, são poucos os transeuntes, mas com certeza o horário que as pessoas mais o utilizam. Às vezes passo por ele todo sozinho; só eu “desço”, os outros sempre “sobem” o trilho.
Esse trilho inspira-me a falar com o Senhor Jesus, a orar, a louvar, a pensar em coisas grandes como a vida que logo passará e o que de eterno permanecerá. Dias desses passados na semana anterior, ao final desse trilho, uma cena muito me tocou: um cavalo, uma carroça, três cachorros e dois homens.

(foto ilustrativa)

O personagem principal foi o cavalo. Por ser a rua íngreme, patente foi para mim, observar o esforço do cavalo para se equilibrar, agüentando o peso da carroça e da descida para não “desimbestar”. Os dois homens tentavam, através de cordas, contrabalancear o peso, segurando a carroça. Mas o trabalho todo era do cavalo. Até aí, toda esta descrição parece muito natural, não fosse a presença dos caninos e o papel que tiveram nessa cena.
Não sei que aversão é essa que os caninos sentem pelos eqüinos, uma antipatia que os impelem para cima do cavalo; ladra incansavelmente enquanto o animal trota e segue seu caminho. Não entendo, mas nessa cena especificamente, a insistência desses cachorros, aliás, dois deles ainda filhotes, provocou, como em efeito dominó, uma analogia simples, mas muito forte, em meu pensamento.
As pessoas têm muitas cargas pesadas e difíceis de carregar, andam por caminhos tortuosos, atribulados por vários aspectos da vida, obviamente aqueles que conhecem a Cristo e Sua Palavra, sabem e crêem que toda tribulação tem um propósito maior e mais excelente (Romanos 5: 3-4; II Coríntios 7:4), somos auxiliados por Anjos eleitos e fortes, sustentados pelo Amor e Soberania do nosso Rei, nosso Pai.
E existe, no mundo espiritual, invisível, assim como os Anjos do Senhor, os demônios, principados e potestades, dominadores deste mundo tenebroso, que vivem ao derredor para dificultar, atrapalhar, para roubar, destruir, para matar. São incansáveis, irritantes, barulhentos como três cachorrinhos no caminho de um cavalo, já em dificuldades. Realizando sua tarefa: carregar a carroça.
Nessa analogia, os homens seriam os anjos do Senhor (Salmo 37:4), no caso, ajudando o cavalo com as cordas.
Fui trabalhar mais feliz neste dia. Através de uma cena simples, não tão cotidiana, mas normal, falou profundamente ao meu coração, ministrado pelo Espírito, lembrando a fidelidade e fidedignidade da Palavra do Senhor Deus.

Escrita originalmente em 06/07/2004.

quarta-feira, março 25, 2020

Este cinzeiro não estava vazio?



          
          Deve ser muito engraçado ver uma pessoa em dúvida de ter feito algo ou não, e você saber que foi feito, mas se disser a verdade, acaba se entregando.
            Esta foi com uma amiga.
            Numa noite discutia, como sempre, com o namorado na casa dele.
- ... e pare de fumar; sabe que cigarro não faz bem para a saúde!
- Deixa-me fumar, sempre fumei, não vou parar agora.
Ela pedia para ele.
Numa outra ocasião, bem antes dessa discussão, ela manifestou o desejo de fumar (mais curiosidade que desejo).
- Se eu te pegar fumando, bato na sua boca! – ele.
- Olha quem fala. – ela.
- Estou avisando!
Eis que surge a discussão iniciada logo acima. Ele fumava.
- Você me deixa muito nervosa, você é um “cabeça-dura”!
- Eu vou para a faculdade; estou atrasado. Tchau!
- Não me deixe falando sozinha!
Ele apagou o cigarro no cinzeiro, jogou as cinzas no lixo, colocou o maço de cigarro em cima da geladeira, pegou o capacete e saiu.
- Como ele me deixa nervosa!
Ela batia os dedos na mesa; era uma forma de extravasar. Se falasse sozinha, os vizinhos iam a chamar de doida; gritar então, não pensariam duas vezes, chamariam os psiquiatras para colocá-la na camisa de força.
Foi então que ele atraiu sua atenção. Quase inconscientemente foi até a geladeira, pegou um cigarro, colocou na boca e acendeu. Deu o primeiro trago; engasgou com a fumaça. Continuou fumando ainda assim. O nervoso foi passando, parecia se esvair com a fumaça que soltava, já com certa categoria.
Fumou um cigarro inteirinho. O cinzeiro sobre a mesa estava repleto de cinzas novamente. Ela colocou uma bala na boca, esborrifou perfume pela cozinha, chupou outra bala, por garantia.
Ele chegou. Beijo na boca: nada!
Respiração ambiente: nada!
Ufa! Ele nem vai desconfiar.
- Ei, eu não joguei as cinzas no lixo?!
“Ih, o cinzeiro!”
- Eu não vi!
- Devo estar ficando louco!
- É o cigarro que está te deixando assim!!!

Escrito originalmente em 21/02/2001.

segunda-feira, março 23, 2020

Eles escolheram, eu escolhi, nós escolhemos




Nascer no século XX, na América Latina, Brasil. Não escolhi!
Nascer homem, filho mais velho de um jovem casal. Não escolhi!
Meu nome e sobrenome, nem ter mais uma irmã e irmão. Não escolhi!
As escolas que frequentei e professores que tive. Não escolhi!
Meus pais escolheram por mim, já emaranhados pelas escolhas feitas para eles e por eles
Mas eu cresci! E com o fardo da adultice veio o privilégio das escolhas, e claro, saber das consequências de cada uma delas.
Escolhi não parar de estudar!
Para isso, fiz um curso que não me agradava, mas que foi muito útil, técnico de contabilidade
Escolhi aprender Língua Brasileira de Sinais e por isso, ser Pedagogo, ou melhor, professor de crianças surdas
Escolhi, depois de formado, prestar prova de um concurso querendo a única vaga disponível para professor de LIBRAS
Escolhi namorar Paula, primeira namorada e, vejam só, importada
O melhor, ela também me escolheu!
Não mais eles (pais), não mais eu... o verbo “escolher” passou a ser conjugado na primeira pessoa do plural.
Escolhemos nos tornar noivos com dez meses de namoro e oito meses depois nos casamos.
Dentro das nossas possibilidades escolhemos morar num apartamento e nos locomovermos de moto.
Escolhemos viajar por aqui e por ali, escolhemos amigos!
Uma das nossas mais importantes escolhas: escolhemos ser pais!
10 de maio de 2010 a notícia de que estávamos grávidos!
23 de julho de 2010 soubemos que seria um menino!
Então começamos as escolhas por ele: nome e sobrenome
LORENZO CRUZ CONEGLIAN
Até o dia de nascimento escolhemos: 21/12/2010.
Mas, Deus, o Altíssimo, escolheu outra data: 19/12/2010.
E fomos escolhendo outras coisas para nós e para ele.
Escolhemos mudar de cidade e Estado, de Marília-SP para Londrina-PR.
Uma grande mudança em nossas vidas, grandes aprendizagens.
Nessa terra vermelha, escolhemos sermos pais novamente.
29 de novembro de 2013 a notícia de que estávamos grávidos novamente!
15 de janeiro de 2014 soubemos que seria outro menino!
BENJAMIN CRUZ CONEGLIAN.
Porém, um micro-organismo mudou tudo: toxoplasma gondii.
Do sexto para o sétimo mês de gestação um exame de sangue acusou a toxoplasmose.
Perdemos o chão! O Senhor nos segurou no colo.
Pela fé, nós cremos no milagre e acrescentamos um outro nome:
BENJAMIN DANIEL CRUZ CONEGLIAN
Pois, como o Senhor livrou Daniel nos leões na cova
Cremos que o mesmo Deus livraria o pequeno Daniel dos leões microscópicos no ventre.
Dia 14 de junho de 2014 foi o grande dia.
O milagre foi real: um menino lindo e saudável, para honra e glória do Grande EU SOU!
A vida continua e as escolhas também!
Mas a melhor escolha de todas:
Servir ao Senhor e desejar que Lorenzo seja amigo de Deus,
Servo de Cristo, filho adotivo do Pai Celestial, por meio do sangue de Jesus.

O texto foi escrito originalmente em 03 de agosto de 2012; o trecho em itálico foi escrito hoje, 23 de março 2020.

domingo, março 22, 2020

O Homem ideal


            

               Este homem existe.
            Para preservar a sua identidade e garantir-lhe o direito de ir e vir e ser o que quiser, vamos apelida-lo de Ferreirão.
            Ferreirão, homem de meia idade, forte, cabelos levemente grisalhos, se gabava dentre muitas outras coisas de ser o garanhão em pessoa.
            Muitas pessoas são assim; espalham sua imagem como se vêem. Agora, se o são realmente, é outra história.
            Não que Ferreirão falhava no seu papel de galanteador... apenas faltava-lhe naturalidade em certos pontos. Malandro, no trabalho finge que trabalha. Os subordinados, estes sim, pegam no batente. É um sarro vê-lo como uma barata tonta quando o patrão aparece: e ele, é claro, quer aparecer. Ah, Ferreirão, deixa de lorota!
            É uma piada, às vezes, o saco dos subordinados enche, mas Ferreirão é Ferreirão, não se toca, não muda nem por milagre.
            Detalhe: Ferreirão é casado, leva, até como bom chefe a família; mulher, filha e filho. Sempre atento nos assuntos familiares e muito prestativo.
            Mas que virilidade é esta que não deixa ele (e muitos outros) serem apenas homem de uma mulher. Um defeito? Desde que o mundo é mundo, o homem é assim. E pelo andar da carruagem não há que o fará mudá-lo!
            Ainda bem!, dizem as amantes. A de Ferreirão é a secretária do Dr. Hamilton. Não conhecem? Bem, só o Ferreirão mesmo. Não só conhece como ele até come. Já o doutor em questão nem existe. É um código, entende: “Ferreirão, o Dr. Hamilton está na linha!”, “Ferreirão, o Dr. Hamilton pediu para você ligar para ele”.
            Os subordinados, depois de descoberto este insuspeito código de comunicação – não vamos deixar de elogiar a inteligência dos ativamente sexuados, a do Ferreirão e da secretária do fictício Dr. Hamilton – fica até difícil dizer: “Ferreirão, é o Dr. Hamilton na linha”... quando eles sabem que não é. E agora também nós que lemos até aqui.
            Ferreirão não deixa passar despercebido qualquer corpão-violão que passa pela sua vista. Come com os olhos: “Que gostosona, vem cá chuchu. Faz carinho aqui no papai, faz.”
            Ferreirão, além de tudo, faz brincadeiras (de mau gosto) com quem não devia mexer. Tem um funcionário, vamos dizer, obediente às Leis de Deus. E veio ele, Ferreirão, todo malandrão, balançando as pernas, gemendo e olhando para este funcionário, disse:
- “Jeremias, to com uma vontade de trepar!”
Os outros em volta, não imaginavam que Jeremias, tão na sua e tão sabiamente, deixou Ferreirão com cara de palhaço, que faz a piada e é, ele próprio o motivo da piada, obrigado a dar uma risadinha sem graça e sair mais que depressa. Jeremias olhou-o e disse simplesmente:
- “Tem um monte de árvore lá fora!”
Esperaram Ferreirão sair, sem ter conseguido ferir Jeremias com sua malícia, para caírem na gargalhada. Ficaram vermelhos, choraram de tanto rir. Ferreirão nunca mais se atreveu com Jeremias.
Suas investidas nas mulheres devem ser tantas e muitas delas, nada agradáveis, que surgem as “indelicadas”.
Uma dessas foi seca e direta.
Discou o número do celular de Ferreirão e como de costume, não foi ele quem atendeu. Pode estar do lado do celular, finge que não é com ele. Ferreirão às vezes irrita com tanta folga e burrice: após atenderem o celular que é dele, tem a capacidade de perguntar: “É pra mim?”
Desta vez a voz do outro lado ouviu apenas o “Alô” do subordinado de Ferreirão e despejou:
- “Seu gordo, escroto!!”, com um tom ritmado de nojo, para deixar explícito que era isso que ela estava sentindo.
No primeiro instante o subordinado ficou paralisado:
“E agora, contar ou não contar, eis a questão?!”. “Conto!”. “Mas como?”. “Do mesmo jeito, ué!”. “Certo”. – um diálogo com ele mesmo.
- “Ferreirão, tem alguém com muita raiva de você”
- “É, por quê?”
- “Uma mulher ligou e disse: ‘Seu gordo, escroto!’” – o subordinado imitou até a entonação da voz, que era de nojo mesmo.
Ferreirão deu uma risadinha sem graça. Os outros funcionários riram, mas com mais vontade. E ele saiu de perto, mais uma vez como barata tonta.
- “Barata. Ah, eu odeio barata!”
No maior estilo feminino, esta frase é dita pelo másculo Ferreirão quando vê uma. Se fosse só a barata, afinal é um bicho tão nojento. Mas Ferreirão se deixa perder nos medos quando é apenas o Ferreira. Já o viram cambalear depois de uma trovoada, abaixando-se de qualquer coisa que pensasse poder o atingir (estava bem protegido dentro do prédio onde trabalha). Ao fechar a firma não pode ficar sozinho: tem medo de ser seqüestrado.
E por aí vai, Ferreirão com as mulheres, deixa seus instintos falarem mais alto. Ferreirão consigo mesmo, deixa o medo tomar-lhe conta.
Não bastasse tudo isso, tem os espetáculos quando se reúnem em confraternizações semanais regadas com muito álcool, churrasco, mais álcool, peixada e muito, muito mais álcool.
Esta aconteceu na mesa de truco:
- “Truco, filho da p* ! Desgra*...”
- “Seis, nojento, fidido!”
- “Nove, cachorro, corno...” (exagerado, eu).
Era tanta cerveja, muito líquido retido na bexiga e muito álcool afetando os neurônios que Ferreirão nem pensou duas vezes.
“É aqui mesmo”. E abriu a torneira. Sentado na mesa de truco, “levemente” alcoolizado como podem constatar, se mijou todo.
No serviço, foi piada por uma semana.
Este, meus caros e caras, é o Ferreirão. O homem ideal do título. Podem perceber, pelas atitudes exemplificadas, que ele não é tão difícil de encontrar por aí. Todos conhecem um...
E Ferreirão continua por aí, caçando os “pitéuzinhos”. Malandro que é malando não se dobra. Homem que é homem não se entrega.
- “Ferreirão, ligação no celular, tome”
- “É pra mim?!”

Escrita originalmente em 09/07/2000.

sábado, março 21, 2020

O Doce da Vida




Correndo pelas longas estradas do tempo, o mundo deu tantas voltas que sorri ao parar no mesmo lugar de anos atrás. Lembranças pueris, pequenos gestos, grandes pessoas, sentimentos enraizados, que naquele instante floresceram e exalaram o aroma que me fez desejar viver aquilo tudo novamente.
            Mas, o grande personagem dessa história, não são minhas saudades, não é a criança que um dia eu fui, não exatamente isso. Mas, sim, seu Joaquim, o grande personagem, responsável por essa viagem tão doce no tempo.
Seu Joaquim é um nome fictício. Não por querer preservar sua identidade, é por que eu não sei o seu nome de verdade. Idade: mais de sessenta, setenta anos talvez. Onde mora? Não sei! Sei onde encontrá-lo. Por isso não me perguntem mais nada.
De seu Joaquim sei que vende doces. O lugar: o portão em frente da escola em que estudei. Seu Joaquim vendia doces, carregados pela sua bicicleta, numa caixinha de plástico, acoplada na frente deste veículo que o transportava para todos os lugares.
Balas, pirulitos, chicletes, pipoca, chocolate, doces e mais doces, todo dia ele estava lá, na entrada e na saída, fazia chuva, fazia sol.
Esta lembrança vale pela emoção que ele provocou em mim. Não me lembro claramente o que comprei de Seu Joaquim, comprei pouco, muito pouco, é uma pena...
Hoje, dez, onze anos depois eu poderia descrever o gosto do chocolate, os vários sabores de chicletes e balas, se a pipoca era fresca ou murcha... Não posso lembrar sabores, mas foram os sabores que Seu Joaquim sempre vendeu que me fizeram descrever esta sensação incrível.
Vi-o uma vez no ônibus. “Meu Deus! – exclamei – Ele ainda está vivo?!”, pensei comigo mesmo. Não que eu o queria morto, não. Aquele velhinho que fazia parte da minha infância, estava naquele ônibus que eu pegara na correria de minha vida, agora adulta. Pensei: “Deve estar aposentado, vivendo como pode, dependendo do INSS”.
Seus doces eram sabores do passado, deixados de lado, pois, a velhice exigia mais cuidados.
Muito me enganei e sorri. Sozinho, andando pela avenida, ao passar em frente a antiga escola do primário, no horário de entrada, um pouco depois em que se vê apenas os atrasadinhos correndo para chegar a tempo, ele, Seu Joaquim, plácido, tranqüilo, na sombra de uma arvorezinha, tendo ao lado sua bicicleta com a caixa de doces e um isopor, chupando um “geladinho”, assim, como quem só pensava em saborear o gosto gelado do sorvete que vendia.
            As imagens, o sentimento foi tão forte, que o sorriso apenas disfarçou e segurou as lágrimas que fizeram meus olhos brilharem. Brilharam momentos felizes de criança que se preocupa apenas com a brincadeira depois da escola, brilharam a felicidade de ver aquela pessoa que nos ama verdadeiramente no mundo, que nos esperava todo dia na saída, descompromissada sempre, quando se tratava de buscar e levar-nos para a escola, brilharam ainda, mais intensamente momentos que se foram e nunca mais voltarão. É uma dor, sentida lá no mais íntimo do coração, infância que não volta mais, mundo de encanto e fantasia perdido para sempre, anos em que se era feliz e não sabia. Não sabia que bastava sorrir e pular e cantar e brincar e correr e abraçar a mãe e ir feliz para casa, quem sabe antes pedir com jeito um pirulito ou um chiclete...
            É, assim é a vida. Crescer, amadurecer e admirar, esses momentos mágicos de reencontros, de pessoas, olha só, que apenas estiveram ali, em algum lugar de nossa vida e nos proporcionam mais adiante tamanha felicidade e emoção.
            Seu Joaquim, passarei por ti e não direi nada, comprarei um chocolate, quem sabe, esse sim terá um sabor todo especial, não só aquele doce, melado, gostoso, sabor de saudade, de um trabalho humilde de uma grande pessoa que foi apenas um vendedor de doces para essa eterna criança...
            “Ao velhinho que vende doces e, que há anos faz a alegria de milhares de crianças na frente da escola: Obrigado!”

p.s.: depois de alguns anos, descobri que Mateus é o verdadeiro nome do seu Joaquim, foi meu pai quem disse, pois o conhecia; lembro-me que pensei: que nome de menino para um idoso... eu e meus preconceitos! Viva o seu Mateus!

[Menino do Quarto, Sem data]

sexta-feira, março 20, 2020

"Do milagre" Manuel Bandeira




digitalizado do livro: Quadrante, Rio de Janeiro: Editora do Autor, 4. ed., 1962, exemplar 3263.

quinta-feira, março 19, 2020

A casinha de Ana


       
         Minhas singelas lembranças a esta senhora seguem nessas linhas mal traçadas, mas com uma vontade enorme de deixar registrado todo o sentimento que fluiu desta pequena convivência.
         Eu escrevi, algumas semanas depois do acidente, no meu diário:
       "Minha vizinha, a dona Ana, faleceu na sexta, depois de ser atropelada na pista, na terça. Foi muito duro receber essa noticia ao pensar em sua vida solitária, a recente perda do marido, a casinha que ela queria ver arrumada, agora abandonada... Passou muita coisa pela minha cabeça, que me fez chorar até meus olhos ficarem vermelhos. Como a morte é difícil de encarar em certos momentos (...) a d. Ana, tão saudável, uma vida para viver, ir assim, tão tragicamente, por uma bobeira, uma fatalidade (...) Não me lembro a última vez que a vi. Isso é o mais difícil de encarar, não me lembro a última vez e tenho que me conformar que nunca mais a verei”.
        Este que escreve, tentando passar o essencial da vida dela, como já disse, é um mero vizinho. Falarei de minhas percepções, os meus sentimentos, tudo o que observei e absorvi.
         D. Ana tinha 63 anos.
        Como escrevei no diário, havia ficado viúva há menos de dois anos. Tinha três filhos, o homem casado, uma filha também casada, que residiam em São Paulo. A caçula era solteira e também residia em São Paulo.
        D. Ana era um exemplo de força e vontade e, apesar de todos os seus pesares (que não eram poucos) vivia a sua vida. Com a morte do marido decidiu que compraria uma casa e moraria só! Não atrapalharia a vida dos filhos. E muito menos cogitou a possibilidade de ir para um asilo. Assim a casa que comprou foi exatamente a que fica ao lado da minha.
       Consigo trouxe o carro e o cachorro do marido. Nunca os deixaria para trás, as paixões do marido, que tinha um zelo completo pelo carro e tinha o cachorro como um companheiro inseparável. Acompanhava-o até no copinho de cerveja, dizia ela, “tomando” alguns golos. Dizia também que o cachorro sorria. E olhando para ele (confesso que não gostava muito dele, essa história de beber cerveja e sorrir, fora que seu aspecto era de um animal feroz), eu até desviava o olhar quando via na “face” do cachorro, algo parecido com um sorriso. D. Ana passeava com o cachorro nas tardes de calor e toda semana dava uma volta com o carro para não prejudicá-lo.
      Esta senhora tinha corpo e feições frágeis, falava manso, bem baixinho. Sempre pensava duas vezes antes de nos “incomodar” com seus problemas caseiros.
          “Coitada!” – quantas vezes não pensei.
         Seu sonho era ver a casa arrumada. Pintura, telhado, piso, jardim, tudo reformado. Aos poucos tudo caminhava conforme seu desejo. Uma vez, depois de uma tempestade, ela chamou o meu pai, perguntando se ele não poderia ver se havia alguma telha quebrada, pois no meio da forte chuva a água tomou conta de um dos quartos. Na hora da tempestade, chorando, tentou puxar o colchão pesado todo molhado, mas como era frágil teve que fazer muito esforço e o desespero tomou-lhe conta.
            Outro dia, chamou minha mãe dizendo que havia um gato por cima da laje da casa, que pediu para meu pai tira-lo de lá, pois passou a noite inteira miando sem deixar-lhe dormir. Meu irmão foi junto com meu pai, procuraram aqui e ali, e nada de gato.
            “Mas eu não estou louca. Ouvi este gato!”
            Bem mais tarde o gato realmente apareceu.
            A cada favor, voltava com as mãos cheias de gentilezas para meu pai e minha mãe.
            D. Ana era boleira. Não fazia apenas bolos, mas sim verdadeiras obras de artes. Esta arte poucos dominam e ela fazia com gosto. Temos registrados uma dessas artes em casa, as fotos da festinha de 16 anos da minha irmã. Foi ela quem fez o bolo decorado com flores.
       Várias tardes veio chamar minha mãe e minha irmã, duas vezes eu atendi: ”Sua mãe ou irmã não estão, é que comecei a fazer um bolo e elas queriam ver eu fazendo?”
        Uma vez tive que chamar minha mãe em sua casa. Receoso por causa do cachorro, não queria entrar sozinho. Mas ninguém me atendia, então abri o portão e entrei assim mesmo. Ele me olhou (ainda bem que não sorriu) e esta foi a única vez que entrei na casa de D. Ana, ainda assim até a garagem.
       Era começo de março, aproximava-se então o aniversario de minha mãe. Minha irmã queria fazer de qualquer forma uma festa surpresa para ela. Pediu emprestado uma daquelas tábuas de bolo para D. Ana. Fez o bolo na casa de uma prima, convidou varias pessoas, até D. Ana, mas ela disse que ia viajar para São Paulo. No dia da festa, minha irmã tirou minha mãe de casa por alguns minutos, os convidados chegaram e foi feita a surpresa. Minha mãe chegou até a conversar com D. Ana antes dela viajar para a casa dos filhos.
       Na terça, em que chegara de volta a nossa cidade, não foi até a rodoviária, onde pegaria um táxi e voltaria para casa conforme sugerira a filha, que deu até o dinheiro para pagar a viagem do táxi.
        D. Ana achou melhor descer antes, pois realmente fica mais próximo de nosso bairro descer onde ela desceu, não fosse o fato de ser uma pista rodoviária. Foi então que, ao atravessar – a fatalidade – um carro a atropelou. Disseram que ela falou o nome, de onde vinha, o endereço, tudo. No hospital, quem a viu, não a reconheceu (acho desnecessário os pormenores desse episodio), basta dizer que os óculos que usava machucou o seu rosto, além de ter inchado muito.
       Precisava de sangue, muito sangue. Meu pai como é doador há muito tempo se ofereceu. Era a minha vez de fazer alguma coisa pela D. Ana. Primeiro que já existia a minha vontade de ser voluntário em doações, agora havia alguém precisando. Eu iria doar.
         Mas no dia seguinte, ao chegar a noite da escola, havia um grupinho em frente à casa dela.
           - Filho, a D. Ana morreu!
           Eu não disse nada. Olhei para a casinha dela, fechada. Um profundo silêncio. Nunca uma casa pareceu tão inanimada. O cachorro, coitado -  triste -, desta vez parecia chorar.
Entrei e chorei, como há muito não fazia por certos falecimentos. Como eu escrevi no meu diário, passou muita coisa pela minha cabeça, toda a história dela, a batalha, a solidão, meu Deus!
          E desde então a D. Ana nunca mais saiu de minha mente. Ao passar em frente a sua casa, sem carro, sem cachorro, sem estar do jeito que ela queria que ficasse. Apenas as rosas vermelhas pareciam intactas, lindas como todo o jardim. Mas a casa vazia.
        - Tenho que escrever sobre ela!
      Emocionei-me só de pensar como escrever sua história, como ficaria no papel. Até agora contei tudo resumidamente. O final seria feliz, como imaginei, ainda captando coisas que faziam parte de sua história.
       Isso tudo porque meu relacionamento com D. Ana se resumia a simples cumprimentos, oi, bom dia!, olá, mas o carisma que havia criado com meus pais, me fez torcer por ela, para que sua vida fosse feliz. Deve ser por isso que sua morte me marcou tanto.
     A esperança que existe, vem de uma poesia criada em torno da vida além do que entendemos quando ela se acaba. Numa conversa entre minha mãe e as filhas de D. Ana, elas confessaram acreditar que ela está em paz aonde quer que esteja ao lado do marido, que ela não conformava ter perdido.
       No cemitério, seu túmulo ficava num lugar tranqüilo, debaixo de uma árvore. Que D. Ana esteja realmente bem, aonde quer que esteja. E mesmo que continua sendo difícil saber que nunca mais a verei (aqui!), resta a esperança de que a verei num outro lugar. Dela, deixo comigo o aprendizado que todos os sonhos devem ser perseguidos e batalhados, mesmo que demore ou não sejam concluídos, mas que deixam as marcas e o exemplo para alguém ganhar força e entusiasmo, e tentar concluir e realizar seus sonhos.
     Obrigado por tudo D. Ana, sua história é mais que um simples fato, observado e captado por um simples vizinho. Deixo registrado o meu grande aprendizado e a esperança de que outros que não a conheceram pessoalmente, possam aprender algo também...

Escrita originalmente em 03/01/2000.

quarta-feira, março 18, 2020

Você por aqui?!




            Estava eu num bairro bem distante da cidade. Meu patrão me mandou para cobrar uma mulher. Eu era Office-boy de um escritório de cobranças – coisa mais normal, então, eu fazer isso. Não é? Office-boy, bairro distante, escritório de cobrança, fazer cobrança... Deve ter bicicleta, podem pensar.
            Nada disso. Era Office-boy, mas fazia apenas serviço bancário no centro da cidade mesmo. Mas como eu era empregado, o patrão mandou, eu obedeci. Fui de ônibus circular, mas estava perdido num bairro que nem sabia onde ficava. Para piorar, estava na hora do almoço e não podia atrasar no serviço. Com dificuldades, achei a casa, cobrei a mulher... Bem, ela não pagou, mas fiz o meu serviço.
            Fui para o ponto do ônibus. Cadê ônibus? O tempo passa e nada de ônibus.
            E eis que vejo ela:
            “Emília, você por aqui?”
            “E aí, colega, o que faz você por aqui?”
            Rápida apresentação: Emília é a moça da cidade que viaja atrás de artistas e tenta tirar fotos com eles, em rodeios, festas agropecuárias, aniversários de cidades, shows, etc, ela vai. Também monta fãs-clubes, sem preconceito quanto a estilo musical, do sertanejo ao axé music; também organiza excursões para programas de TV.
            Ah, ela chama todo mundo de colega. É que ela conhece tanta gente e para não ficar feio, ela chama carinhosamente de colega aqueles que ela conhece. Legal da parte dela, pois a Emília não te esquece mesmo, o que é um nome, não é mesmo?! Então, colega pra todo mundo!
            É uma figura! Gente fina. Adora mostrar os álbuns com milhares de fotos de gente famosa. Artistas, fotos e colegas à parte, estranhei vê-la ali.
            “O que faz aqui, neste fim de mundo?”
            “Vim cobrar uma menina ali.”
            [Coincidência, hein?!]
            Emília mora perto da minha casa e estava de bicicleta, aquela com garupa, estilo mais rústico, de cor vermelha. Cobrou uma menina que comprou as fotos de um artista e não pagou.
            “É meu ganha-pão!”
            “E eu não sei.”
            “Então, quer uma carona?”
            “O que? Eu na garupa?”
            “É, vamos!”
            “Olha o meu tamanho (1,90 m)!”
            “O que é que tem?”
            “É que eu nunca fui carregado por ninguém, sempre carreguei meus irmãos, meus primos, os outros, nunca me carregaram e eu sou homem, você é mulher, eu te carrego então! (Aceitaria a carona com esta condição, afinal horário de almoço, eu estava atrasado, o ônibus não aparecia...)”
            “Não, não. Eu também nunca fui carregada e não me sentiria segura. Vamos lá, colega, pode confiar; eu te levo.”
            “Ai, ai, eu não acredito nisso.”
            Foi a volta de bicicleta mais espetacular e inesquecível da minha vida. Primeiro pela situação e também era a primeira vez que eu era carregado na garupa de uma bicicleta, por ela, a “moça dos artistas”.
            Foi hilariante e dolorido também; as minhas pernas enormes eram forçadas a ficar suspensas para não pegar o chão. Não dava para relaxar, apesar dela ter dado um show, ter guiado direitinho, não deu nenhuma mancada, não me derrubou. Chegamos na avenida, já em nosso bairro, então eu disse que estava ótimo a carona até ali. Era só correr para casa, comer algo mais que depressa e voltar para o serviço.
            Naquela tarde, naquele fim de mundo, a colega Emília me deu uma carona inusitada, eu numa garupa de bicicleta (enorme, desajeitado com tanto corpo) carregado pela primeira vez, por uma mulher. E conseguimos ir super-bem, ela agüentando de lá, segura, guiando; eu suspendendo as pernas, um pouco tenso, mas não caímos. E desde então, never more! Bicicleta, só guiando. E andar de bicicleta para mim naquele dia ganhou outro ponto de vista, uma nova sensação: a de passageiro.

Escrito originalmente em 07/02/2001

p.s: Emília faleceu não muito tempo depois desse encontro; parada cardíaca, tão jovem. Quem é de Marília-SP talvez tenha conhecido a "moça dos artistas".

quinta-feira, março 12, 2020

Uma Analogia Catártica


texto escrito em 20 de setembro de 2019.

Utilizar-me-ei da mitologia grega para fazer uma analogia com os dias que vivo.

“O leito de Procusto” é o mito que me servirá de analogia. Não sou especialista em mitologia grega, apenas um curioso. Este mito em especial, aprendi com uma amiga muito especial, numa das muitas conversas profundas e filosóficas que tivemos a oportunidade de tecer.

Basicamente, Procusto tem uma cama e todos os viajantes, para seguirem viagem precisam deitar no leito. Caso sejam maiores que a cama, a parte do corpo que sobra é decepada. Se a pessoa é menor que a cama, tem os membros esticados até atingir a medida exata do leito. Tortura pura!

                                       imagem retirada: encurtador.com.br/auyDX

A analogia que faço é a seguinte:

Regulamentos, normas, leis e decretos são os leitos a que somos submetidos diariamente. Regulamentos, normas, leis e decretos não são ruins, pelo contrário servem para balizar a vida, principalmente, em coletividade.

Leito também não é algo mau; leito e cama nos remetem a descanso, repouso, segurança. Assim deveriam ser regulamentos, normas, leis e decretos nas diferentes esferas de que participamos, nos defender, proteger as instituições.

Há pessoas responsáveis pela observância e cumprimento dos regulamentos, normas, decretos e leis que, imbuídos pela legítima defesa desses instrumentos legais, passam a exercer o papel de Procusto. Não o fazem na ignorância! Amam estar nesse papel. Ouso dizer que almejam estar e permanecer neste lugar.

Ignoram as pessoas, ou melhor, decepam-nas ou esticam-nas, no modo de tortura e, quase sempre, são movidos pelo prazer, um sadismo velado, mas que exala odor e fede, a ponto de arder narinas e fazer lacrimejar os olhos.

Tais pessoas estão resguardadas e respaldadas em continuar na missão – decepar e esticar os membros alheios, pois estão responsáveis pela observância e cumprimento dos regulamentos, normas, leis e decretos. Estes instrumentos são mais importantes que as pessoas. As pessoas não podem descansar ou repousar sobre esse leito, pois não são da mesma medida.

Procusto não tem amigos, tem comparsas. Faz negócios, sempre movido a interesses próprios. Há os que acreditam que ele apenas exerce seu papel. Até o dia em que forem colocados no leito e sofrerem eles mesmo tal tortura. Não desejo o leito de Procusto para ninguém!

Conhecem Procusto? Eu sim. E continuará sendo Procusto por mais duas primaveras - formalmente, mas, será Procusto a vida inteira.

Eu tive a escolha (sempre tenho ou isto é uma ilusão, afinal de contas): fugir de Procusto! Juntar os pedaços decepados, colocar no lugar as partes esticadas (no mito original, Procusto, sádico, tem dois tamanhos diferentes de leitos para torturar todo mundo que passa por ele) e recuperar-me junto aos que amo, que me respeitam!

Só digo uma coisa, aliás, duas: 1a.) Fujam de Procustos; 2a. e principal: Não sejam Procusto! Não obriguem as pessoas serem do seu tamanho, do tamanho do seu leito. É isso!