O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

quinta-feira, dezembro 30, 2021

A ÚLTIMA CAIXA

Fomos passar o natal de 2021 na casa dos meus pais, em Marília-SP. Saímos de Londrina-PR no dia 23 de dezembro bem cedo. Retornamos no dia 26, domingo. Chegamos em casa perto do meio-dia.

Para resumir a ópera e chegar ao cerne: na casa dos meus pais há o quartinho da bagunça. Quando solteiro, boa parte do meu arquivo pessoal ficava no quartinho da bagunça. Quando me casei, levei muita coisa comigo, entretanto, muita coisa ficou.

Já com uma década e poucos anos de casado, fiz uma nova seleção, jogando muita coisa. Por fim, restou uma última caixa no quartinho da bagunça. É sobre esta última caixa que pretendo tecer algumas considerações.

Não era uma caixa de sapatos, nem aquelas comuns de papelão. Foi a embalagem de uma das impressoras que tive, uma impressora pequena. Nessa última caixa, passados muitos anos, depois de todas as seleções e descartes, entre textos utilizados na universidade (graduação, mestrado, doutorado), minhas produções pessoais (desenhos, pequenos textos escritos a mão), fiquei com uns 15% do conteúdo dela.

Desfiz-me dos textos utilizados em algumas disciplinas do mestrado (Profa. Helen, minha orientadora, Prof. Sidnei, que foi orientador dela, Prof. Dagoberto, disciplinas sobre o livro, a leitura, leitores)... Ainda tinha um material produzido por uma professora do primeiro ano de graduação - textos fotocopiados, porém, tão bem feito, com capa, o programa da disciplina, mas decidi que era hora de desprender-me. Cheguei a visitar e participar de algumas reuniões do Grupo de Pesquisa dessa professora, sobre o "Integralismo" no Brasil.








Encontrei um "diploma de honra" da Encyclopedia Britannica do Brasil "por sua participação em nossa exposição de desenhos intercolégios realizado no Marília Tenis Clube", de 13 de agosto de 1994. Ainda esforço minha memória para lembrar algum detalhe desse evento: qual foi o desenho? eu fui na exposição? Eu guardo muita coisa na memória, mas desse evento só o diploma é o mais concreto que tenho.



Sobre desenhos, encontrei algo como "retratos" que fiz dos meus alunos surdos do Projeto de Extensão em que fui bolsista por dois anos e eles continuaram meus alunos nos estágios curriculares na área da Deficiência Auditiva. Formalmente, estive em contato com esses alunos por três anos, no mínimo.






Nessa caixa também estava minha pasta de estágio da área da Deficiência Auditiva, com um "10,0" a lápis e discreto da supervisora de estágio. Também o projeto "Jogo de Xadrez para Surdos" que propus na escola onde fiz o estágio na sala especial para surdos.

Há tantos outros itens com enorme relevância afetiva: um cartão do amigo Valter me desejando feliz 2003, mas um cartão totalmente manual, papel cartolina, colagens, letra do amigo. Onde se encontra isso nos dias de hoje?





Um desenho e texto - "Anjos sem asas" que escrevi em homenagem a minha prima Michelle, que compunha uma agenda minha com outros textos. Só este sobreviveu, pois fui incentivado no discipulado da igreja a me desfazer de tudo que era da minha "velha vida". Joguei textos, CDs (Madonna, por exemplo)... Quanto me arrependo! TANTÍSSIMO!





Estou imensamente grato ao UNIVERSO por estar longe desse tipo de abordagem limitadora, estreita e "emburrecente". De certo modo, lá no fundo, eu sabia que era idiotice me desfazer das minhas produções e objetos pessoais... guardei muitos desenhos "obscenos" e também minha coleção dos signos do zodíaco.

Há o texto intitulado "Um pequeno ensaio sobre mim", em folhas rascunhado manualmente, o qual pretendo digitar e socializar. Um cartão que foi produzido para que os alunos da turma "Maternal" presenteasse suas mamães, com um poema escrito por mim, a pedido das professoras, quando fui estagiário. Fiz isso para a turma da professora Lena também, minha amiga até hoje.




Meu autorretrato, que utilizei na pasta de estágio (Portifólio), inclusive as capas que produzi para esse material com colagens diversas, estavam guardadas, desenho que ganhei de algumas crianças nos meus estágios.

O que pretendo com esse texto? Fazer um inventário de tudo que encontrei? Não! Apesar de ter esse desejo. Um tesouro que sobreviveu há tantos anos e mudanças (mudanças internas, já que meus pais permanecem na casa onde estavam guardados).

Talvez, meu objetivo é, ao resgatar as memórias que estes itens me remetem e, ao contrário, eventos que eu havia me esquecido, mas o item me força uma lembrança - como do diploma da exposição do desenho, poder registrar e compartilhar aqui, com meus amigos, virtuais e reais, com meus leitores fiéis aquilo que considero relevante.

"A última caixa" é literalmente a última caixa que eu tinha na casa dos meus pais. Há uma conta que sigo no Instagram em que o autor - Luciano Lobato, é psicólogo, produtor do conteúdo dessa conta, escreveu sobre "caixas" e é muito interessante a analogia que ele faz das nossas caixas ao longo da existência. Clique aqui se quiser ler.

Também gosto de associar com o filme "O fabuloso destino de Amèlie Poulain" quando ela encontra uma pequena caixa com recordações de uma criança e passa a buscar o dono daquelas lembranças.

De certo modo, fico impressionado com o volume de coisas que produzi, que consegui guardar ao longo dessa minha pequena história de 40 anos. E por questões práticas, logística e de espaço precisamos ir nos desfazendo... É como a vida: cabe numa caixa!

quarta-feira, novembro 03, 2021

SOBRE "LES ÎLES", DE JEAN GRENIER


Duvido que ao ler este pequeno texto de Albert Camus sobre o livro "Les îles", de Jean Grenier, não ficará com imenso desejo de ler o livro tbm.

"É tempo que novos leitores venham a este. Eu gostaria de estar entre eles, gostaria de voltar para aquela noite quando, após ter aberto este pequeno volume na rua, fechei-o após as primeiras linhas que li, apertei-o em meu peito e corri até o meu quarto para devorá-lo enfim sem testemunhas. E invejo, sem amargura, invejo, se ouso dizê-lo, calorosamente, o jovem desconhecido que, hoje, aborda pela primeira vez Les îles..." (p.112), no livro "A inteligência e o cadafalso".

Este último trecho me fez querer ser esse "jovem desconhecido". Acho que o livro não foi traduzido do Francês para o Português.

Também me lembrou muito a menina Clarice Lispector, narrando sua "tortura e glória" com o livro "As reinações de Narizinho":

"Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo. Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante".

Este conto também aparece com o título "Felicidade clandestina", além de "Tortura e glória".







 

terça-feira, outubro 05, 2021

 



Um personagem de filme ou série, ao ser indagado sobre ter lido um autor contemporâneo, responde: “Só leio gente morta!”.

Respeito a escolha. Tubo bem! Eu leio “gente morta” e tenho meus mortos preferidos, mas também leio gente viva, vivíssima.

Ontem recebi em casa os livros “Mulher emudecida” e “Mulher umedecida”, ambos de Maria Mortatti.

Maria Mortatti foi minha professora de graduação em Pedagogia, no ano de 2002. Também foi minha professora numa disciplina na pós-graduação, em 2006, quando eu estava no primeiro ano do mestrado.

A admiração pela professora e pesquisadora é real e significativa desde a primeira aula lá na graduação, com a disciplina “Didática II”, ocasião em que pediu um dos trabalhos acadêmicos que mais me marcou: relatar a trajetória escolar. Trabalho que guardo com carinho, cujas tramas que envolvem a escrita, devolutiva e reverberações foram narradas em vários outros momentos, como num texto em meu Blog.

Considero essa introdução importante para desenhar minimamente o cenário que me ajudará a refletir sobre as leituras dos livros anunciados acima.

A conexão que criei com a figura/imagem da professora/pesquisadora da “História do ensino da leitura e da escrita no Brasil”, na relação professora-aluno, de respeito, admiração, muito tem a ver com o fato da professora ser formada em Letras, ter atuado como professora de Literatura em escolas públicas e, nas aulas da graduação/pós-graduação exalar literatura pelos poros.

E ainda, à distância, sigo-a pelo Facebook, com algumas oportunidades de interação. Foi pela rede social que soube do lançamento dos livros. No turbilhão desse momento que afligiu a humanidade e continua a nos castigar aqui no Brasil, somente agora consegui adquirir e ler os livros. Chegamos assim às minhas percepções e impressões das leituras.

Um é prosa, outro é poesia. Confesso que prosa é mais atrativa para mim, por gostar muito de histórias. Poesia é uma paixão recente, que tenho buscado me alimentar, muito pelos poemas de Cecília Meireles, e mais recentemente com poemas de Rainer Maria Rilke. Também tenho o livro “Breviário amoroso de sóror Beatriz”, outro livro de poemas de Maria Mortatti.

Os contos no livro “Mulher emudecida” que mais me impressionaram narram episódios da infância/juventude da personagem principal. A narrativa me ajuda a compor com outros elementos e a ratificar uma hipótese de algum tempo: Maria é uma pessoa superdotada, com múltiplas inteligências e sobre-excitabilidades bem marcantes.

Os contextos histórico, social e familiar dessa menina/adolescente não foram propícios e adequados para todo o arcabouço de desejos, habilidades e talentos fora da curva, mas Maria não pode esconder o que lhe é natural: querer conhecer, desbravar, provar, ser intensa em tudo, no desejo pelo tamanco, pela boneca Belinha, de ser bailarina.

As memórias e eventos resgatados nos contos contam como a menina/adolescente/jovem foi sendo proibida de ser quem era. Para mim, sempre nostálgico e revisitando episódios da infância, ler essas memórias de não apenas uma autora contemporânea, viva, vivíssima, mas minha professora e uma professora querida, admirada por sua postura e competência, essas leituras ganham outro significado.

Encerradas as leituras eu humanizo a figura/imagem cristalizada em meu imaginário na relação professora-aluno: uma professora de carne e osso, com casa e rotinas (que não mora na escola e que não se dedica 24 horas do dia aos alunos, ao ensino, essas ideias todas fantásticas que as crianças criam sobre seus professores, mesmo no ensino superior, não essas, mas criamos outros idealismos sobre nossos professores, os maravilhosos e os péssimos).

Recomendo a leitura de ambos os livros e não vejo a hora de ter em mãos o terceiro livro que completa a trilogia de “Essa Mulher” (“Mulher enlouquecida”, uma novela). As páginas, da prosa e dos poemas são regadas de outras referências literárias e de outras Estéticas, em outras linguagens como músicas clássicas e pinturas.

Em suma: a vida real, do dia a dia, transformada em palavras, transportada para a literatura, como para extrair beleza e leveza dessa vida que não é um conto de fadas, muito mais um conto cheio de falhas (como li dias desses nas redes sociais), falhas nossas que nos tornam quem somos, nossos “defeitos” estruturais.

Maria, mulher, professora, pesquisadora, autora, escritora, poeta. Parabéns pela concretização desse projeto forte e necessário: “Essa Mulher”!

E a todas as mulheres da minha vida e do mundo: você é o sexo forte, o mundo só é possível pela sua sensibilidade. Avante!

sexta-feira, setembro 24, 2021

MEUS QUATRO RG’s BRASILEIROS

 

1990                       2007                2011               2021


O primeiro é de e 1990. Eu estava com nove anos e meio. Lembro que a foto 3x4 foi tirada na Casa Alvorada, um armarinho sempre em expansão lá no bairro onde morei até meus 27 anos, na minha cidade natal, Marília-SP. Roupa de passeio, cabelo penteado, foto tirada, esperar um dia para revelar e buscar depois.

Acordei cedo, minha mãe disse: “ – Vai lá na Júlia do Mané (proprietários do armarinho), pegar as fotos para levar na escola. ao chegar na Júlia: “ – Sua foto queimou, temos que tirar outra agora”. “ – Agora?”. “ – Sim, agora!”. A roupa de dormir (nunca tivemos pijama, só roupas “de dormir”), cabelo despenteado, foto tirada e mais tarde revelada.

Está a prova na foto do primeiro RG: o André de nove anos e meio, cabelos desarrumados, camisa polo com botões abertos. Guardo com muito carinho o documento e todas as lembranças desse episódio, como os dedos sujos de tinta para que as impressões digitais fossem registradas em nossa ficha, os fichados corriam para o lavatório para tirar a tinta dos dedos.

Acredito que todos que estudávamos no SESI no. 308, em Marília-SP, naquele ano de 1990 e tiramos o RG, temos o número de registro muito parecidos. O número do RG da minha irmã, por exemplo, aluna da 2ª. série naquele ano e o meu são diferentes apenas nos últimos três números e o dígito (aquele número solitário depois do hífen).

O documento guardado ainda revela outros detalhes como minha letra de aluno da 3ª. série: eu acentuei “André” e “Onório” e não “Luis”. Entretanto, me acostumei a acentuar os dois nomes e o sobrenome. Questionei a agente que emitiu meu RG paranaense (o último e mais recente) a falta do acento agudo no “Onorio”. “ – Não posso mudar, coloco como está na certidão de casamento” (que copiou a certidão de nascimento – confirmo na fotocópia que tenho da original, e a original está no cartório civil, lá em Marília-SP).

O meu segundo RG, ainda paulista, mesmo número, com data de 01 de fevereiro de 2007, foi motivado pela necessidade de provar que eu era aquele menino do primeiro RG; as pessoas não acreditavam mais que aquele menino fofinho de nove anos era eu mesmo.

O terceiro RG, emitido em 01 de junho de 2011 e era, até então o RG utilizável. A diferença, para além da foto e da assinatura de gente grande, mudou também as informações sobre o meu registro civil – não mais o livro A, desde 2008, registrado no livro B. A camisa que uso na foto é uma laranja que ganhei da Paula quando éramos recém namorados.

Meu quarto e, por ora, meu último RG tem data de emissão: 15 de setembro de 2021, ou seja, escrevo esse texto no mesmo mês e ano de emissão do RG. A motivação para um novo RG? Tem dois motivos: 1) Meu novo local de trabalho – instituição estadual de ensino superior, na relação de documentos para a contratação exigia RG emitido no próprio Estado. Devido à pandemia, estavam aceitando RG de outro Estado, porém com o compromisso de logo emitir o RG paranaense. Nós, brasileiros podemos ter 27 RGs, um registro para cada Estado, mais o Distrito Federal - sim, desnecessário, mas estamos no Brasil!

Confesso que foi o segundo motivo que me fez correr no site de agendamento do Instituto de Identificação do Paraná, com atendimento reduzido pela covid-19, demorei dois dias para conseguir agendar. O segundo motivo é para o reconhecimento da cidadania italiana, no Consulado Italiano de Curitiba, que exige que o RG tenha menos de 10 anos de expedição e o meu RG paulista completou 10 anos em 01/06/2021.

O processo de reconhecimento da cidadania italiana: um sonho de algumas décadas, sempre me pareceu impossível e agora está tão próximo de se tornar realidade. Claro, taxas, traduções, apostila de documentos, uma fortuna! Porém, inspira, expira, inspira, expira... tenho até 17 de dezembro de 2021 para apresentar os documentos no vice-consulado italiano aqui em Londrina-PR.

Lá em 2006 e 2007 quando trabalhei (e gastei) com afinco reunindo informações, certidões de nascimento, casamento e óbito da minha árvore genealógica paterna (aliás, tenho cadastro em pelo menos dois sites com esses propósitos de reunir dados sobre os antepassados e pessoas da família), aprendi que nossa passagem pela Terra, ao menos aqui no Brasil, fica registrada nos livros alfa-numéricos (A-16, B-116, C-0, ainda não morri e não saberei o número do meulivro C).

Todas as certidões que comprei nessa época não eram de inteiro teor, como exigido para o processo de reconhecimento da cidadania. Desde 2019, aos poucos vinha pedindo novas certidões, agora em inteiro teor. Outro contratempo nos idos de 2006/2007, cujo equívoco descobri anos mais tarde é que a certidão de nascimento do antenato italiano que eu tinha em mãos não era do meu bisavô.

Para ter certidão italiana de nascimento correta gastei mais dinheiro para uma assessoria localizar e mais outro tanto para outra pessoa solicitar, buscar e me enviar. Sim, muito dinheiro desembolsado.

São pessoas diferentes, mesmo nome e sobrenome, mesmo pai e mãe, porém, com datas e locais de nascimento diferentes. A primeira certidão que eu recebi quando paguei um jovem brasileiro recém chegado na Itália para procurar e enviar o documento para mim é de “PRIMO SANTE CONEGLIAN”, nascido em 02 de novembro de 1893, em Villadose. O meu bisavô foi “PRIMO VINCENZO CONEGLIAN”, nascido em 13 de agosto de 1890, no comune de Ceregnano, também na Província de Rovigo, Itália.

Villadose e Ceregnano, Rovigo, Itália

Meu bisavô Primo Vicente Coneglian se casou com minha bisavó Maria Carolina Dadalto Coneglian, tiveram 11 filhos, dentre os quais meu avô Luiz Coneglian. Meu avô faleceu quando meu pai, o filho caçula de sete, estava com 17 anos. Foi casado com minha avó Olinda Brichi Coneglian. Meu pai se casou com minha mãe e eu sou o filho mais velho, tenho uma irmã e um irmão.

Por minha vez, casei-me com Paula Rosario Cruz Coneglian, boliviana, de Oruro, e temos dois filhos: Lorenzo e Benjamin. Algumas curiosidades sobre o registro civil na Bolivia: o carnet de identidad precisa ser renovado periodicamente, quando um casal oficializa o casamento no civil, eles recebem a “libreta da família” e conforme nascem os filhos, eles vão sendo acrescentados na libreta. Paula disse que sua mãe nunca teve a libreta por não ter sido casada oficialmente.

Libreta de Familia (Bolivia)

Mais um dos muitos procedimentos formais e burocráticos que marginalizam e discriminam pessoas e famílias que não se encaixam no padrão de família imposto pelo Estado e igreja cristã: homem, mulher e filhos felizes como numa propaganda de margarina tomando café da manhã num domingo, numa casa linda, com uma mesa farta!

Bem, a motivação inicial do texto foi escrever sobre meus quatro RGs e a discussão, para além das descritas acima: minha nostalgia em relação ao primeiro RG, todos os desdobramentos que impeliram a renovação dos RGs paulista e agora meu novo RG (Estado diferente, registro diferente), as mudanças no código civil brasileiro, muitos avanços como a não obrigatoriedade da mulher alterar seu nome incluindo o nome do marido ou ainda permitindo que o homem adote o sobrenome da esposa (alguns já usam essa possibilidade com outras motivações, como adotar o sobrenome japonês da esposa para ir ao Japão e trabalhar como dekassegui).

Desejo que o texto possa provocar outras linhas de pensamento, raciocínio e reflexão. Suscitar as memórias particulares de cada leitor em relação aos registros civis e sua história no mundo.

Meu grande sonho e há décadas quase inalcançável, o reconhecimento da cidadania italiana, agora tão próximo, sinto uma mescla de enorme de sentimentos. Pergunto-me: e quando for real e estiver com minha carteira de identidade italiana e passaporte europeu emitidos em minhas mãos?

Não queria que fosse acontecimento tão esperado o único motivo para trazer alegria e esperança para os meus dias... Aguardarei, sem criar expectativas conforme minha nova filosofia de vida – sem expectativas, para uma vida mais realista.

Quando for real, processarei o novo fato e a vida segue, até minha existência se encerrar e ser registrada no livro C. bem: Basta a cada dia o seu mal!

terça-feira, agosto 10, 2021

DIA INTERNACIONAL DA SUPERDOTAÇÃO - 10 DE AGOSTO

 



[Escrito no Facebook em 10 de agosto de 2020]

Celebrar sim, porém, com engajamento, posicionamento, esclarecimento e reflexão.
Há vários conceitos e pesquisas sobre Altas Habilidades/Superdotação (AHSD). Pesquisadores debatem, divergem, convergem sobre questões que envolvem a área.
Todavia, grande parte fica no estritamente teórico. Claro que é importante outros falarem e defenderem a área não sendo superdotados.
Muitos se engajam na área por serem pais e mães, viveram/vivem diariamente as agruras de ter um sujeito superdotado em casa sob sua responsabilidade. Bem como profissionais que vestem a camisa da superdotação, pois exercem empatia e alteridade.
Entretanto, é importante que o próprio sujeito fale por si, não como representante exclusivo da área, pois, ao falar sobre sua idiossincrasia como sujeito com AHSD, fala de um perfil, que pode refletir um ou outro aspecto da diversidade e pluralidade dos perfis de outros sujeitos superdotados.
Somos muitos e diferentes! Há os "nerds", há os líderes (quando não encontram ambientes favoráveis, o crime oferecerá "ótimas" oportunidades), há aqueles que não vão bem na escola, pois esta é rígida, tradicional, e há muitos outros perfis.
Já fui extremamente otimista em relação ao mundo, a possibilidade de mudar o "status quo" por meio da coletividade, cooperativismo, a formação para o envolvimento social.
O meu otimismo se mudou para algum lugar da Oceania, bem distante de mim.
Somos uma família de superdotados, não uma família com superdotados. Os quatro superdotados. Tudo começou com o Lorenzo (2015), depois eu (2018), Paula (2019) e, recentemente Benjamin (2020).
Lorenzo, AHSD acadêmico-intelectual, como a minha superdotação. Paula, AHSD produtivo-criativa e no Esporte. Benjamin tem AHSD mista: acadêmico-intelectual e produtivo-criativa.
Não há glamour na superdotação, principalmente num mundo repleto de idiotas, no qual Ciência, Conhecimento e Estudo são ridicularizados e menosprezados.
Reina a ignorância e os ignorantes estão no poder; os superdotados sofrem, em sua grande maioria, pois o mundo despreza seus apelos: liberdade, justiça, ambiente favorável ao aprendizado, sem bullying, espaços, recursos materiais e humanos para exercer a criatividade, consumir e produzir conhecimento.
É muito triste pensar que muitos humanos que estavam à frente do seu tempo, por defenderem ideias diferentes, sofreram graves consequências, pagando com a própria vida, o que hoje sabe-se ser real.
O Sol não gira em torno Terra, mas é a Terra que orbita em torno do Sol. O médico que entendeu a importância da higienização das mãos, foi enganado por um colega que o internou num manicômio e morreu uma semana depois. Martin Luther King foi assassinado por lutar pelos direitos civis dos negros americanos. Mandela ficou preso por 27 anos por defender a igualdade entre negros e brancos e a lista é enorme.
Numa palestra em 2017, sobre criatividade, o questionamento da pesquisadora foi: o que faz uma sociedade valorizar e pagar melhor o Engenheiro Civil e não o pedreiro? As respostas são óbvias, podem pensar: o engenheiro estudou e merece ganhar mais por projetar prédios seguros. Mas, e o construtor? É uma questão cultural, para dizer o mínimo, mas poderíamos levantar muitos outros pontos.
Passei a vida escolar idolatrando a escola e meus professores. No processo de formação como professor, a ira, a indignação cresceram dentro de mim, senti-me enganado, traído, menosprezado, subestimado. Em sua grande maioria, os agentes educacionais foram rasos, medíocres; cumpriram mecânica e burocraticamente o ofício de ensinar, mediar e promover o conhecimento.
Como eu disse acima, esse é uma parte da minha percepção do mundo como sujeito superdotado, 37 anos sem saber que a minha estranheza tinha esse nome.
A percepção da Paula, menina boliviana, crescendo com suas dificuldades em Oruro são bem diferentes das minhas.
Assim como as percepções de mundo dos sujeitos cm AHSD identificados em idade escolar, que frequentaram/frequentam o Atendimento Educacional Especializado... ainda assim não estão livres dos desencontros e desajustes com o mundo.
Feliz Dia dos Superdotados? Felicidade? Não há felicidade em observar e absolver o mundo num ritmo diferente, num nível elevado de sensibilidade, pensamentos constantes, análises mil, outras tantas conjecturas e planos, dos quais 99% não acontecem, ou acontecem de modo inadequado por conta do desentendimento e ignorância do ambiente familiar, escolar, social...
Não há mesmo muito o que celebrar. Há muito pelo que lutar, há muito para conquistar. Os sistemas educacionais brasileiros têm muito, muito mesmo para melhorar, modificar, evoluir.
A formação de professores precisa mudar. A valorização salarial, a gestão dos recursos educacionais precisam ser mais adequadas e eficientes.
Enfim, parece que o otimismo me manda mensagens lá da Oceania, às vezes, chegam, com rasuras, incompletas, outras vezes não chegam. Zero. Silêncio (do otimismo). Resta o barulho e a confusão da realidade!

segunda-feira, agosto 09, 2021

DA SOLIDÃO, Cecília Meireles





Há muitas pessoas que sofrem do mal da solidão. Basta que em redor delas se arme o silêncio, que não se manifeste aos seus olhos nenhuma presença humana, para que delas se apodere imensa angústia: como se o peso do céu desabasse sobre sua cabeça, como se dos horizontes se levantasse o anúncio do fim do mundo.

No entanto, haverá na terra verdadeira solidão? Não estamos todos cercados por inúmeros objetos, por infinitas formas da Natureza e o nosso mundo particular não está cheio de lembranças, de sonhos, de raciocínios, de idéias, que impedem uma total solidão?

Tudo é vivo e tudo fala, em redor de nós, embora com vida e voz que não são humanas, mas que podemos aprender a escutar, porque muitas vezes essa linguagem secreta ajuda a esclarecer o nosso próprio mistério. Como aquele Sultão Mamude, que entendia a fala dos pássaros, podemos aplicar toda a nossa sensibilidade a esse aparente vazio de solidão: e pouco a pouco nos sentiremos enriquecidos.

Pintores e fotógrafos andam em volta dos objetos à procura de ângulos, jogos de luz, eloquência de formas, para revelarem aquilo que lhes parece não só o mais estático dos seus aspectos, mas também o mais comunicável, o mais rico de sugestões, o mais capaz de transmitir aquilo que excede os limites físicos desses objetos, constituindo, de certo modo, seu espírito e sua alma.

Façamo-nos também desse modo videntes: olhemos devagar para a cor das paredes, o desenho das cadeiras, a transparência das vidraças, os dóceis panos tecidos sem maiores pretensões. Não procuremos neles a beleza que arrebata logo o olhar, o equilíbrio de linhas, a graça das proporções: muitas vezes seu aspecto - como o das criaturas humanas - é inábil e desajeitado. Mas não é isso que procuramos, apenas: é o seu sentido íntimo que tentamos discernir. Amemos nessas humildes coisas a carga de experiências que representam, e a repercussão, nelas sensível, de tanto trabalho humano, por infindáveis séculos.

Amemos o que sentimos de nós mesmos, nessas variadas coisas, já que, por egoístas que somos, não sabemos amar senão aquilo em que nos encontramos. Amemos o antigo encantamento dos nossos olhos infantis, quando começavam a descobrir o mundo: as nervuras das madeiras, com seus caminhos de bosques e ondas e horizontes; o desenho dos azulejos; o esmalte das louças; os tranquilos, metódicos telhados... Amemos o rumor da água que corre, os sons das máquinas, a inquieta voz dos animais, que desejaríamos traduzir.

Tudo palpita em redor de nós, e é como um dever de amor aplicarmos o ouvido, a vista, o coração a essa infinidade de formas naturais ou artificiais que encerram seu segredo, suas memórias, suas silenciosas experiências. A rosa que se despede de si mesma, o espelho onde pousa o nosso rosto, a fronha por onde se desenham os sonhos de quem dorme, tudo, tudo é um mundo com passado, presente, futuro, pelo qual transitamos atentos ou distraídos. Mundo delicado, que não se impõe com violência: que aceita a nossa frivolidade ou o nosso respeito; que espera que o descubramos, sem anunciar nem pretender prevalecer; que pode ficar para sempre ignorado, sem que por isso deixe de existir; que não faz da sua presença um anúncio exigente "Estou aqui! estou aqui!". Mas, concentrado em sua essência, só se revela quando os nossos sentidos estão aptos para descobrirem. E que em silêncio nos oferece sua múltipla companhia, generosa e invisível.

Oh! se vos queixais de solidão humana, prestai atenção, em redor de vós, a essa prestigiosa presença, a essa copiosa linguagem que de tudo transborda, e que conversará convosco interminavelmente.


MEIRELES, Cecília. Janela Mágica. 3. Editora Moderna: 2003, p. 48-51. 

quinta-feira, julho 08, 2021

PERDOE O ESCAMBAU


 O Primeiro Luto (Original em francês Premier Deuil) é um óleo sobre tela pintado em 1888 por William-Adolphe Bouguereau


Há alguns anos escrevi um poema intitulado “Perdoe se eu morrer”.

Sinto-me compelido, pelos meses de terror que vivemos com a pandemia e o crescente número de mortos no Brasil nesses primeiros meses de 2021, a repensá-lo, reescrevê-lo, reeditá-lo.

Perdoe o escambau!

Se eu morrer, serei mais um número na estatística divulgada todos os dias. E nada muda!

Se eu morrer, os verdadeiros culpados continuarão ilesos, debochando, chamando as dores de tantos enlutados de mi mi mi.

Se eu morrer, algumas pessoas que me conheceram em vida, ficarão tristes, farão homenagens das redes sociais, colocando fotos, e contando situações que vivemos juntos, desejarão “meus sentimentos”, “meus pêsames” aos meus familiares. E espero que tenham dor na consciência aqueles que votaram no presidente-genocida, mas será tarde, como já é tarde para tantos que morreram.

Muitos desses mortos, vítimas da própria escolha por terem votado nesse energúmeno, terem acreditado no tratamento precoce, aglomerado e não obedecerem às normas da OMS e demais normas restritivas.

Se eu morrer, minha família irá sentir todos os dias minha falta, passado o torpor da perda, a rotina é mais cruel para aqueles que ficam: ele acordaria essa hora, tomaria banho, faria o café, talvez iria na padaria se não tivesse pão.... mas deverão seguir sem mim. Deverão lutar pelas suas próprias vidas e se puderem, pelas vidas das pessoas desfavorecidas. Há tanto por fazer nesse mundo.

Façam por vocês, façam pelas pessoas, não por instituições, não em nome de ninguém, não pela promessa de um porvir em qualquer paraíso não terreno. A vida é aqui e agora e está sendo desperdiçada, como se as vidas das pessoas não valessem nada!

Se eu morrer de covid-19, vocês que permaneceram vivos, lutem para que os responsáveis, presidente e todos seus asseclas sejam responsabilizados civil e penalmente o quanto antes, por mim e por todos que morreram vítimas da incompetência e ingerência programada e proposital para deixar morrer, para matar!

Peço, suplico: valorizem nossas escolas públicas, universidades públicas, os professores, Educadores, o Sistema Único de Saúde, as demais instituições públicas. Valorizem a Ciência! Estudem, leiam, não tenham medo do PT, da Esquerda, do Comunismo sem antes entenderem o que está em jogo. Cresçam, amadureçam, participem das instâncias de decisões de escolha, não deixem escolherem por vocês.

A ingenuidade, o ódio gratuito e fantasioso ao PT nos trouxe para esse cenário de terror. Não estou defendendo o PT. Estou chamando a atenção para a maturidade. Analisar as situações de modo mais profundo. Estou cansado, esgotado. Perdi o encantamento com tudo. Sigo vivo pela minha família, esposa e filhos. Paula é forte! Não queria ter perdido o encantamento, entretanto, não foi uma escolha. Uma série de fatores me trouxe para esse nada, situações e pessoas!

Talvez, um dia, no futuro, caso não tenha morrido de covid ou qualquer outro motivo, ao reler esse texto eu possa rir, estar numa situação melhor que a atual. Sofrimento é ter consciência crítica num mundo que é essencialmente cruel!

E você, lendo esse texto, é porque está respirando. Encontre a missão da sua vida. Faça a diferença na vida. Não exija que ninguém seja como você, não deixe que as pessoas te coloquem em caixas ou formas pré-estabelecidas. Be brave! Be happy!

André Coneglian

23.03.2021

p.s.: 298.676 mortos até 23 de março de 2021. Hoje, 08 de julho de 2021 são mais de 529 mil mortos, ou seja, 230.324 pessoas morreram desde a escrita desse texto até a data de hoje, quando o compartilho aqui, em pouco mais de três meses. Perdi amigos, amigos perderam pais, cônjuges, perdi ex-aluno, alunos perderam pais... nos "habituamos" aos muitos óbitos...

quarta-feira, abril 14, 2021

"Cartas do Menino do Quarto para o Mundo", de André Coneglian (Editora Apprehendere, 2020)



Sim, sou a pessoa mais suspeita para falar do meu próprio livro... Não está perfeito. Depois de pronto e acabado, o desejo é arrumar aqui, acrescentar ali, diminuir isso e aquilo.

O livro foi o modo que escolhi fazer as pazes com o passado acerca da "descoberta" da minha superdotação aos 37 anos de idade. A escrita e todo processo até a finalização do projeto foi uma terapia, uma jornada catártica.

Como escrevi na postagem de ontem (13/04/2021) no Facebook acerca da passagem de um ano do lançamento do livro:

Quem REALMENTE me conhece?
Qual ou quais das minhas versões você conheceu?
Fui o "Menino do Quarto" por 19 anos. Introvertido. Observador.
Tido por muitos como "inteligente", "estudioso", "quieto".
No livro lançado ano passado, escrevo um pouco sobre a minha jornada no mundo da superdotação, iniciada com o princípio de depressão e gastrite nervosa do pequeno Lorenzo, então com 4 anos de idade.
Porém, não é sobre Lorenzo que escrevo. O Menino do Quarto resgata sua identidade como superdotado e a avalanche de sentimentos que foi essa caminhada.
As cartas são endereçadas aos meus pais, aos meus professores, aos meus amigos, aos psicólogos, aos superdotados, às autoridades e a Deus!
A esperança é que as situações narradas nas cartas encontrem terrenos férteis em outros corações! Outras mães/pais, professores...
Se quiser ler essas cartas, é só fazer o seu pedido por meio do formulário, clicar aqui.
Prefácio da querida Profa. Dra.
Susana Graciela Pérez Barrera
e posfácio da querida Ms.
Patrícia Neumann