Let's go! Mais um registro para a posteridade... Pessoa que me lê, espero que esteja relativamente bem... Eu estou relativamente bem. Digo relativamente, pois não há o "estar realmente bem", conscientemente, o "bem" é uma ilusão, enfim...
"Entre mim e mim" é um empréstimo que fiz de uma citação de Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa: "Meu Deus, meu Deus, a quem assisto? Quantos sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?" ("Livro do Desassossego", Bernardo Soares, p. 189).
Encontro-me exatamente neste intervalo, entre mim e mim, e faço o mesmo questionamento: o que é este intervalo entre o que fui e o que serei (serei?)?
[acréscimo, 09/01/2023]. Lendo algumas páginas da obra Poética de Cecília Meireles, encontrei esse: "Noções", que inicia exatamente assim: "Entre mim e mim, há vastidões bastantes/ para a navegação dos meus desejos afligidos. // Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos./ Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.// Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,/ só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.//Virei-me sobre a minha própria existência, e contemplei-a./Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,/e este abandono para além da felicidade e da beleza.//Ó meu Deus, isto é a minha alma:/qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,/como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera..." (p. 109).
O fato do Brasil ter eleito uma b6e6s6ta em 2018 me fez muito mal, sim, pela be6s6t6a em si, mas muito por todo o contexto que o elegeu e as pessoas que se converteram a essa b6e6s6ta. Mudanças importantes que já estavam em movimento dentro de mim, foram acentuadas...
Então veio a pandemia do coronavírus... A pandemia no Brasil foi um inferno diferente dos outros locais do mundo, se não o pior, um dos piores, sim, pela be6s6t6a no poder e seus filhotes - me refiro a todos, não apenas aos bestinhas de sangue e mesma merda!
Sou um sobrevivente desse cenário apocalíptico brasileiro... não tiveram a mesma "sorte" mais de 660 mil pessoas, especialmente os que perderam a oportunidade da vacinação em tempo hábil, pois sabemos que o "atraso" na chegada da vacina no Brasil esteve envolvido em escândalos...
Essa introdução se faz necessária para tentar montar um cenário. Outro grande trauma que preciso destacar é o modo como saí do trabalho na universidade que me trouxe até Londrina. De abril de 2013 a março de 2018 foram os melhores cinco anos, mesmo com as perdas contratuais sofridas pelos professores temporários.
A chefia que assumiu a partir de março de 2018 transformou um ambiente de trabalho que eu realizava - ainda que em condições precárias, comparada aos professores efetivos, num inferno. Pior, sem ser ajudado ou orientado por exatamente NINGUÉM...
Em janeiro de 2020, decidi sair, pois já estava muito, muito doente... as crises de depressão anteriores, as transformações internas, o cenário político-econômico brasileiro-paranaense...
Paula e eu brincamos que temos saudades do tempo do isolamento social. Sim. Foi incrível, não podemos negar, o tempo em nossa "mansão" na Rua Arthur... (esqueci o nome da rua... e estou ficando preocupado com minha saúde mental...).
Foi um período de medo pelo que estava acontecendo no mundo, porém, um período de mergulhar mais para dentro de mim... Leituras, exercícios de escrita... Escrevi em julho de 2020:
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BOTÃO
Uma coisa é certa:
Ligaram ou desligaram
Algum botão em mim.
Fato!
O que faço com ele?
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O que faço com ele, com o fato de sentir profundamente que esse botão, desligado ou ligado, apartou-me da ideia que eu tinha de mim, da minha existência até então? Até hoje, dois anos e meio depois, não sei responder...
Em agosto de 2020, escrevi outra versão, a mesma ideia do botão, agora um pouco mais estendida:
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BOTÃO ON/OFF
Das duas, uma:
um botão foi desligado
ou um botão foi ligado.
Algo se quebrou aqui dentro;
o que eu era se rompeu,
se desprendeu, não sei mais ser.
Não sou mais eu, não sei quem sou.
Só sei que tudo foi em vão.
Não há razões para ser.
A VIDA ME CANSOU
Não me cansei da vida,
A vida que me cansou.
Os sentidos - que nunca existiram,
Se desfizeram todos, como névoa.
Inerte, mente fria e estática,
Num corpo que perambula
E anseia pelo fim de tudo.
O motivo desse martírio todo?
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Não acreditar mais no deus cristão, na bíblia, na igreja não me aflige. É um alívio! Quem ainda está lá e ainda acredita, e é fanático-radical, dirá: "é o que acontece com quem se afasta da igreja, da fé...". E eu não responderei, pois minhas palavras e argumentos serão como jogar "pérolas aos porcos", essa figura de linguagem bíblica tão interessante (sendo meio sarcástico).
Deparo-me com o absurda da vida, do non-sense de existir... Muito obrigado, Camus por suas considerações relevantes e únicas sobre esse absurdo! Óbvio que entendi superficialmente, no senso comum, sem me aprofundar... Quem sabe um dia estudo profundamente!
Estar afastado das redes sociais desde 13/11/2022 e ter ocorrido tantos traumas de lá para cá, por exemplo, ser reprovado na prova didática para a Unespar de Apucarana, dia 25/11/2022. Teria tanto para escrever sobre vivenciar o processo eleitoral, primeiro turno, segundo turno... o nervoso que passei de estar na rodoviária de Curitiba, no dia 31/10/2022 desde as 6h30 da manhã e perto das 11h00 a empresa de ônibus anunciar que as viagens foram canceladas por conta dos bloqueios nas estradas, por conta dos bestinhas/merdinhas descontentes com o resultado do pleito no dia anterior... e olha que já foram tantos fatos esdrúxulos de lá para cá, por exemplo, terrorismo, com a tentativa de detonar um caminhão-bomba no aeroporto de Brasília, semana passada...
Entretanto, vim para o blog com o objetivo de registar os presentes que ganhei de Natal e o que rascunhei hoje, após a leitura e cópia manuscrita de uma poema de Cecília Meireles - sempre ela!
Passamos o Natal em casa. Carro quebrado, esperando o conserto do motor... Caro! Paula tinha comprado jogos para os meninos e eles perguntaram se nós não ganharíamos presentes... Paula foi ao centro da cidade no sábado, 24 de dezembro e comprou os livros de Cecília para mim e uma camiseta do Mickey para ela.
CONVENIÊNCIA
CONVÉM que o sonho tenha margens de nuvens rápidas
e os pássaros não se expliquem, e os velhos andem pelo sol,
e os amantes chorem, beijando-se, por algum infanticídio
Convém tudo isso, e muito mais, e muito mais…
E por esse motivo aqui vou, como os papéis abertos
que caem das janelas dos sobrados, tontamente…
Depois das ruas, e dos trens, e dos navios,
encontrarei casualmente a sala que afinal buscava,
e o meu retrato, na parede, olhará para os olhos que levo.
E encolherei meu corpo nalguma cama dura e fria.
(Os grilos da infância estarão cantando dentro da erva…)
E eu pensarei: «Que bom! nem é preciso respirar!…»
Cecilia Meireles, Viagem
"Sonhar é livre, é gratuito e, não necessariamente precisa ou irá se realizar, ainda que se gaste até o último tostão e se desperdice os anos de vida em busca dos sonhos.
Enquanto copiava e meditava sobre o poema acima, eu que sonhei por várias vezes realizar projetos que envolvam vida e obra de Cecília Meireles, um filme biográfico, por exemplo, as cenas seriam quase todas elas, inspiradas nos poemas e crônicas.
Li que Cecília faleceu às 15h00 do dia 09 de novembro de 1964, em seu quarto, no bairro Cosme Velho, Rio de Janeiro.
O filme poderia começar ou terminar com base nesse poema (Conveniência), boa parte das cenas aceleradas, até culminar em seu espírito chegando em sua casa, na sala com o retrato, ela deita e encolhe o corpo - "numa cama dura e fria" - e ouvimos os grilhos (ou grilos) cantando e a câmera se aproxima dos olhos de Cecília que estão fechados e num clímax, eles se abrem de repente, como se voltando a respirar... e o filme começa ou termina..."
Estendendo o rascunho acima, em outros momentos em que penso sobre o filme que narrará a história de vida de Cecília, a referência a alguns poemas serão obrigatórias, como "Retrato"... As viagens de Cecília ao exterior, todas elas... as muitas viagens a Ouro Preto, para escrever o "Romanceiro da Inconfidência". Cecília menina, a cena e situações narradas no poema "Desenho": "Fui morena e magrinha como qualquer polinésia,/ e comia mamão, e mirava a flor da goiaba". Vó Jacinta cantando e cosendo na sala e a menina Cecília a admirando profundamente... "E minha avó cantava e cosia. Cantava/ canções de mar e de arvoredo, em língua antiga./ E eu sempre acreditei que havia música em seus dedos/ e palavras de amor em minha roupa escritas".
Da infância, entre tantas outras preciosidades que imagino é a convivência com sua amiga Josefina e que falece, num texto em "Giroflê, Giroflá", com o título "Josefina", Cecília descreve o impacto da morte de Josefina: "Encontrei-a no mais belo jardim do mundo [...]. Era, porém, o mais belo jardim do mundo, porque Josefina passava por ali, e suas saias crepitavam nas folhas secas e seus dedos tão brancos aramavam raminhos com malvas, miosótis, amores-perfeitos, - raminhos de trazer ao peito, de colocar diante dos santos, de pousar as mãos dos mortos..."
Enfim... vou ali aprender como se escreve um roteiro de um longa-metragem...
E encerro este registro de fim de 2022, com ela, sempre ela, Cecília Meireles, com dois trechos da crônica "A quinhentos metros":
"A quinhentos metros, os vossos belos olhos desaparecem; e essa claridade do vosso rosto; e a fascinação da vossa palavra. É uma pena (eu também acho que é uma pena!) mas, a quinhentos metros tudo se torna muito reduzido: sois uma pequena figura sem pormenores; vossas amáveis singularidades fundem-se numa sombra neutra e vulgar. Ao longe, caminhais como qualquer pessoa - e até como certas aves: é o que resta de vós: esse ritmo, na imensa estrada que também se vai projetando, estreita e indistinta, sobre o horizonte.
[...]
A quinhentos metros, na verdade, há muita ausência, vamos acabando muito depressa. Pensai que, geralmente, neste mundo, há sempre cerca de quinhentos metros de uma pessoa para outra! Somos só desaparecimento. E apenas quando conseguimos ficar, também, a uns quinhentos metros de nós mesmos, encontramos algum sossego. Porque, então, é a vez dos nossos tormentos mudarem de proporções e aspecto. De serem vistos só de longe, sem pormenores, sem voz, sem ritmo: nem mês de maio, nem flores, nem arroio. Talvez a memória serenada. Talvez nem a memória… - É assim em quinhentos metros!"
MEIRELES, Cecília. A quinhentos metros. In: Quadrante. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1962, p. 34-36.
Entre mim e mim, um intervalo de quinhentos metros!
A bientôt
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