O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

terça-feira, agosto 04, 2020

TODA CRIANÇA MERECE

Uma criança, da janela do ônibus olhou para um caminhão cegonha, provavelmente pela primeira vez. Maravilhado com tamanha monstruosidade – um caminhão enorme carregando outros tantos carros, o menino, de olhos arregalados, expressou: - Uau! – mas não foi um simples “uau”; foi pausado, demorado em cada vogal.

Eu assisti a essa cena, jovem, na correria do curso superior. Emocionei-me com o espanto do garoto mirando o caminhão cegonha e senti inveja! “Quando foi a última vez que fiquei estupefato com algo em vida?” – pensei naquela ocasião.

Caminhão cegonha

Hoje, faço aqui na escrita, um exercício de reunir algumas cenas da minha infância/juventude que me aproximaram de uma sensação de espanto, agradável espanto, por vivenciar este ou aquele sentimento por primeira vez.

A primeira vez que vi uma jabuticabeira repleta de frutos: “u-a-u!”, aquela árvore toda negra de frutos redondos brilhantes me hipnotizou. Era como um milagre, tantas frutas presas por fino caule direto do tronco. Precisei desenhar. Óbvio que minha representação não chegou perto da sensação. Eu tinha 17 anos de idade.

Desenho "Jabuticabeira", por André Coneglian, 20/09/1998

Na infância tive o privilégio de passear aos fins de semana, algumas férias, chácaras, sítios e fazendas. O medo do rural – touros, bois, vacas, porcos, perus, patos, gansos; a curiosidade de como era a colheita de feijões, a felicidade de ter dois bolos de milho no meu aniversário de sete anos – férias, longe dos pais, no sítio dos tios.

Há uma cena gravada em minha memória como flashback de filme: um depósito rústico, madeiras, telhas, sem paredes, no centro um tacho enorme, fogo, calor, muito melado borbulhando, uma pá, o homem mexendo sem parar. “ – É para fazer rapadura, curioso!”.

imagem retirada da internet

Amamentar carneirinhos, milho colhido direto do milharal, transformar-se em pamonha, a folha do milho vira a própria embalagem. Apartar o bezerro da vaca, amarrar perto da mãe, tirar leite, fazer queijo, manteiga. Observar a plantação de abacaxi, como floresce, onde fica a coroa e a fruta.

Imagem retirada da internet

Observar! Eu não tinha coragem de me aproximar dos animais, raras vezes coloquei a mão na massa, entretanto, deleitava-me na observação do processo.

As crianças de hoje recebem tudo pronto. Fruta sem casca em pedaços no pote. Leite vem da embalagem tetra pak. Manteiga em retângulos milimetricamente embaladas ou somente margarina em potes.. Rapadura! “É de comer?”, aposto que nem sabem o que é. A vida é processo. O processo é mágico. Respeitando as fases, etapas, o produto final será mais valorizado e melhor aproveitado.

Toda criança merece viver de “u-a-u!”. Toda criança merece se surpreender com uma jabuticabeira carregada de frutos. Toda criança merece saber como é feita a rapadura, a pamonha, o queijo e a manteiga. Toda criança merece poesia, aventura, emoção. Toda criança merece muito mais do que os adultos estão lhes oferecendo. A escassez de “uau” está entristecendo as crianças e, consequentemente, o mundo.

 

André Coneglian, 03/08/2020.

3 comentários:

Unknown disse...

"Uau!"Seria muito bom termos mais " "uau"

Unknown disse...

Isso mesmo, toda criança merece viver a experiência do "uau"! Somos responsáveis por isso. Quando os pintinhos do Rafa, hoje as galinhas Belinha e Fofinha, chegaram aqui em casa os olhinhos brilharam: " u a u"!! Adorei o Texto. Lembrei da minha infância e da minha responsabilidade em proporcionar aos meus filhos a alegria de serem surpreendidos com o novo.

Anônimo disse...

Me vi perguntando quando foi a última vez que tive esse momento de uau.