Minhas duas avós morreram no dia 20. A paterna, em 20 de fevereiro de 2000. A materna, hoje, 20 de agosto de 2020. Vinte anos de diferença. As semelhanças e proximidades entre elas eram meras formalidades; as diferenças e antagonismos, não. Provavelmente, os antagonismos entre as minhas duas avós me ensinaram muito sobre a vida.
Olinda Brichi Coneglian, nascida em 02 de junho de 1916. Nair Rosa de Oliveira da Silva, nascida em 26 de maio de 1940.
"Vó Linda" sempre foi Vó Linda e "Vó 'Nail'" - era assim que a chamávamos quando pequenos, a Vó Nair.
Ambas eram Geminianas: uma de maio, outra de junho. O aniversário delas tinham exatamente uma semana de diferença.
Se o aniversário da Vó Nair foi terça-feira, na terça seguinte era o aniversário da Vó Linda. Tinham, entretanto, 24 anos de diferença. Vó Nair tinha idade para ser filha da Vó Linda.
Como todo bom geminiano gostavam de falar e falar e falar. Porém, Vó Linda tinha uma voz tranquila, Vó Nair foi mais explosiva.
Vó Linda contava as histórias da família, de pessoas que já tinham partido. Vó Nair contava a história do "Berrador", provavelmente a primeira história de medo que ouvi na vida.
Vó Linda costurava e fazia crochê. Vó Nair fazia tricô.
Vó Linda casou de véu e grinalda, aos vinte anos. Vó Nair fugiu aos 18 para casar, desde os 15, cuidava dos irmãos menores, pois tinham perdido a mãe.
Ambas tiveram sete filhos. Vó Linda teve duas filhas e cinco filhos, o caçula é o meu pai. Vó Nair teve três filhas e 4 filhos, minha mãe é a segunda mais velha.
Vó Linda era branca. Vó Nair era preta.
Vó Linda foi Católica Apostólica Romana. Vó Nair foi Cristã Evangélica Pentecostal.
Vó Linda foi viúva por quase três décadas (28 anos). Vó Nair somente três anos.
Vó Linda não teve casa própria; morava com a filha mais velha. Determinada época, arrumava sua mala e fazia uma romaria pelas casas dos filhos e ali passava os dias que desejava, enquanto se sentia útil. Queria ajudar com as tarefas domésticas.
Vó Nair teve casa própria, humilde, de conjunto habitacional, reformada e melhorada ao longo dos anos. Foi a casa que eu, meus irmãos e primos passávamos alguns finais de semana, onde a família se reunia em datas comemorativas, especialmente, o Natal.
Vó Linda teve muitos netos, eu era um dos mais novos, junto com meus irmãos e poucos primos mais jovens. Vó Nair teve netos, bem menos, eu era o segundo.
Vó Linda vivenciou 19 anos da minha existência, não soube que me converti ao protestantismo, não soube que entrei na universidade, mestre e doutor.
Vó Nair participou de tudo isso e muito mais, abrigou minha namorada/noiva em sua casa por 8 meses, foi ao nosso casamento. Foi bisavó do Lorenzo e Benjamin. Veio conosco para Londrina na mudança. Foi comigo na UEL quando levei os documentos.
Vó Linda morreu aos 84 anos. Vó Nair, aos 80.
Vó Linda, branca, católica, viúva há 28 anos, sem casa, são 20 anos de saudades.
Vó Nair, preta, evangélica, viúva há três anos, morreu em sua humilde casa nesta madrugada, em minha cidade natal, Marília-SP. Não a vi enferma, mas já não era mais a mesma desde que meu avô faleceu. Não a verei no caixão. Será para mim como se tivesse simplesmente ido para o lugar que ela tanto almejava: sua morada celestial.
Vó Linda e Vó Nair estão juntas novamente. Minhas duas avós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário