O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

quinta-feira, agosto 06, 2020

Sobre Bombas e Guerras (Hiroshima e Nagasaki)

A seguir, um compilado de três livros: "A teoria das nuvens" (2009), "Quadrante" (1962), com a crônica "Bombas com e sem endereço", de Cecília Meireles e "O menino do dedo verde" (9.ed, 1983), 06 de agosto, dia em que se completa 75 anos em que a primeira bomba atômica foi lançada na cidade de Hiroshima, no Japão, por ocasião da Segunda Guerra Mundial.

Acredito que não se arrependerá de ler até o fim. Também agradecerei os comentários, pois é interessante saber o que tais ajuntamentos de palavras e pensamentos provocam nos possíveis leitores deste humilde Quarto do Menino.

Trecho do livro “A teoria das nuvens” (Editora Record, 2009), um romance de Stéphane Audeguy, p. 129-133.

    
            "[...]

No fim do mês de julho de 1945, o estado-maior americano faz seus cálculos: 1.200 soldados americanos morrem por dia nas ilhotas do Pacífico. E bem mais do que o previsto. E acima do suportável para a opinião pública americana. Ainda mais quando o front europeu está praticamente em paz. A quantidade de feridos é ainda mais preocupante, militarmente falando: nunca foi tão alta numa operação desse tipo para o exército americano; são os feridos, não os mortos, que aterrorizam um estado-maior. Pois os feridos são muito mais embaraçadores. Um morto mobiliza dois indivíduos vivos, por uma hora ou duas, para ser enterrado ou transportado para a retaguarda. Um ferido imobiliza, direta ou indiretamente, cinco soldados, por um tempo indeterminado, e por um resultado incerto. No fim do mês de julho de 1945, todas as autoridades americanas interessadas apresentaram a mesma opinião: a guerra do Pacífico deve acabar agora.

A milhares de quilômetros do Japão, numa base militar do Novo México, o exército americano está pronto: dá o toque final ao projeto Manhattan. O projeto Manhattan não data de ontem: há anos, reúne os melhores cientistas de seu tempo, não apenas dos Estados Unidos, mas também de toda a Europa: muitos físicos judeus estão lá, engajados num projeto de pesquisa que deve permitir, é o que lhes dizem, a derrota, do outro lado do Atlântico, do ditador que os expulsou da sua pátria, prendeu seus amigos, matou sua família. Os cientistas judeus e os outros trabalham com ardor. Trabalham ainda mais rápido quando o exército começa a lhes falar dos mísseis V1 e V2, que Hitler estaria prestes a lançar, que seria talvez a arma final. Por fim, são eles, que estão do lado certo, que inventam essa arma final; em 1944, ela é operacional; ninguém nunca foi tão rápido numa invenção tão espantosa, tão poderosa. O estado-maior americano agradece a toda a equipe, e põe-se a estudar as possibilidades de lançá-la na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Em nenhum momento, o estado-maior pensou seriamente em utilizá-la na Alemanha. Os cientistas, judeus e não judeus, estão extremamente decepcionados. Ainda não entenderam.

Em julho de 1945, faz muito tempo que um novo tipo de bomba está pronto. Até os alvos foram escolhidos há bastante tempo. A decisão obedeceu a todas as configurações requeridas por uma democracia moderna. Num primeiro momento, um comitê consultivo formado por políticos e militares selecionou diversas cidades, as de Kyoto, Nagasaki e Niigata, as de Kokura e Hiroshima. A respeito de Kyoto, um especialista civil protestou, por causa dos monumentos históricos; descarta-se Kyoto. As outras quatro cidades foram levadas numa lista transmitida à força aérea; a escolha final surgirá o mais tarde possível, segundo critérios logísticos. No último instante, as equipes técnicas encarregadas da avaliação dos efeitos da primeira bomba atômica num espaço urbano real apresentam ao estado-maior da força aérea um requerimento especial: almejando poder medir com precisão o estrago, desejam que os alvos sejam cidades intactas, que nenhum bombardeio clássico tenha danificado. Durante alguns meses, até o início do mês de agosto de 1945. N populações das cidades de Nagasaki e de Hiroshima se consideram afortunadas, já que nenhum bombardeiro americano as sobrevoa. As equipes técnicas encarregadas da avaliação emitem na mesma ocasião um desejo: preferem cidades situadas em depressões, que tornarão mais visível o efeito da explosão, mais fácil de se modelar, de se estudar. O estado-maior da força aérea não vê nenhuma objeção.

Você nunca se perguntou, escreve Akira Kumo a Virginie Latour, por que foram lançadas duas bombas atômicas no Japão, em 1945? Por que Hiroshima, e depois Nagasaki? Por que uma bomba em 5 de agosto, e uma segunda no dia 6 [foi no dia 9, na verdade]? Por que não apenas uma? E uma pergunta que ninguém faz, exceto as crianças, quando lhes explicamos pela primeira vez o que foram esses bombardeios, e são as crianças que têm razão. Mas não Ihes respondemos, geralmente por ignorância, porque é preciso realmente refletir muito tempo para encontrar a resposta a essa pergunta: os Estados Unidos da América tinham inventado dois tipos de bomba atômica e precisavam, portanto, de dois lugares para testá-los.

Em 5 de agosto de 1945, por volta das 7 horas da manhã, um avião americano de reconhecimento sobrevoa as cidades de Kokura, Niigata e Hiroshima. Das duas primeiras, não se pode nem vê-lo nem ouvi-lo, porque o teto nebuloso está bem baixo; o pequeno avião não assusta ninguém; quando sobrevoa Hiroshima às 7h15 da manhã, o céu está limpo, sem vento, todos os habitantes que já se levantaram podem vê-lo, mas não se inquietam: não se trata de um bombardeiro. Além disso, é a terceira vez em três dias que esse avião leve vem e vai; nunca esteve acompanhado de um conjunto de bombardeiros o suficiente para vê-lo passar no céu de Hiroshima pensam em seus irmãos que não têm a mesma sorte, lá, a leste, no front do dos, como alguns militares temiam. Os civis que são matinais Pacífico. Pensam em todos aqueles que perderam nessa guerra Aprenderam a não acreditar mais nos comunicados triunfantes da rádio oficial. O aviãozinho parte bem rápido, num zumbido de abelha; a vida continua, o sol já dissipou as brumas matinais a cidade inteira acorda. Há três dias, esse aparelho de reconhecimento meteorológico de um belo cinza azulado procurava uma cidade sem nuvens. Acaba de encontrar uma. Transmite instantaneamente as informações necessárias a seu posto de comando, depois volta à base, o mais rapidamente possível.

Uma hora depois, um segundo avião vem sobrevoar Hiroshima. Este é um bombardeiro. Volta em altitude bem alta; é possível ouvi-lo, sem vê-lo. Civis levantam os olhos, mas o céu está vazio. Militares se admiram: aviões como esse nunca se deslocam sozinhos. Durante longos minutos, os mais inquietos prendem a respiração, esperando um bombardeio, ou o zumbido de toda uma esquadra. Mas nada acontece; deve ser um piloto perdido, cujo rádio está em pane, e que, provavelmente, o aviãozinho procurava. A segurança civil decide não soar o alerta. E de repente o barulho não está mais lá, como se o avião tivesse desaparecido de uma vez. É que o bombardeiro acaba de girar violentamente sobre a própria asa, e o vento das alturas, desde então, leva para o mar o barulho de suas hélices. Sua missão está terminada: ele acaba de lançar uma única bomba, pesando quatro toneladas. Ela não foi concebida para tocar o chão: diversos pára-quedas quase rígidos se abrem para desacelerá-la, pois se calculou que convém, para uma eficácia máxima, que ocorra 600 metros acima de seu alvo. Logo após o bombardeiro de tipo B52 ter soltado a sua carga, há certamente um instante estranho para aqueles, se eles existem, que notaram esse pontinho brilhante que desce lentamente em direção à cidade, um desses instantes que parecem se estender até durar. Há um momento único em que esses poucos homens e essas poucas mulheres, se eles existem, se encontram numa situação que o homem não conhece mais há séculos; um momento como os índios da América viveram, ao olhar o cano dos fuzis que magníficos centauros apontavam para eles; um momento como vivem os animais caçados que não aprenderam a conhecer o homem. E um instante único num século de ferro e fogo, no silêncio de um céu sem nuvens, que parece ter absorvido o tempo e o espaço, com exceção desse ponto brilhante no céu, que desce. Em seguida, esse instante desaparece no esquecimento absoluto, porque a bomba atômica explode, exatamente na altura prevista pelo estado-maior."


Quando li essas páginas, num livro que mistura ficção e realidade, para narrar como nasceu o serviço de meteorologia (A Teoria das Nuvens), eu fiquei estupefato! Nunca uma bomba atômica tinha sido lançada no planeta Terra. Claro que as pessoas não esperavam as consequências daquele ponto que se desprendeu do avião!


Na sequência, trago a crônica "Bombas com e sem endereço", de Cecília Meireles:





            Por fim, no livro "O menino do dedo verde", de Maurice Druon, o capítulo 14 "no qual Tistu, a propósito da guerra, faz a si próprio novas perguntas".





            Guardei comigo durante muito tempo a doce ilusão de que existiam meninos e meninas do dedo verde espalhados pelo mundo, que pudessem, a seu tempo e a seu modo, mudarem seu ambiente e, consequentemente, as pessoas e circunstâncias. A ilusão se perdeu! Resta-me a alegria da palavra.



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