Uma criança, da janela do ônibus olhou para
um caminhão cegonha, provavelmente pela primeira vez. Maravilhado com tamanha
monstruosidade – um caminhão enorme carregando outros tantos carros, o menino,
de olhos arregalados, expressou: - Uau! – mas não foi um simples “uau”; foi
pausado, demorado em cada vogal.
Eu assisti a essa cena, jovem, na correria do
curso superior. Emocionei-me com o espanto do garoto mirando o caminhão cegonha
e senti inveja! “Quando foi a última vez que fiquei estupefato com algo em vida?”
– pensei naquela ocasião.
Hoje, faço aqui na escrita, um exercício de
reunir algumas cenas da minha infância/juventude que me aproximaram de uma sensação de
espanto, agradável espanto, por vivenciar este ou aquele sentimento por
primeira vez.
A primeira vez que vi uma jabuticabeira repleta de frutos: “u-a-u!”, aquela árvore toda negra de frutos redondos brilhantes me hipnotizou. Era como um milagre, tantas frutas presas por fino caule direto do tronco. Precisei desenhar. Óbvio que minha representação não chegou perto da sensação. Eu tinha 17 anos de idade.
Desenho "Jabuticabeira", por André Coneglian, 20/09/1998
Na infância tive o privilégio de passear aos fins de semana, algumas férias, chácaras, sítios e fazendas. O medo do rural – touros, bois, vacas, porcos, perus, patos, gansos; a curiosidade de como era a colheita de feijões, a felicidade de ter dois bolos de milho no meu aniversário de sete anos – férias, longe dos pais, no sítio dos tios.
Há uma cena gravada
em minha memória como flashback de filme: um depósito rústico, madeiras,
telhas, sem paredes, no centro um tacho enorme, fogo, calor, muito melado
borbulhando, uma pá, o homem mexendo sem parar. “ – É para fazer rapadura,
curioso!”.
Amamentar carneirinhos, milho colhido direto
do milharal, transformar-se em pamonha, a folha do milho vira a própria
embalagem. Apartar o bezerro da vaca, amarrar perto da mãe, tirar leite, fazer
queijo, manteiga. Observar a plantação de abacaxi, como floresce, onde fica a
coroa e a fruta.
Observar! Eu não tinha coragem de me
aproximar dos animais, raras vezes coloquei a mão na massa, entretanto, deleitava-me
na observação do processo.
As crianças de hoje recebem tudo pronto. Fruta
sem casca em pedaços no pote. Leite vem da embalagem tetra pak. Manteiga em
retângulos milimetricamente embaladas ou somente margarina em potes.. Rapadura!
“É de comer?”, aposto que nem sabem o que é. A vida é processo. O processo é
mágico. Respeitando as fases, etapas, o produto final será mais valorizado e
melhor aproveitado.
Toda criança merece viver de “u-a-u!”. Toda
criança merece se surpreender com uma jabuticabeira carregada de frutos. Toda criança
merece saber como é feita a rapadura, a pamonha, o queijo e a manteiga. Toda criança
merece poesia, aventura, emoção. Toda criança merece muito mais do que os
adultos estão lhes oferecendo. A escassez de “uau” está entristecendo as
crianças e, consequentemente, o mundo.
André Coneglian, 03/08/2020.
3 comentários:
"Uau!"Seria muito bom termos mais " "uau"
Isso mesmo, toda criança merece viver a experiência do "uau"! Somos responsáveis por isso. Quando os pintinhos do Rafa, hoje as galinhas Belinha e Fofinha, chegaram aqui em casa os olhinhos brilharam: " u a u"!! Adorei o Texto. Lembrei da minha infância e da minha responsabilidade em proporcionar aos meus filhos a alegria de serem surpreendidos com o novo.
Me vi perguntando quando foi a última vez que tive esse momento de uau.
Postar um comentário