Mas, uma língua é muito mais que dados e fatos; a língua não só identifica e constitui um povo como também a língua identifica e constitui o próprio individuo: nome, idéias e pensamentos exteriorizados e realizados através da língua.
A língua que falamos e escrevemos no Brasil é o Português-brasileiro. “Mas, não falamos o Brasileiro? Português é a língua de Portugal!” - já ouvi tal conclusão; tem lá sua razão de ser: falamos e escrevemos o português-brasileiro ou abrasileirado. Um Português tropical, verde-amarelo, tupiniquim.
Mas, ainda é uma conclusão incompleta, já que o português-tupiniquim, além da diversidade nas influencias que recebeu de outras línguas, é distinto entre si, nas diversas regiões de seu território.
Um dia desses, numa conversa informal, o assunto principal tornou-se secundário devido aos desencontros entre significado e significante de algumas palavras utilizadas no interior de São Paulo e no estado do Espírito Santo. Vejam só:
- Pois é, o meu marido era fichado e teve que mudar para cá...
- Fichado?
- Ah sim, aqui vocês falam “registrado”, que trabalha com carteira assinada.
- Ufa! Porque aqui “fichado” quer dizer que tem ficha na polícia...
(...)
- Eu perguntei para o trocador onde descer, pois era nova na cidade...
- O mesmo que cobrador?
- Isso.
Foi muito engraçado. “Fichado”, sinônimo masculino: “que ou aquele que tem carteira de trabalho assinada, contraindo os benefícios e deveres da Consolidação das Leis Trabalhistas”, no estado do Espírito Santo e “Fichado”, sinônimo masculino e adjetivo, “que ou aquele que possui delitos e/ou crimes registrados na delegacia”, no estado de São Paulo.
Ainda ocorre o fenômeno inverso, quando o significado possui significantes diferentes, como “Cobrador” (SP) e “Trocador” (ES), “funcionário de transporte coletivo urbano que fiscaliza a roleta”, sendo que “Cobrador” (SP e ES) é aquele que faz cobranças de débitos, dividas em aberto e “Trocador” (SP) é o móvel destinado a trocar bebês.
O surpreendente é que falamos de estados de uma mesma região e o melhor de tudo é que celebramos uma diversidade lingüística salutar e criativa neste pais “multilíngüe” e todo mundo se entende ainda que seja necessário alguns minutos e alguns ajustes para isso!
André Coneglian
Abril de 2006.
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