Quadro: "Cabeça de um homem afogado" (1819), de Jean-Louis André Theodore Gericault
Pelo
mar azul,
pela água tão clara,
caminhava o morto
esta madrugada.
Subia
nas vagas,
bordado de espuma,
seu corpo sem roupa,
sem força nenhuma.
O sol
cor-de-rosa,
nascido nas águas,
via o navegante
procurar a praia.
Sem voz
e sem olhos,
chegava de longe.
Chegava – e ficara
além do horizonte.
Por
dias e noites
viera atravessando
caminhos salgados
como o suor e o pranto.
Dançarino
estranho
de passos macabros,
com o corpo despido
e grossos sapatos.
Dançando
e dançando,
por noites e dias,
chegou dentro da alva
às areias frias.
O mar e
a neblina
que um morto navega
são muito mais fáceis
que, aos vivos, a terra.
Vencera
a inconstante
planície intranquila
numa silenciosa,
cega acrobacia.
E então
se deteve
seu corpo dobrado
por aquele imenso,
póstumo cansaço.
Era
como os peixes
finalmente quietos:
o peito, gelado
e os olhos, abertos.
Um fio
de sangue
corria em seu rosto
irreconhecível
de secreto morto.
Miravam
com pena
sua dúbia face.
Quem era? Quem fora?
Nas ondas gastara-se.
Nu como
nascera
ali se caía.
Só tinha os sapatos:
lembrança da vida.
Um comentário:
A morte é consequência da vida. Que não sejam apenas os nossos sapatos nossa lembrança da vida!!
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