O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

quinta-feira, dezembro 29, 2022

ENTRE MIM E MIM

 Let's go! Mais um registro para a posteridade... Pessoa que me lê, espero que esteja relativamente bem... Eu estou relativamente bem. Digo relativamente, pois não há o "estar realmente bem", conscientemente, o "bem" é uma ilusão, enfim...

"Entre mim e mim" é um empréstimo que fiz de uma citação de Bernardo Soares, heterônimo de Fernando Pessoa: "Meu Deus, meu Deus, a quem assisto? Quantos sou? Quem é eu? O que é este intervalo que há entre mim e mim?" ("Livro do Desassossego", Bernardo Soares, p. 189).

Encontro-me exatamente neste intervalo, entre mim e mim, e faço o mesmo questionamento: o que é este intervalo entre o que fui e o que serei (serei?)?

[acréscimo, 09/01/2023]. Lendo algumas páginas da obra Poética de Cecília Meireles, encontrei esse: "Noções", que inicia exatamente assim: "Entre mim e mim, há vastidões bastantes/ para a navegação dos meus desejos afligidos. // Descem pela água minhas naves revestidas de espelhos./ Cada lâmina arrisca um olhar, e investiga o elemento que a atinge.// Mas, nesta aventura do sonho exposto à correnteza,/ só recolho o gosto infinito das respostas que não se encontram.//Virei-me sobre a minha própria existência, e contemplei-a./Minha virtude era esta errância por mares contraditórios,/e este abandono para além da felicidade e da beleza.//Ó meu Deus, isto é a minha alma:/qualquer coisa que flutua sobre este corpo efêmero e precário,/como o vento largo do oceano sobre a areia passiva e inúmera..." (p. 109).

O fato do Brasil ter eleito uma b6e6s6ta em 2018 me fez muito mal, sim, pela be6s6t6a em si, mas muito por todo o contexto que o elegeu e as pessoas que se converteram a essa b6e6s6ta. Mudanças importantes que já estavam em movimento dentro de mim, foram acentuadas...

Então veio a pandemia do coronavírus... A pandemia no Brasil foi um inferno diferente dos outros locais do mundo, se não o pior, um dos piores, sim, pela be6s6t6a no poder e seus filhotes - me refiro a todos, não apenas aos bestinhas de sangue e mesma merda!

Sou um sobrevivente desse cenário apocalíptico brasileiro... não tiveram a mesma "sorte" mais de 660 mil pessoas, especialmente os que perderam a oportunidade da vacinação em tempo hábil, pois sabemos que o "atraso" na chegada da vacina no Brasil esteve envolvido em escândalos...

Essa introdução se faz necessária para tentar montar um cenário. Outro grande trauma que preciso destacar é o modo como saí do trabalho na universidade que me trouxe até Londrina. De abril de 2013 a março de 2018 foram os melhores cinco anos, mesmo com as perdas contratuais sofridas pelos professores temporários.

A chefia que assumiu a partir de março de 2018 transformou um ambiente de trabalho que eu realizava - ainda que em condições precárias, comparada aos professores efetivos, num inferno. Pior, sem ser ajudado ou orientado por exatamente NINGUÉM...

Em janeiro de 2020, decidi sair, pois já estava muito, muito doente... as crises de depressão anteriores, as transformações internas, o cenário político-econômico brasileiro-paranaense...

Paula e eu brincamos que temos saudades do tempo do isolamento social. Sim. Foi incrível, não podemos negar, o tempo em nossa "mansão" na Rua Arthur... (esqueci o nome da rua... e estou ficando preocupado com minha saúde mental...).

Foi um período de medo pelo que estava acontecendo no mundo, porém, um período de mergulhar mais para dentro de mim... Leituras, exercícios de escrita... Escrevi em julho de 2020:

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BOTÃO


Uma coisa é certa:

Ligaram ou desligaram

Algum botão em mim.


Fato!


O que faço com ele?

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O que faço com ele, com o fato de sentir profundamente que esse botão, desligado ou ligado, apartou-me da ideia que eu tinha de mim, da minha existência até então? Até hoje, dois anos e meio depois, não sei responder...


Em agosto de 2020, escrevi outra versão, a mesma ideia do botão, agora um pouco mais estendida:


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BOTÃO ON/OFF


Das duas, uma:

um botão foi desligado

ou um botão foi ligado.


Algo se quebrou aqui dentro;

o que eu era se rompeu,

se desprendeu, não sei mais ser.


Não sou mais eu, não sei quem sou.

Só sei que tudo foi em vão.

Não há razões para ser.

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E ainda escrevi esse:

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A VIDA ME CANSOU


Não me cansei da vida,

A vida que me cansou.

Os sentidos - que nunca existiram,

Se desfizeram todos, como névoa.


Inerte, mente fria e estática,

Num corpo que perambula

E anseia pelo fim de tudo.

O motivo desse martírio todo?

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Não acreditar mais no deus cristão, na bíblia, na igreja não me aflige. É um alívio! Quem ainda está lá e ainda acredita, e é fanático-radical, dirá: "é o que acontece com quem se afasta da igreja, da fé...". E eu não responderei, pois minhas palavras e argumentos serão como jogar "pérolas aos porcos", essa figura de linguagem bíblica tão interessante (sendo meio sarcástico).


Deparo-me com o absurda da vida, do non-sense de existir... Muito obrigado, Camus por suas considerações relevantes e únicas sobre esse absurdo! Óbvio que entendi superficialmente, no senso comum, sem me aprofundar... Quem sabe um dia estudo profundamente!


Estar afastado das redes sociais desde 13/11/2022 e ter ocorrido tantos traumas de lá para cá, por exemplo, ser reprovado na prova didática para a Unespar de Apucarana, dia 25/11/2022. Teria tanto para escrever sobre vivenciar o processo eleitoral, primeiro turno, segundo turno... o nervoso que passei de estar na rodoviária de Curitiba, no dia 31/10/2022 desde as 6h30 da manhã e perto das 11h00 a empresa de ônibus anunciar que as viagens foram canceladas por conta dos bloqueios nas estradas, por conta dos bestinhas/merdinhas descontentes com o resultado do pleito no dia anterior... e olha que já foram tantos fatos esdrúxulos de lá para cá, por exemplo, terrorismo, com a tentativa de detonar um caminhão-bomba no aeroporto de Brasília, semana passada...


Entretanto, vim para o blog com o objetivo de registar os presentes que ganhei de Natal e o que rascunhei hoje, após a leitura e cópia manuscrita de uma poema de Cecília Meireles - sempre ela!


Passamos o Natal em casa. Carro quebrado, esperando o conserto do motor... Caro! Paula tinha comprado jogos para os meninos e eles perguntaram se nós não ganharíamos presentes... Paula foi ao centro da cidade no sábado, 24 de dezembro e comprou os livros de Cecília para mim e uma camiseta do Mickey para ela.








Ontem, comecei a ler e fazer cópias manuscritas de alguns poemas, estrofes ou versos marcantes. Hoje, ao ler e copiar "Conveniência", tive mais um episódio de "desejo fazer assim um dia". Assim, transcrevo abaixo o poema e o que escrevi.


CONVENIÊNCIA

CONVÉM que o sonho tenha margens de nuvens rápidas
e os pássaros não se expliquem, e os velhos andem pelo sol,
e os amantes chorem, beijando-se, por algum infanticídio

Convém tudo isso, e muito mais, e muito mais…
E por esse motivo aqui vou, como os papéis abertos
que caem das janelas dos sobrados, tontamente…

Depois das ruas, e dos trens, e dos navios,
encontrarei casualmente a sala que afinal buscava,
e o meu retrato, na parede, olhará para os olhos que levo.

E encolherei meu corpo nalguma cama dura e fria.
(Os grilos da infância estarão cantando dentro da erva…)
E eu pensarei: «Que bom! nem é preciso respirar!…»

Cecilia Meireles, Viagem

"Sonhar é livre, é gratuito e, não necessariamente precisa ou irá se realizar, ainda que se gaste até o último tostão e se desperdice os anos de vida em busca dos sonhos.


Enquanto copiava e meditava sobre o poema acima, eu que sonhei por várias vezes realizar projetos que envolvam vida e obra de Cecília Meireles, um filme biográfico, por exemplo, as cenas seriam quase todas elas, inspiradas nos poemas e crônicas.


Li que Cecília faleceu às 15h00 do dia 09 de novembro de 1964, em seu quarto, no bairro Cosme Velho, Rio de Janeiro.


O filme poderia começar ou terminar com base nesse poema (Conveniência), boa parte das cenas aceleradas, até culminar em seu espírito chegando em sua casa, na sala com o retrato, ela deita e encolhe o corpo - "numa cama dura e fria" - e ouvimos os grilhos (ou grilos) cantando e a câmera se aproxima dos olhos de Cecília que estão fechados e num clímax, eles se abrem de repente, como se voltando a respirar... e o filme começa ou termina..."





Estendendo o rascunho acima, em outros momentos em que penso sobre o filme que narrará a história de vida de Cecília, a referência a alguns poemas serão obrigatórias, como "Retrato"... As viagens de Cecília ao exterior, todas elas... as muitas viagens a Ouro Preto, para escrever o "Romanceiro da Inconfidência". Cecília menina, a cena e situações narradas no poema "Desenho": "Fui morena e magrinha como qualquer polinésia,/ e comia mamão, e mirava a flor da goiaba". Vó Jacinta cantando e cosendo na sala e a menina Cecília a admirando profundamente... "E minha avó cantava e cosia. Cantava/ canções de mar e de arvoredo, em língua antiga./ E eu sempre acreditei que havia música em seus dedos/ e palavras de amor em minha roupa escritas".

Da infância, entre tantas outras preciosidades que imagino é a convivência com sua amiga Josefina e que falece, num texto em "Giroflê, Giroflá", com o título "Josefina", Cecília descreve o impacto da morte de Josefina: "Encontrei-a no mais belo jardim do mundo [...]. Era, porém, o mais belo jardim do mundo, porque Josefina passava por ali, e suas saias crepitavam nas folhas secas e seus dedos tão brancos aramavam raminhos com malvas, miosótis, amores-perfeitos, - raminhos de trazer ao peito, de colocar diante dos santos, de pousar as mãos dos mortos..."

Enfim... vou ali aprender como se escreve um roteiro de um longa-metragem...


E encerro este registro de fim de 2022, com ela, sempre ela, Cecília Meireles, com dois trechos da crônica "A quinhentos metros":


"A quinhentos metros, os vossos belos olhos desaparecem; e essa claridade do vosso rosto; e a fascinação da vossa palavra. É uma pena (eu também acho que é uma pena!) mas, a quinhentos metros tudo se torna muito reduzido: sois uma pequena figura sem pormenores; vossas amáveis singularidades fundem-se numa sombra neutra e vulgar. Ao longe, caminhais como qualquer pessoa - e até como certas aves: é o que resta de vós: esse ritmo, na imensa estrada que também se vai projetando, estreita e indistinta, sobre o horizonte.


[...]


A quinhentos metros, na verdade, há muita ausência, vamos acabando muito depressa. Pensai que, geralmente, neste mundo, há sempre cerca de quinhentos metros de uma pessoa para outra! Somos só desaparecimento. E apenas quando conseguimos ficar, também, a uns quinhentos metros de nós mesmos, encontramos algum sossego. Porque, então, é a vez dos nossos tormentos mudarem de proporções e aspecto. De serem vistos só de longe, sem pormenores, sem voz, sem ritmo: nem mês de maio, nem flores, nem arroio. Talvez a memória serenada. Talvez nem a memória… - É assim em quinhentos metros!"


MEIRELES, Cecília. A quinhentos metros. In: Quadrante. Rio de Janeiro: Editora do Autor, 1962, p. 34-36.


Entre mim e mim, um intervalo de quinhentos metros!


A bientôt

terça-feira, novembro 15, 2022

Que não sejam estas minhas últimas palavras

Por onde começar? São 21h23m do feriado de 15 de novembro de 2022, uma terça-feira. Estou na cama do quarto do kitnet, apartamento 24, na praça Hercílio Luz, no. 39, na cidade de Porto União-SC, grudada com União da Vitória-PR, onde trabalho, como professor temporário na Unespar. Contrato iniciou em 29 de abril de 2021, remotamente, por conta da pandemia do covid-19, e, desde maio desse ano, precisei me mudar, sozinho, para cá. Família - esposa e filhos, ficaram em Londrina.

Foram dias, semanas, meses difíceis, obviamente, porém, as palavras jamais poderão contemplar o que foi e está sendo toda essa vivência. Pois não é "só isso". É toda a vida e suas incontáveis e incalculáveis surpresas e obstáculos, que a maioria das pessoas dizem servir para crescimento e amadurecimento, porém, digo que servem apenas e exclusivamente para fazer sofrer!

Desde o último domingo, 13 de novembro, desinstalei Facebook e Instagram do meu celular. Minhas redes sociais, como a maioria das pessoas que as usam servem como contatos imediatos com o exterior e outras tantas possíveis distrações, divertimento com vídeos de estranhos, a incrível produção e criatividade dos memes, a vida no Brasil nesses tempos turbulentos, violência política e tudo que não consigo escrever...

Sozinho, longe da família, sem as redes sociais, distraindo-me agora somente com o Gatinho Tom - aplicativo de jogo e com a Duolingo, aplicativo de línguas/idiomas... justo hoje, esse último resolveu mudar o layout e eu detestei a mudança... Entretanto, como costumo dizer, mesmo sem querer adaptar-me-ei ao novo... como me adaptei a essa vida mais solitária, mesmo não gostando... Nós, simples mortais, temos um superpoder: é o da adaptação!

Fiz muitas, várias, diversas postagens nas redes sociais... O último texto que publiquei aqui, nesse blog querido, amado, porém "desprezado", foi em janeiro de 2022. "Desprezado" por mim e por leitores. Ninguém quer ler textos enormes, afinal, estamos na era dos vídeos curtos e engraçados e dos muitos divertidos memes.

Ah, outra coisa que tenho feito um pouco antes de abandonar as redes sociais e segui firme depois, foi maratonar a série "This is us"... eu tinha começado faz um tempo, inclusive, como sugestão de uma pessoa que, faz um tempo, detesto a lembrança de tê-la conhecido e os dias de convivência, infelizmente. Pois, essa pessoa e suas ações e palavras estão vinculadas a tudo que não acredito mais e que me faz muito mal saber que passei 20 anos da minha vida "preso" a crenças tão limitantes,  limitadoras, castradoras, enfim...

Essa série é uma tortura! Porém, não consigo me desvencilhar... Tenho outros amigos que dizem "amar" a série, que é perfeita, maravilhosa... Deve ser. Teria sido para mim, em outro momento da vida. Nós, humanos, que vivemos de relacionamentos, e temos que aprender a criá-los, alimentá-los, resolvê-los e saber perdê-los, pois assim é a vida e assim somos nós - this is us! Estou terminando a segunda temporada - e são seis! Meu senhor jesuuuuiiiiissssss da goiabeira, quanto sofrimento!

Espero que essas não sejam minhas últimas palavras, não porque desejo me matar, ou porque sinto que vou morrer amanhã ou logo... Porém, a imprevisibilidade da vida é esmagadora!

Paula perdeu uma tia na Bolívia hoje. É a terceira tia que morre desde que ela está no Brasil - mais o primo Jaime (acidente de ônibus). A segunda a ter uma morte trágica. Tia Maria foi a primeira, morreu atropelada. Tia Aleja foi a segunda, ficou doente, faleceu. Tia Alzira estava embriagada, sozinha, caiu da cama e se afogou com o sangue provocado pelas fraturas. Uma idosa. Estava sozinha em casa, ainda que tenha trazido ao mundo 11 filhos...

Minha sogra, dona Júlia, mais velha que tia Alzira, já vem uns meses doente, na cama, quase se foi mês passado. Paula acredita que a mãe não morre, com a esperança de poder revê-la e ver novamente os únicos netos: Lorenzo e Benjamin. Se viram pessoalmente última vez em agosto de 2019. Quando conheceu por primeira vez Benjamin.

Minha família e eu estamos mais distantes do que nunca - mãe, pai, irmãos. Não soubemos criar, alimentar, resolver os relacionamentos nos anos que vivemos juntos, muito menos agora morando longe. Não há quem culpar, pois os adultos não souberam ensinar às crianças, pois também não tiveram exemplos e, assim, seguimos.

Tia Alzira, que tragicamente perdeu a vida hoje, uma vida de sofrimentos e privações de todas as ordens, último domingo comprou "chicharron" (um prato tipicamente boliviano) e levou para a irmã, dona Julia, algo muito raro - pois foi uma senhora de pouquíssimas posses... Era uma despedida. Semana passada, tia Mêche, outra irmã, estava com dona Júlia e disse: muitos pássaros cantando, não tem água para dar a eles... alguém irá morrer... e dona Júlia externou: será que chegou a hora da minha partida?

Todos esses acontecimentos são muito recentes... e nem contei tudo o que se passou nesses últimos tempos. Vários dias com dor de cabeça. Dores na mandíbula, ATM ou bruxismo. Uma ansiedade do tamanho de um dragão. Passei para a segunda fase do concurso na Unespar, em Apucarana, vizinha de Londrina. Daqui a menos de duas semanas é a prova didática e de títulos.

Em junho, fiz outro concurso para a Unesp em Marília, minha cidade natal e não passei na primeira fase, por meio décimo (0,5). Preciso administrar tudo isso e um pouco mais, pois sempre é mais e mais e mais e muito mais.

Por exemplo, esse ano tivemos covid - e nos dias em que fiz a prova em Marília. Este ano, Benjamin recebeu o diagnóstico de síndrome de Hashimoto e, desde então está tomando "puran" todos os dias. Lorenzo recebeu o diagnóstico de asma e está fazendo uso de bombinhas, duas vezes ao dia... Esse ano, Lorenzo já torceu o pé, no treino de badminton e usou muletas por 8 dias. Esse ano, Benjamin e Paula foram para Macapá-AP (setembro) e em Novo Hamburgo-RS (outubro), em ambos lugares para participar de Feira de Ciência e Tecnologia, por conta do projeto "Todos contra o lixo: em defesa dos animais marinhos e silvestres".

Benjamin ganhou um concurso de desenho na TV e o prêmio foi um tablet; ele deu entrevista em dois programas de duas emissoras locais diferentes; reportagens no blog da prefeitura de Londrina e de outros canais nas redes sociais. Lorenzo participou de várias Olímpiadas Nacionais de diversas áreas do conhecimento e ganhou medalhas de ouro e prata.

A vida "e suas incontáveis e incalculáveis surpresas e obstáculos, que a maioria das pessoas dizem servir para crescimento e amadurecimento, porém, digo que servem apenas e exclusivamente para fazer sofrer!", escrevi lá no início... Eu não sou mais eu... Na verdade, eu não sou mais a ilusão que tinha criado de mim, da minha vida toda... esse processo de desintegração não cessa e está ficando cada vez mais difícil.

Até quando? E qual será o resultado desse processo intenso e dolorido? Estou esgotado...

Hoje, depois do banho, decidi ir até a praça aqui em frente - evento raríssimo! Levei "Flor de Poemas" comigo e abri ao acaso e li, por primeira vez "O Aeronauta" (Cecília Meireles). Neste livro, especificamente, não estão os poemas completos - é uma seleção de Darcy Damasceno. Assim, finalizo este texto sem pretensão alguma, reproduzindo a primeira estrofe do Poema 1, d'O Aeronauta que fiz questão de memorizar e espero sabê-lo "para sempre":


"Agora podeis tratar-me

como quiserdes:

não sou feliz nem sou triste,

humilde nem orgulhoso,

- não sou terrestre"


Como vedes, cara minha, sigo terrestre. Pesadamente terrestre!

segunda-feira, janeiro 03, 2022

AS CRIANÇAS E AS ARMAS

 A vida e suas contradições. A vida é contraditória por si só: existir é um contrassenso. É O PRÓPRIO CONTRASSENSO! Gostaria eu de escrever sempre, minhas impressões diárias sobre os acontecimentos pessoais, acerca dos acontecimentos e circunstâncias em geral. Entretanto, a manutenção da vida demanda tarefas e essas tarefas cansam, e então não sobra ânimo para escrever. Aliás, uma constatação e uma "verdade" que me persegue: a manutenção da vida é cara e cansativa!

Já fiz muito isso: escrever, escrever, escrever... - diários, rascunhos, folhas soltas, o blog, mesmo alguns trabalhos acadêmicos em que pude ser mais autor que meramente um seguidor de técnicas e burocracias academicistas - e quando releio o que escrevi naqueles tempos, também são contraditórios os sentimentos: "que bom que escrevi!", "que idiota que eu era por pensar assim!", "o importante é que você registrou", "mas agora você não está registrando que não pensa nem age mais assim...". Existir é confuso!

E digo mais: em tempos de redes sociais, o visual é mais atrativo: fotos, fotos, fotos... Os vídeos - curtos de preferência, fazem muito sucesso. Tiktokers! Se usar palavras, use poucas, pouquíssimas, do contrário, ninguém lerá os textos "enormes" que escreve. Minha esposa disse: "entretanto, se parar de escrever, estará colaborando com a extinção dos leitores de textos 'maiores'".

Cecília Meireles escreveu: "dizei-me com poucas palavras" e já escrevi um texto aqui no blog usando esse poema como referência - com muitas palavras - pois é sim, admirável o poder de síntese de alguns autores, escritores, poetas, todavia, não consigo escrever com poucas palavras. Toda essa introdução para escrever sobre o encontro com um texto de Umberto Eco e releituras de Cecília Meireles acerca dos temas: guerra, paz, desarmamento e, claro que todas essas questões envolvem outras maiores e mais filosóficas.

Ler Umberto Eco é um grande desafio para mim. "O cemitério de praga", que ganhei de presente no Natal de 2018 da Paula foi o primeiro romance dele que li. Eu já tinha na minha prateleira o livro "A estranha chama da Rainha Loana", comprado em 2008 e que li no início da pandemia (abril de 2020, para ser mais exato). Pois bem, em dezembro último, no sebo, comprei mais dois livros dele: "O pêndulo de Foucault" e "Diário Mínimo".

"Diário Mínimo" é a reunião de textos que o autor escreveu para jornais e reuniu no livro, pelo que entendi. Como eu disse, um desafio ler Umberto Eco, um erudito. Entretanto, com um tanto de esforço, acredito até que chego perto de uma compreensão de alguns desses textos e como é impressionante a repetição a que está fadada a humanidade. "Repetição" no sentido de que os "problemas", "alertas", "questionamentos" levantados e abordados por Eco na década de 1960, passadas mais seis décadas, quase nada mudou: somos previsíveis, repetitivos, imbecis.



A constatação dessa "anomalia" humana por essas mentes brilhantes e, lida por pessoas curiosas e questionadoras como eu é um misto de revolta com passividade. Uma passividade entreguista: não adianta ser revolucionário, a idiotice irá prevalecer de novo e novamente e outra vez na face desta terra. O Brasil que elegeu uma aberração em 2018 é uma prova evidente de como a imbecilidade está impregnada nas mais diversas áreas. Como foi e é danosa, perniciosa, mortífera a "babaquice" levada ao extremo. Não se administra um país "brincando" de ser presidente. Enfim, não vou desviar o foco para questões políticas...

Quero me deter num dos textos do Umberto - não li o livro todo ainda, intitulado "Carta ao meu filho", escrito em 1964. O impressionante desse texto é que chegou até mim logo depois de trechos escritos por Cecília, versando sobre o mesmo tema, os quais eu já tinha tido contato em anos anteriores. Gostaria de poder reproduzir o texto completo do Eco para aqueles que estão me lendo agora pudessem contribuir com o debate. Vou tentar digitalizar as páginas...

O texto começa assim:

"Querido Stefano,

aproxima-se o Natal e as lojas do centro logo estarão lotadas de pais excitadíssimos que representarão a comédia da generosidade anual - aqueles pais que com alegria hipócrita aguardaram o momento em que poderão comprar para si próprios, contrabandeando-os para os filhos, seus trenzinhos preferidos, os teatrinhos de fantoches, os tiros ao alvo com flechas e os pingues-pongues domésticos"

Segue o autor dizendo que ainda não chegou a sua vez, pois Stefano ainda é pequeno, entretanto, mais quatros anos:

"E então, Stefano... Então te darei espingardas. De dois canos. De repetição. Fuzis-metralhadoras. Canhões. Bazucas. Sabres. Exércitos de soldadinhos em formação de combate. Castelos com pontes levadiças. Fortins a assediar. Casamatas, paióis, couraçados, reatores. Metralhadoras, punhais, revólveres."

E Eco segue com uma lista de objetos e artifícios bélicos que nunca ouvi falar. É óbvio que há uma explicação do próprio autor para presentear o filho Stefano e mais, incentivá-lo a brincar com armas e guerra. Antes, porém, quero ir ao outro texto, a crônica "Natal" de Cecília, escrita em 23 de dezembro de 1931, no Diário de Notícias.


"Nestes três dias a população carioca - assim como a de uma boa parte do mundo - vai agitar-se pelas lojas de brinquedos à procura de mimos para os sapatinhos das crianças. Não quero entrar em considerações sobre as conveniências e inconveniências com que se costuma cerca o Natal das crianças. Mas gostaria de intervir seriamente na escolha dos brinquedos, chamando a atenção dos adultos para o abuso que se costuma fazer de apetrechos militares como presente de boas festas e estímulo das mais graves tendências infantis."

A autora continua: "Na noite de Natal, as mãezinhas põem nos sapatinhos dos filhos espingardas e baionetas, quepes e tambores, cornetas e soldadinhos de chumbo... Fazem-no inocentemente, pensando que dão felicidade às crianças. Ensinar a brincar com armas é a mais dolorosa ocupação a que se podem entregar as mães".

A crônica vai terminando e tem uma frase em especial que é para mim impressionante: "Se fosse possível não ensinar a matar, - uma vez que para morrer todos nascemos já ensinados...".

Viram a que contradição cheguei com a leitura de Eco? Que me levou a reler esta crônica e outras de Cecília. Em "Crônicas de Educação", especialmente no volume 4, no décimo quarto núcleo temático: "Paz, desarmamento e não-violência" têm 31 crônicas. Reli 15. Faltam 16.



Vou reproduzir aqui o último parágrafo do texto de Umberto Eco, que é uma síntese de seu pensamento sobre as crianças brincarem de guerra, usando as armas de brinquedos, todavia, como eu escrevi anteriormente, é um texto que vale ser lido na íntegra, pois há tantas outras referências e argumentos preciosos:

"Portanto, querido Stefano, eu te presentearei fuzis. E te ensinarei a brincar de guerras muito complexas, nas quais a verdade nunca esteja de um só lado, nas quais, conforme o caso, seja preciso organizar dias 8 de setembro. Irás desafogar-te, nos teus anos jovens, confundirás um pouco tuas ideias, mas lentamente te nascerão convicções. Depois, adulto, acreditarás que foi tudo uma fábula, chapeuzinho vermelho, cinderela, os fuzis, os canhões, o homem contra o homem, a bruxa contra os sete anões, os exércitos contra os exércitos. Mas, se por acaso, quando fores grande, ainda te surgirem as monstruosas figuras dos teus sonhos infantis, as bruxas, os duendes, as armas, as bombas, os recrutamentos obrigatórios, talvez já tenhas adquirido uma consciência crítica em relação às fábulas e aprendido a mover-te criticamente dentro da realidade" (p. 115)

Na crônica "Desarmamento", Cecília escreve:

"Suprimir as armas é difícil. Mas, ainda quando fosse fácil, não seria bastante. As armas são apenas o instrumento inventado para o serviço de um intuito. É o intuito, portanto, que se precisa suprimir. É o espírito que se precisa desarmar, antes da mão. Por isso mesmo, todos os educadores se têm voltado para a escola e para a criança com a mais firme esperança de começarem por aí a obra de pacifismo universal" (p. 238).

Vou repetir: "É o espírito que se precisa desarmar, antes da mão"! E, para mim, o texto de Eco, faz sentido e não é contraditório com o movimento pela paz. Enquanto existir pessoas com espíritos beligerantes e com acesso às armas, as guerras não cessarão e sofrerão terrivelmente os espíritos pacíficos e pacifistas.

Eu ficarei imensamente feliz se o meu texto produzir em você, leitora e leitor, algum aprendizado, provocar outras questões e puder compartilhar comigo.