O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

domingo, outubro 26, 2025

"UM RIO CORRE DENTRO DO MEU SONHO" - A IDENTIFICAÇÃO DO LEITOR COM O ESCRITOR/LEITOR

 O privilégio de ler um autor contemporâneo que escreve sobre memórias da sua infância, sobre familiares, sua relação com a palavra, a ligação com o objeto livro. Autor brasileiro, nascido na década de 1980, altamente sensível. Todas estas características me levaram a uma identificação com a persona apresentada pelo escritor/leitor Paulo Roberto Farias.

Capa do livro

No seu terceiro livro "Um rio corre dentro do meu sonho" (2024), pela Editora Caos & Letras, com crônicas sem títulos - o que lembra um diário, ainda que não tenha datas, as crônicas versam sobre o fascínio do autor pela Palavra e suas infinitas possibilidades de expressão, seja pela leitura, pela escritura, pela atuação como ator de teatro. Lembranças da infância/adolescência de um menino com medo do mundo, a timidez, enfrentando os obstáculos para tornar-se quem desejava/deseja ser.

O "rio" do título é uma mescla de vários rios da hidrografia da região que os familiares do Paulo viveram, onde ele nasceu, onde passou a infância. Rios que correm, transportam vida, mas também destruição. Em várias passagens, o autor comenta sobre enchentes históricas e a mais recente de 2024, que devastou aquela região do Rio Grande do Sul.


Rio Taquari-RS

Minha identificação com as crônicas do Paulo passa pela relação com a Palavra, com o objeto livro, com o interesse pela história dos seus ascendentes - de onde vieram, como foram suas vidas naqueles tempos, tudo o que tiveram que passar para chegar até o pai e a mãe, com a união de seus materiais biológicos, nos formaram.

Fiquei encantado com a biblioteca do velho alemão; idoso que os tios cuidavam e, portanto, moravam na casa deste homem. Biblioteca que o menino Paulo era fascinado e a descrição que faz dela e dos livros muito antigos trazidos do velho continente, em língua estrangeira criaram o desejo de conhecê-la. Cheguei a pensar: poderia ter exemplares raros, mas se perderam, pois são raras as pessoas que se interessam pela história da escrita, do livro, dos percalços e percursos que a humanidade enfrentou e traços para chegar até nós, a herança da palavra escrita e registrada, atravessando todo tipo de intempéries.

O que pode uma alma sedenta por palavras, por histórias, contra um mundo que passa e segue como um trator? Com toda a transformação da Natureza e de como tudo o que os homens constroem ficam à mercê dessas transformações: construções de cidades, barragens, plantações, desmatamentos, assoreamentos, toda a mudança climática que vemos diante de nossos olhos e nos atravessam material e imaterialmente.

Amei cada página lida, pois, além do poder da literatura e da leitura já conhecidos, há o privilégio de ler literatura feita de histórias e sonhos e desejos de alguém que vive e respira o mesmo tempo cronológico que eu. Cito especialmente a crônica da página 85 que começa assim: "Eu sou dois. Desde pequeno. Um é medroso, o outro é exibido". Interessante! Interessantíssimo!

Eu fui só o medroso. Uma criança extremamente tímida, timidez mórbida que me acompanhou até meus 19 anos de idade. De lá para cá, venho num movimento de transformação. Passei pela fase de enfrentar o público, mesmo com medo. Na graduação com os diversos seminários, na pós-graduação, como professor. E vamos pegando o jeito, a ponto de entrar numa nova sala de aula com 20 e 30 jovens e não ter mais medo, apenas aquela expectativa gostosa "com que diversidade serei presenteado agora?". O mesmo para várias palestras e formações de professores que ministrei...

Depois da pandemia e agora na minha fase mais pessimista, uma pessoa que não acredita em quase nada, tenho preferido o silêncio, a reclusão, quase um retorno ao menino do quarto que fui, porém, naquela época, eu não tinha escolha, ou não tinha recursos e vivências para ser diferente. Hoje, eu prefiro ser o "menino do quarto".

Eu quero uma casa no campo, como a da canção! "[...] eu quero o silêncio das línguas cansadas", "uma casa do tamanho ideal, pau a pique e sapê, onde possa plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais".

É provável que um rio corra perto desta casinha e eu ouça suas águas passando, enquanto eu esteja no deleite com um livro...

quinta-feira, julho 10, 2025

'DE DENTRO DA ESCURIDÃO PODE-SE ESCOLHER O MUNDO EM QUE SE QUER VIVER", PAULO ROBERTO FARIAS

 Preciso pontuar aqui no início que não sou crítico literário - e não o gostaria de ser. Eu escrevi isso ao Paulo Roberto Farias, ao finalizar a leitura que fiz do primeiro livro dele "As tessituras da noite" (Editora Multifoco, Rio de Janeiro, 2013). Ontem - 09 de julho, iniciei a leitura do segundo livro do Paulo, "Deixa eu te falar da noite" (Caos & Letras, 2021) e hoje finalizei a saga de Marla, personagem-narradora. Assim, o que escrevo, é antes de tudo como registro de leitor, para um futuro reler este texto e me lembrar do livro, da história e das sensações causadas pela leitura.

Tinha separado um livro que está há um tempo na minha estante: "Arquipélago Gulag", de Alexandre Soljenítsin, para iniciar neste recesso de trabalho de poucos dias. Então brinquei com Paulo, quando o livro chegou: "Eu ia começar a ler um russo, mas vou ficar com o gaúcho!".

Capa do Livro "Deixa eu te falar da noite"

Marla, personagem fictícia que Paulo tão bem criou, por meio do seu fluxo de pensamento,  apresenta-nos sua rotina de funcionária numa lavanderia em Porto Alegre. O desejo de passar no vestibular para o curso de Letras em universidade pública, suas pouquíssimas amizades, seu estilo de vida simples e personalidade, lembrou-me, de algum modo, a personagem principal de "A hora da estrela", de Clarice Lispector, a Macabéa. Ainda, fiz algumas associações com Amélie Poulain, sempre tão preocupada com as demandas alheias e nunca com suas próprias.

E, infelizmente, reconheço esta inocência e credulidade no André do passado, criança, jovem, mesmo adulto, acreditando no melhor das pessoas, acreditando na evolução da humanidade. Por várias circunstâncias, externas e internas, fui parar na escuridão do título, que é uma das frases que Marla sonha e tem necessidade de anotar, mas essa frase especificamente ela diz não anotar, mas não entende seu significado. Muita luz cega! E vêm a minha mente agora, uma citação que Camus faz de um de seus autores favoritos:

"[...] não te deixes filiar. Tatear sozinho no escuro não é fácil. Mas é um mal menor. [...] avançar sempre, no meio de todos, no mesmo caminho pelo qual, na noite da espécie, multidões de homens, há séculos, caminham hesitantes em direção a um futuro inconcebível". ("A inteligência e o cadafalso", Albert Camus, Record, 4. ed., 2018, p. 103).

No recorte de tempo-espaço narrado na história, Marla tem apenas 26 aninhos e, como todo ser humano como ela, que pensa demais "o que os outros irão pensar de mim?", de um modo ou de outro, se aprende que não importa o que os outros pensam a seu respeito, desde que aja com verdade para si, sem ferir propositalmente os demais.

Meu primeiro emprego foi aos 16 anos - e meio, como office-boy, num escritório de cobranças, no centro da minha cidade natal - Marília-SP. Estranho! Escrever office-boy e pensar que não existe mais essa profissão. Bem, afinal sou do século passado. Tinha duas horas de almoço e levava marmita. Comia rápido para poder ir à biblioteca municipal, três, quatro quadras distante do escritório e lá passava o restante do meu horário de almoço. Li muitos livros lá mesmo, sem nunca fazer cadastro da biblioteca, li vários livros de Agatha Christie.

Nessa época eu fazia um cursinho de Inglês e Espanhol, lembro de ter encontrado um livro em Espanhol e tentei a leitura "La cueva de ladrones" - faço uma procura agora no Google, mas não encontro o autor... e Marla tem sua rotina literária, toda terça-feira ir à biblioteca pública emprestar os livros e ter companhia durante a semana e aprender com as histórias. Eu gostaria que Paulo, o autor, pudesse ter nomeado alguns desses empréstimos de Marla.

Fiquei satisfeito com o final da história, apesar de ter imaginado mil outros desfechos! O que me impressionou muito, quase perto do final, foi a reflexão de Marla sobre a morte de uma das seis samambaias que tinha em sua varanda da quitinete da avenida Osvaldo Aranha, em Porto Alegre, aquelas com grandes coqueiros (eu nunca estive em Porto Alegre, aliás, o mais longe que fui ao Sul do Brasil foi Florianópolis-SC).

Avenida Osvaldo Aranha Bom Fim, em Porto Alegre-RS

Marla compra uma nova samambaia e a coloca na varanda. Basicamente, a filosofia de vida de uma samambaia que é a nossa vida humana, os jovenzinhos ("assim novinha e toda bem verde"), cheios de gás e ideologias pelas quais lutar e seguir:

"É tão bonita uma samambaia assim novinha e toda bem verde que as outras parece que ficam até mais apagadinhas perto dela. Só que eu não me engano e por isso não coloquei ela num lugar de destaque só porque é mais bonita que as outras. Coloquei ela bem misturada junto com as outras pra ela ir logo aprendendo que a vida não é sempre assim toda verde e bonita, e que ela só vai sobreviver aqui junto com as outras quando perder um pouco desse brilho de plástico que ela tem. Aqui na varanda não vai ser como lá na floricultura que tinha ambiente climatizado, aqui ela vai ter que passar o dia inteiro junto com as outras, e aprender que não é melhor que elas só por ser mais bonita, e às vezes vai pegar sol nela, e um dia eu posso até me esquecer de molhar ela. E se ela quiser mesmo continuar vivendo vai ter que aprender tudo isso logo, no meio das outras samambaias da minha varanda. Claro que eu não vou me esquecer de molhar ela todos os dias, nem de tirar ela da varanda se estiver pegando sol, e até vou colocar adubo se ela estiver mais fraquinha, mas ela não precisa saber de nada disso. Ela tem que aprender a viver como se eu não estivesse sempre aqui pra cuidar dela." (FARIAS, 2021, p. 173).

A questão é que, como seres humanos, temos que aprender logo e bem aprendido, que não temos ninguém para cuidar da gente. Somos samambaias solitárias e, para finalizar, lembro de um aforisma famoso de Clarice Lispector sobre dar amor e receber amor:

"Ninguém estará perdido se der amor e às vezes receber amor em troca".

Fico feliz que Marla soube dar amor e encontrou alguém que faz as pernas dela tremerem.




terça-feira, junho 24, 2025

O DIA EM QUE CONHECI OS VERSOS DE NICANOR PARRA



Eu perguntei não sei quantas vezes
Mas ninguém responde minhas perguntas.
É absolutamente necessário
Que o abismo responda de uma vez
Pois o tempo está ficando curto.

Nicanor Parra


Foi domingo, 22 de junho de 2025. Vi estes versos no story (Instagram) da querida poeta mineira, Adriane Garcia.

A partir daí, foi um mergulho por alguns poemas de Nicanor Parra. Li o que tinha disponível sobre sua biografia. O mais assombroso, mesmo não sabendo quando escreveu estes versos - “pois o tempo está ficando curto”, pensar que foi escrito por um homem que viveu 103 anos. Nicanor Parra (05/09/1914 - 23/01/2018), matemático e poeta chileno.

Logo depois escrevi no Direct para Adriane:

Querida Adriane,

Eu não conhecia nada de Nicanor Parra. Após ler estes versos e mandar uma reação "oooohhhh - boca aberta", fiz associação com alguns versos de Cecília Meireles e escrevi o que está abaixo, antes de escrever esta introdução...

Não sem antes pesquisar sobre Nicanor Parra e estou aqui, estupefato! Agradecido por você ter jogado a isca, por ter riscado esta faísca... Já li uns 10 poemas, em textos que homenageiam Nicanor...

Muito obrigado!

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[o que escrevi antes da introdução acima]:

Minha referência é Cecília Meireles, sabe disso, não é? Meu mundo é dividido em a. C. M e d. C. M, e, claro que depois de Cecília Meireles, venho todos esses anos tentando absorver, incorporar as palavras dela.

E não é algo como uma "paixonite" ou uma "celebrização" da pessoa, da figura pública. É uma conexão inexplicável, mediada pelas palavras, temas, rimas, essência de vida e filosofia de vida, da existência terrena e do Desconhecido...

O poema de Cecília em que está o verso – “Vão-se as minhas perguntas aos depósitos do nada”, que fiz analogia com estes de Nicanor Parra, é o que segue:


quinta-feira, abril 24, 2025

ONDE ESTÃO?

Amigos de infância. Tive!

Onde estão?


Amigos de escola. Alguns!

Onde estão?


Amigos do trabalho. Raros!

Onde estão?


Amigos de vida. Existem?

Onde estão?


Amigos de tela. On/Off.

Mais de mil e contando.


André Coneglian

25/04/2025

sábado, abril 19, 2025

HOMICÍDIO CATÁRTICO

 

Matei o deus que morava em minha ilusão

Habitar o mundo aguardando o Paraiso,

A vida eterna no céu, é droga fácil e útil (?)

 

Habitar o mundo incrédulo é pesado

Todavia, é um caminho sem volta.

Aprende-se a viver com o Oco.

 

Esperar o colapso desta engrenagem

bioquimicapsicofisiologica que

carrega minha existência.

 

E, enfim, o que fiz, acreditei, desacreditei,

falei, escrevi, espalhei ao vento

não terá importância alguma.

 

André Coneglian

17/04/2025

ALMA SOLTA


 

domingo, abril 06, 2025

A CAPACIDADE DE TENTAR COMPREENDER

O verbo tentar faz diferença na sentença-título, pois eu não entendo tudo, aliás, não entendo quase nada, na vida somos todos doutores em ignorância (não a ignorância burra, pejorativa). Na vida, mais ignoramos do que sabemos. E, no pouco que vou sabendo, tento compreender, especialmente as injustiças e contradições deste mundo. Mas, sempre será uma compreensão precária, pois faltarão muitas peças, diversas variáveis para uma análise completa.

Perdi a capacidade de acreditar. Não acredito em deus ou deuses e seus livros sagrados. Acredito menos nas pessoas, talvez haja um resquício insistente de esperança nas crianças.

Porém, é sabido que o mundo as engole. Elas tentam ser diferentes, questionam. Todavia, o mundo, o sistema, a máquina não permite e qualquer tentativa de evolução/revolução é cortada, tolhida, esmagada…

Nossa existência biológica só é possível graças à evolução, aos genes do pai e da mãe, aquela conta maluca de 4 avós, 8 bisavós, 16 tataravós, etc…

Entretanto, existir como humano consciente da finitude e o nonsense de tudo é extremamente solitário. Há possibilidades de aproximações com vivos, aproximações com mortos que registraram suas próprias tentativas de compreensão de existir. Tudo ilusão, passatempo, preenchimento das horas, desculpas para seguir.

Amigos, tive alguns. Do colégio sobraram poucos, alguns eu sigo nas redes sociais. De trabalhos anteriores, outros poucos e ainda nos encontramos. As redes sociais enganam, iludem com a ideia de “amizade”... mas eu compreendo. Está tudo mundo perdido. Tudo é tão caótico. A manutenção da vida é cara e cansativa. Não sobra tempo para as neuroses alheias (a não ser o profissional que recebe para nós fazer ouvir nossas neuroses com nossas vozes).

A constatação, nua e crua, é que somos e seremos até a última alma vivente, vazios e sozinhos… mas eu entendo! Por minha vez, que trabalho 10 horas por dia, de segunda a sexta, responsável por uma família, busco seguir a cartilha, é necessário! 

As poucas horas de “descanso” - pois a mente não descansa nunca, têm sido com vídeos idiotas (reels), memes, mensagens inspiradoras ou de revolta em inglês, espanhol, italiano… assistir filmes, séries, ler Cecília Meireles, às vezes, escrever, como agora…

E, me vem à mente (pois ela é carrasca) neste exato momento, aquele poema de Mário Quintana:


SEISCENTOS E SESSENTA E SEIS

A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.

Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…

Quando se vê, já é 6ª-feira…

Quando se vê, passaram 60 anos!

Agora, é tarde demais para ser reprovado…

E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,

eu nem olhava o relógio

seguia sempre em frente…


E iria jogando pelo caminho a c

asca dourada e inútil das horas.

terça-feira, abril 01, 2025

CAMINHANDO E FILOSOFANDO

Às 18h30, fui buscar pão no mercado aqui próximo de casa, ainda que seja apenas duas quadras, é uma caminhada que permite muitos pensamentos. E, pelo horário, o trânsito estava um caos; atravessar a Avenida Higienópolis é demorado e perigoso.

Na caminhada de hoje, lembrei de um trecho da série Sense8 – a única série que me permito rever e rever os episódios, trecho do qual fiz uma postagem em 15 de maio de 2023 (Instagram/Facebook), cujo print mostro abaixo:

 



Segue sendo assustador imaginar que este tipo de homem continua circulando entre nós. Veja bem, não há nenhum mal em ser “simples” e guiar-se por uma filosofia de vida que se resume a “comer, beber, cagar, foder… e lutar por mais”. O problema é forçar as pessoas de sua convivência a engolir este tipo de filosofia, na maior parte do tempo de jeito truculento e intimidador.

Lembrei da canção “Casa no campo”, cantada por Elis Regina, associando com uma imagem de uma publicação do Instagram, de tantas imagens estáticas e em movimento que entupi minhas vistas (cansadas) no dia de hoje:


Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar do tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais

Eu quero carneiros e cabras
Pastando solenes no meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas

Eu quero a esperança de óculos
E meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal

Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapê

Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros, e nada mais
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos, meus livros e nada mais
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros, e nada mais

 

Desde que conheci esta música, eu sempre quis esta casa no campo. Entretanto, como frequentei algumas casas no campo desde a infância, sabia que o trabalho no campo é árduo, cuidar de plantações e animais. Talvez uma “simples” chácara, como a que fomos convidados para conhecer e passar umas horinhas na piscina (ou na beira da piscina, como eu fiquei, sendo devorado por borrachudos).

Apesar disso, foi uma tarde muito interessante, se eu contar que a chácara é de um casal de médicos, com uma filha única pré-adolescente, pomar com várias árvores diferentes – jaqueira, mangueira, jabuticabeira, pitangueira, etc... e flores, e uma “casa de boneca” de madeira enorme e, dentro da casa principal um quarto dedicado ao hobby do homem – aeromodelismo.

É uma realidade ainda distante de nós (minha família e eu), enfrentando o cotidiano para pagar aluguel, alimentação e umas poucas regalias (internet, lanche de vez em quando, etc).

Quero deixar claro que, na minha caminhada atrás dos dez pães e 1 litro de leite, eu pensei no trecho da série Sense8 e também num filme que amo “Peixe Grande e suas histórias maravilhosas”, apresentado pelo amigo Gilson Cardoso à nossa equipe da época no Núcleo de Atendimento Psicopedagógico, da Secretaria Municipal de Educação de Marília-SP.

“Peixe Grande e suas histórias maravilhosas” tem um enredo lindo, encantador, todo ele. Todavia, há um trecho-chave, cujo acontecimento na história faz todo enredo possível. Se você pretende assistir ao filme – o que recomendo fortemente, o spoiler que darei logo mais não estraga a experiência.

O personagem principal, quando adolescente junto com outros dois amigos, descobrem como irão morrer, cada um de um modo e épocas diferentes. E, desde então, esta questão me atormenta: como seria se eu soubesse o modo e quando irei morrer, viveria os dias até lá de modo melhor e mais intenso? É possível tantas elucubrações acerca de viver sem saber o dia e enredo da própria morte... Então como gastar todos estes dias?

Neste momento em que me organizei para registrar os pensamentos e os questionamentos, obviamente, outras ideias e associações foram surgindo e, simplesmente fui adicionando, como a letra de “Casa no Campo” e a breve descrição da visita à chácara do casal de médicos.

Basicamente, pensamentos e questionamentos sobre o nonsense que é estar vivo e consciente sobre a existência, ou seja, nada novo debaixo do sol escaldante, da promessa chuva, de terremotos catastróficos em terras longínquas, com pouquíssimas almas dispostas a sentarem e escutarem nossas neuroses...

E você que me lê, vivo, provavelmente (e eu, terei partido?), a vida é simples? Comer, beber, cagar, foder e lutar por mais? Ou mais do que o funcionamento fisiológico de um animal mamífero?