O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

quarta-feira, julho 22, 2020

Sobre uma pequena reportagem que me apresentou uma nova (para mim) perspectiva do Tempo

Londrina 22 de julho de 2020.

Nesta data, 22/07/2020, está tudo fora do lugar. Mudamos para esta casa em 14/12/2019, depois ficamos 15 dias em outra cidade. Quando retornamos, recebemos a visita da Marcela, minha cunhada, da Bolívia por primeira vez no Brasil. Depois, trouxemos uma nova moradora para casa, a Lupita; iniciou o ano letivo de 2020, Lorenzo, com nove anos de idade, no 6o. Ano do Colégio Militar, conquistou o primeiro lugar no processo seletivo.

Benjamin, com 5 anos, lendo e escrevendo, tivemos que nos conformar com o resultado do processo que abrimos via Conselho Municipal da Educação de Londrina, solicitando que a matrícula dele fosse no 1o. Ano do Ensino Fundamental. Pedido indeferido e, portanto, matriculado no P5, na Educação Infantil. Agora, com as aulas remotas, está lendo essa letra de imprensa, minúscula.

Um mês e meio depois, chegou a pandemia do novo coronavírus no Brasil e, desde então, 15/03/2020, estamos em isolamento social e mais de 80 mil pessoas morreram, vítimas do covid-19.

Ainda há caixas fechadas da mudança, meus papéis, meus tesouros do passado, agendas, desenhos. Projeto novos não se concretizaram: abrir e movimentar o Instituto Sawubona, oferecer cursos Básico e Avançado de Língua Brasileira de Sinais, Técnicas de Interpretação Português/Libras, outros cursos de formação na área da Superdotação; foi suspenso o lançamento do livro “Cartas do Menino do Quarto para o mundo”, programado para ser no Correio Central de Londrina. Enfim, está tudo fora do lugar!

Escrever, como faço agora, primeiro com papel e caneta, é um exercício terapêutico para mim, contribui para me trazer ao eixo - se é que existe esse eixo. De qualquer modo, escrever me dá a ilusão de colocar alguns dos mil pensamentos por minuto, no lugar ou em algum lugar.

Fui incentivado a vir ao papel e escrever após ler uma reportagem - que não é a reportagem do título ainda - no Facebook, sobre o filósofo Alan Watts, com o título: “O filósofo Alan Watts: por que a educação moderna é uma farsa” (link abaixo nas referências), basicamente, o que mais me chamou atenção no texto foi a questão do tempo (estamos nos aproximando do tema central que me impeliu escrever hoje), estamos sempre, os adultos dizendo às crianças para se prepararem para o futuro, e como fomos todos crianças, foram isso que disseram para nós, que nos fez interiorizar esse aspecto do tempo: o agora não é para ser vivido, serve como preparação para o futuro e quando chegamos num certo “lá”, o sentimento continua sendo de “falta”.

Toda essa introdução para dizer a que vim: escrever sobre o meu contato com uma pequena reportagem anos atrás que versa sobre o tempo, e desde então, essa “nova” percepção do tempo, nova para mim, óbvio - habita em mim, mas é uma moradora passiva, está ali, não entrou em conflito com o habitante mais velho: a noção mais ocidental do tempo, o tempo para o homem branco e europeu, que replica como “normal” para nós do continente americano também, a noção capitalista do tempo: “Time is money”. Foi incrível, até espetacular, ser apresentado a esse modo de habitar o mundo.

Acredito que se você, leitora, leitor, chegou até aqui, é porque consegui atiçar sua curiosidade sobre o que realmente se trata esse texto. Quem foi meu aluno de Libras, especialmente da disciplina de Libras - graduação e especialização - posso ter falado sobre o tema.

O título da reportagem é: “O tempo segundo os aimarás”, da Revista Viver Mente Cérebro, edição de outubro de 2006, p. 18 - a qual eu disponibilizarei aqui digitalizada, mas, basicamente é o seguinte: “para povo tradicional dos Andes, o futuro está atrás e o passado à frente”, aspecto demonstrado em alguns vocábulos da língua Aymara, bem como nos gestos associados à fala, ou seja, ao se referir ao futuro, mãos e braços se movem para trás e sobre o passado, as mãos e braços gesticulam para a frente.


Obviamente que, depois desta pequena reportagem fui buscar mais dados e informações. Foi igualmente impressionante os artigos que encontrei - lá se vão 13 anos. A relação que passei a fazer desse dado com um tópico da gramática da Língua Brasileira de Sinais, diz respeito ao modo como os surdos “conjugam verbos” na Libras, entre aspas mesmo, pois não há conjugação do verbo em Libras, não há como no Português e na maioria das línguas de origem no Latim: há um radical, uma raiz do verbo e as desinências que indicam pessoa (singular e plural) e o tempo (passado, presente, futuro), sinteticamente.

Claro que esta explanação simples se refere somente aos verbos regulares - e não aos misteriosos verbos irregulares. Exemplo: COMER, cuja raiz/radical “COM”, a desinência do infinitivo “-ER”. “COM-O, COM-ES, COM-E, COM-EMOS, COM-EIS, COM-EM”, as desinências do verbo conjugado no presente do indicativo, nas três pessoas do singular e nas três pessoas do plural.

No tema “Tempo e Espaço na Língua Brasileira de Sinais” que ensino na disciplina há mais de uma década, relaciono o tempo (passado, presente, futuro) com o espaço existente entre o corpo que sinaliza e a direção e o tamanho que o sinal realiza para indicar: PASSADO, ANTEONTEM, ONTEM, HOJE, AGORA, AMANHÃ, DEPOIS DE AMANHÃ, FUTURO. Assim, o verbo estará associado a esses e outros sinais de tempo, que dirá se é passado, presente (geralmente sem marcação com outro sinal) e futuro. Exemplo: “ONTEM EU COMER UMA MAÇÔ, “AMANHà EU COMER DUAS MAÇÃS” (sinais são escritos em caixa alta). Em Português: “Ontem, comi uma maçã”, Amanhã, eu comerei duas maçãs”. O verbo “COMER” em Libras foi sinalizado do mesmo modo. A ideia de passado e futuro está posta nos sinais de “ONTEM” e “AMANHÔ.


Introduzo aqui uma receita simples de pão de ló. Guardem a receita para o final: Ingredientes: 4 ovos, 2 copos (americano) de farinha de trigo, 2 copos (americano) de açúcar, 1 copo (americano) de leite quente, 1 colher (sopa) de fermento. Modo de Preparo: Bata as claras em neve e acrescente o açúcar. Depois, acrescente as gemas e misture tudo muito bem. Coloque a farinha de trigo e, em seguida, o fermento. Por último, acrescente o leite quente. Coloque em uma forma untada e enfarinhada, depois leve para assar ao forno 180 °C por 30 a 40 minutos, aproximadamente (link da receita nas referências).

A “lógica” presente no esquema acima - que utilizo na aula, está dentro da “lógica” de 90% das línguas e culturas no mundo, também nos gestos: para frente futuro, para trás passado. Repare quando conversa com alguém, especialmente, os mais idosos. Destarte, é muito precioso os outros 10%, em que a lógica é reversa. Ao ler mais sobre esse modo de habitar o mundo, lembro-me de ser invadido por um sentimento de paz.

Havia exemplos da seguinte natureza, que narro com minhas palavras e interpretação: uma mulher aymara precisa viajar até o próximo povoado, 100 Km distante de onde mora, ela acordará bem cedo, colocará seu aguayo e irá para a estrada aguardar algum transporte, sentará e aguardará pacientemente, contemplando o passado - que está à sua frente. Chegará o transporte, percorrerá todo trajeto, fará as compras de mantimentos de que necessita, voltará para casa, na mesma velocidade em que foi e seguirá sua vida, fazendo o que precisa para aquele momento, sem a pressão do “tempo é dinheiro”, “quanto mais rápido melhor”; a lógica dos Aymaras está diametralmente distante da lógica da maioria da dita “civilização branca”, longe de ser a correta e verdadeira.

Guardo comigo - a essência dele aqui dentro - e anotado em algum lugar “ipsis litteris”, onde provavelmente recorri para copiar e colar aqui, um trecho de uma crônica de Cecília Meireles (sempre ela!) em que a cronista descreve a questão do progresso humano, especialmente, nas sociedades ditas “modernas”:

“O homem tendo que atender a tantas coisas que inventou, secretamente pergunta a si mesmo se valeria a pena tê-las inventado, para assim limitar sua liberdade, para assim ter de ficar como um operário vigilante junto a engrenagens que, ao menor descuido, o sacrificarão – sentindo, no entanto, que a vida verdadeira não é aquela posição atenta do dever, exaustivo, monótono, mesquinho, mas uma participação nesse sentimento total do universo, nessa gravitação geral em que os acontecimento libertam seus ritmos na plenitude de seu poder de realização”. (MEIRELES, 2001).

Um dos trechos que me chamou a atenção, agora voltando a Alan Watts, na reportagem lida hoje: “Se a felicidade sempre depende de algo esperado no futuro, estamos perseguindo um fogo-fátuo que jamais alcançaremos, até o futuro, e nós mesmos desapareceremos no abismo da morte”.

Tudo está fora do lugar e continua assim. Devo aprender que esse movimento de desintegração (positiva, espero) pelo qual passo de modo mais acelerado nos últimos três anos, é, primeiro: real, segundo: necessário - no meu caso, irreversível, terceiro: estabilizará (também espero). Todavia, preciso vivê-lo, não apenas iludir-me com as máximas: “Vai passar! Vai melhorar”, pois, é hoje que estou assim, não devo ignorar o hoje, pensando no “vir a ser”.

Espero, e como espero, poder reverter a lógica de tempo que em mim foi incutida desde que nasci. Chega de “tempo é dinheiro”, chega de me preparar para o que virá, enquanto o hoje é tudo o que tenho. Posso contemplar o passado também, não somente o meu, mas da humanidade, aprender e refletir sobre pessoas, fatos e eventos para não repetir erros.

Se você, leitora e leitor fiéis, chegaram até aqui, retorno à receita do pão de ló, no meio do texto. É uma pegadinha. Uma amiga querida confessou que na faculdade, cansada das exigências dos professores e longos trabalhos, incluiu uma receita de pão de ló no meio do texto. O professor entregou o trabalho com a nota e não fez nenhuma referência à receita: “Não leu!”, concluiu minha amiga. “Deu nota pela quantidade de páginas que escrevi”.

Chegou até aqui? Muitíssimo obrigado. Espero que todas essas informações possam colaborar para algo, especialmente, se possibilitar a você também pensar numa nova perspectiva do tempo. Não fiz uma apologia de apreciação zen do passado, ter uma vida contemplativa, sem planos para o futuro. O segredo deve ser a busca do equilíbrio. Não preciso estar em constante movimento, correndo, agitado, fazendo e acontecendo; o isolamento social tem ensinado isso, forçosamente para muitos!

Eu escreveria muito mais, porém, termino aqui.

Sayonará!

Referências:


“Equilíbrio”, crônica de Cecília Meireles

Receita Bolo Pão de Ló

sexta-feira, julho 03, 2020

INOCÊNCIA PERDIDA



Desde pequeno fui criatura quieta. Observador. Crédulo. Acreditava nas pessoas e no que as pessoas contavam. Acreditava num mundo melhor. Acreditava – que loucura – que eu mesmo poderia ajudar a melhorar o mundo!

Nessa época era uma crença pueril, mística, literária. Segui crédulo e inocente por muitos anos, mesmo depois dos 18 anos. Minha amiga e o namorado foram morar juntos, família e ela estavam em atrito todo o tempo.

Na minha cabeça “morar com o namorado” era somente morar com o namorado. Por isso, o “menino” crédulo e inocente, assustou com a notícia de que a amiga estava grávida. “Ah, então, eles fazem sexo...”

Claro que eu sabia que as pessoas fazem sexo, mas, minha amiga tinha ido morar com o namorado por outro motivo. Eu deveria ter vergonha de confessar isso? Não, não tenho. Revela a minha completa inocência ridícula...

Cresci. Amadureci. Demorou? Tudo no tempo que tinha que ser. Igreja. Universidade. Vida de adulto. Onde foi parar aquele menino crédulo e inocente? Está calejado!

E a crença num mundo melhor? Não creio mais nessa balela. Busco aprender como lidar com a realidade de que o mundo é este e ponto! Não posso mudar o mundo, nem ajudar a muda-lo. O máximo que posso fazer é mudar a mim mesmo.

Mudar para ser melhor para as pessoas que amo, pois não posso agradar a todos.

Passados esses 39 anos de existência, ao contemplar pessoas sem ambição nenhuma – não falo de ambição por dinheiro, riqueza, fama. Aquela em que a pessoa se conformou em ser o que é, o que sempre foi, estar onde está e aceitar: “Meu avô foi pedreiro, meu pai foi pedreiro, eu sou pedreiro. Sou porteiro há 20 anos e vou me aposentar como porteiro”.

Não é desvalorização ou menosprezo pelas profissões de pedreiro e de porteiro. Estou falando do fato das pessoas que se conformaram em exercer este ou aquele papel por toda vida.

Também não estou criticando a atitude da pessoa escolher essa “estabilidade” para sua vida. Eu, particularmente, não posso me conformar com essa estabilidade! Uma vida inteira do mesmo, outra vez, novamente e de novo...

Uma professora que trabalhou comigo disse quando voltávamos da festa da formatura da turma de Pedagogia em que fomos homenageados: “Tenho saudades da pessoa que eu era”. Ela quis dizer que tinha saudade do tempo em que acreditava mais em si, nas pessoas, em uma possível missão no mundo.

“Como eu te entendo!”, porém, minha saudade não é aquela “ah, como eu queria sentir aquilo de novo”, não, não quero. Hoje, é apenas uma constatação: “não sou mais aquele crédulo e inocente”.

A inquietação é que não descobri o que fazer com tudo isso ainda. A casca antiga está apertada, comprimindo, sufocando. Crescer e amadurecer, de verdade, é uma jornada constante e dolorida. Para os que estão paralisados na consciente ou inconsciente “tranquila estabilidade” a casca sempre servirá.

André Coneglian
03 julho 2020