Londrina
22 de julho de 2020.
Nesta
data, 22/07/2020, está tudo fora do lugar. Mudamos para esta casa em
14/12/2019, depois ficamos 15 dias em outra cidade. Quando retornamos,
recebemos a visita da Marcela, minha cunhada, da Bolívia por primeira vez no
Brasil. Depois, trouxemos uma nova moradora para casa, a Lupita; iniciou o ano
letivo de 2020, Lorenzo, com nove anos de idade, no 6o. Ano do Colégio Militar,
conquistou o primeiro lugar no processo seletivo.
Benjamin,
com 5 anos, lendo e escrevendo, tivemos que nos conformar com o resultado do
processo que abrimos via Conselho Municipal da Educação de Londrina,
solicitando que a matrícula dele fosse no 1o. Ano do Ensino Fundamental. Pedido
indeferido e, portanto, matriculado no P5, na Educação Infantil. Agora, com as
aulas remotas, está lendo essa letra de imprensa, minúscula.
Um
mês e meio depois, chegou a pandemia do novo coronavírus no Brasil e, desde
então, 15/03/2020, estamos em isolamento social e mais de 80 mil pessoas
morreram, vítimas do covid-19.
Ainda
há caixas fechadas da mudança, meus papéis, meus tesouros do passado, agendas,
desenhos. Projeto novos não se concretizaram: abrir e movimentar o Instituto
Sawubona, oferecer cursos Básico e Avançado de Língua Brasileira de Sinais,
Técnicas de Interpretação Português/Libras, outros cursos de formação na área
da Superdotação; foi suspenso o lançamento do livro “Cartas do Menino do Quarto
para o mundo”, programado para ser no Correio Central de Londrina. Enfim, está
tudo fora do lugar!
Escrever,
como faço agora, primeiro com papel e caneta, é um exercício terapêutico para
mim, contribui para me trazer ao eixo - se é que existe esse eixo. De qualquer
modo, escrever me dá a ilusão de colocar alguns dos mil pensamentos por minuto,
no lugar ou em algum lugar.
Fui
incentivado a vir ao papel e escrever após ler uma reportagem - que não é a
reportagem do título ainda - no Facebook, sobre o filósofo Alan Watts, com o
título: “O filósofo Alan Watts: por que a educação moderna é uma farsa” (link
abaixo nas referências), basicamente, o que mais me chamou atenção no texto foi
a questão do tempo (estamos nos aproximando do tema central que me impeliu
escrever hoje), estamos sempre, os adultos dizendo às crianças para se
prepararem para o futuro, e como fomos todos crianças, foram isso que disseram
para nós, que nos fez interiorizar esse aspecto do tempo: o agora não é para
ser vivido, serve como preparação para o futuro e quando chegamos num certo
“lá”, o sentimento continua sendo de “falta”.
Toda
essa introdução para dizer a que vim: escrever sobre o meu contato com uma
pequena reportagem anos atrás que versa sobre o tempo, e desde então, essa
“nova” percepção do tempo, nova para mim, óbvio - habita em mim, mas é uma
moradora passiva, está ali, não entrou em conflito com o habitante mais velho:
a noção mais ocidental do tempo, o tempo para o homem branco e europeu, que
replica como “normal” para nós do continente americano também, a noção
capitalista do tempo: “Time is money”.
Foi incrível, até espetacular, ser apresentado a esse modo de habitar o mundo.
Acredito
que se você, leitora, leitor, chegou até aqui, é porque consegui atiçar sua
curiosidade sobre o que realmente se trata esse texto. Quem foi meu aluno de
Libras, especialmente da disciplina de Libras - graduação e especialização -
posso ter falado sobre o tema.
O
título da reportagem é: “O tempo segundo os aimarás”, da Revista Viver Mente Cérebro,
edição de outubro de 2006, p. 18 - a qual eu disponibilizarei aqui
digitalizada, mas, basicamente é o seguinte: “para povo tradicional dos Andes,
o futuro está atrás e o passado à frente”, aspecto demonstrado em alguns
vocábulos da língua Aymara, bem como nos gestos associados à fala, ou seja, ao
se referir ao futuro, mãos e braços se movem para trás e sobre o passado, as
mãos e braços gesticulam para a frente.
Obviamente
que, depois desta pequena reportagem fui buscar mais dados e informações. Foi
igualmente impressionante os artigos que encontrei - lá se vão 13 anos. A
relação que passei a fazer desse dado com um tópico da gramática da Língua Brasileira
de Sinais, diz respeito ao modo como os surdos “conjugam verbos” na Libras,
entre aspas mesmo, pois não há conjugação do verbo em Libras, não há como no
Português e na maioria das línguas de origem no Latim: há um radical, uma raiz
do verbo e as desinências que indicam pessoa (singular e plural) e o tempo
(passado, presente, futuro), sinteticamente.
Claro
que esta explanação simples se refere somente aos verbos regulares - e não aos
misteriosos verbos irregulares. Exemplo: COMER, cuja raiz/radical “COM”, a
desinência do infinitivo “-ER”. “COM-O, COM-ES, COM-E, COM-EMOS, COM-EIS, COM-EM”,
as desinências do verbo conjugado no presente do indicativo, nas três pessoas
do singular e nas três pessoas do plural.
No
tema “Tempo e Espaço na Língua Brasileira de Sinais” que ensino na disciplina
há mais de uma década, relaciono o tempo (passado, presente, futuro) com o
espaço existente entre o corpo que sinaliza e a direção e o tamanho que o sinal
realiza para indicar: PASSADO, ANTEONTEM, ONTEM, HOJE, AGORA, AMANHÃ, DEPOIS DE
AMANHÃ, FUTURO. Assim, o verbo estará associado a esses e outros sinais de
tempo, que dirá se é passado, presente (geralmente sem marcação com outro
sinal) e futuro. Exemplo: “ONTEM EU COMER UMA MAÇÔ, “AMANHà EU COMER DUAS
MAÇÃS” (sinais são escritos em caixa alta). Em Português: “Ontem, comi uma
maçã”, Amanhã, eu comerei duas maçãs”. O verbo “COMER” em Libras foi sinalizado
do mesmo modo. A ideia de passado e futuro está posta nos sinais de “ONTEM” e
“AMANHÔ.
Introduzo
aqui uma receita simples de pão de ló. Guardem a receita para o final:
Ingredientes: 4 ovos, 2 copos (americano) de farinha de trigo, 2 copos
(americano) de açúcar, 1 copo (americano) de leite quente, 1 colher (sopa) de
fermento. Modo de Preparo: Bata as claras em neve e acrescente o açúcar.
Depois, acrescente as gemas e misture tudo muito bem. Coloque a farinha de
trigo e, em seguida, o fermento. Por último, acrescente o leite quente. Coloque
em uma forma untada e enfarinhada, depois leve para assar ao forno 180 °C por
30 a 40 minutos, aproximadamente (link da receita nas referências).
A
“lógica” presente no esquema acima - que utilizo na aula, está dentro da
“lógica” de 90% das línguas e culturas no mundo, também nos gestos: para frente
futuro, para trás passado. Repare quando conversa com alguém, especialmente, os
mais idosos. Destarte, é muito precioso os outros 10%, em que a lógica é
reversa. Ao ler mais sobre esse modo de habitar o mundo, lembro-me de ser
invadido por um sentimento de paz.
Havia
exemplos da seguinte natureza, que narro com minhas palavras e interpretação:
uma mulher aymara precisa viajar até
o próximo povoado, 100 Km distante de onde mora, ela acordará bem cedo,
colocará seu aguayo e irá para a
estrada aguardar algum transporte, sentará e aguardará pacientemente,
contemplando o passado - que está à sua frente. Chegará o transporte,
percorrerá todo trajeto, fará as compras de mantimentos de que necessita,
voltará para casa, na mesma velocidade em que foi e seguirá sua vida, fazendo o
que precisa para aquele momento, sem a pressão do “tempo é dinheiro”, “quanto
mais rápido melhor”; a lógica dos Aymaras está diametralmente distante da
lógica da maioria da dita “civilização branca”, longe de ser a correta e
verdadeira.
Guardo
comigo - a essência dele aqui dentro - e anotado em algum lugar “ipsis litteris”, onde provavelmente
recorri para copiar e colar aqui, um trecho de uma crônica de Cecília Meireles
(sempre ela!) em que a cronista descreve a questão do progresso humano,
especialmente, nas sociedades ditas “modernas”:
“O
homem tendo que atender a tantas coisas que inventou, secretamente pergunta a
si mesmo se valeria a pena tê-las inventado, para assim limitar sua liberdade,
para assim ter de ficar como um operário vigilante junto a engrenagens que, ao
menor descuido, o sacrificarão – sentindo, no entanto, que a vida verdadeira
não é aquela posição atenta do dever, exaustivo, monótono, mesquinho, mas uma
participação nesse sentimento total do universo, nessa gravitação geral em que
os acontecimento libertam seus ritmos na plenitude de seu poder de realização”.
(MEIRELES, 2001).
Um
dos trechos que me chamou a atenção, agora voltando a Alan Watts, na reportagem
lida hoje: “Se a felicidade sempre depende de algo esperado no futuro, estamos
perseguindo um fogo-fátuo que jamais alcançaremos, até o futuro, e nós mesmos
desapareceremos no abismo da morte”.
Tudo
está fora do lugar e continua assim. Devo aprender que esse movimento de
desintegração (positiva, espero) pelo qual passo de modo mais acelerado nos
últimos três anos, é, primeiro: real, segundo: necessário - no meu caso,
irreversível, terceiro: estabilizará (também espero). Todavia, preciso vivê-lo,
não apenas iludir-me com as máximas: “Vai passar! Vai melhorar”, pois, é hoje
que estou assim, não devo ignorar o hoje, pensando no “vir a ser”.
Espero,
e como espero, poder reverter a lógica de tempo que em mim foi incutida desde
que nasci. Chega de “tempo é dinheiro”, chega de me preparar para o que virá,
enquanto o hoje é tudo o que tenho. Posso contemplar o passado também, não
somente o meu, mas da humanidade, aprender e refletir sobre pessoas, fatos e
eventos para não repetir erros.
Se
você, leitora e leitor fiéis, chegaram até aqui, retorno à receita do pão de
ló, no meio do texto. É uma pegadinha. Uma amiga querida confessou que na
faculdade, cansada das exigências dos professores e longos trabalhos, incluiu
uma receita de pão de ló no meio do texto. O professor entregou o trabalho com
a nota e não fez nenhuma referência à receita: “Não leu!”, concluiu minha amiga.
“Deu nota pela quantidade de páginas que escrevi”.
Chegou
até aqui? Muitíssimo obrigado. Espero que todas essas informações possam
colaborar para algo, especialmente, se possibilitar a você também pensar numa
nova perspectiva do tempo. Não fiz uma apologia de apreciação zen do passado,
ter uma vida contemplativa, sem planos para o futuro. O segredo deve ser a
busca do equilíbrio. Não preciso estar em constante movimento, correndo,
agitado, fazendo e acontecendo; o isolamento social tem ensinado isso,
forçosamente para muitos!
Eu
escreveria muito mais, porém, termino aqui.
Sayonará!
Referências:
“Equilíbrio”,
crônica de Cecília Meireles
Receita Bolo Pão de Ló