Quando Shakespeare escreveu a tão conhecida frase “To be or not to be”, dita por Hamlet, para nós falantes da Língua Portuguesa é inconcebível que um único verbo abarque o ser e o estar. É tão óbvio e oposto um estado do outro, um permanente (ser) e outro temporário (estar). Mas a questão que quero suscitar aqui não é tão filosófica quanto esta; apenas para situar o verbo “ser” do título acima. E ele não tem nada haver com o verbo “estar”, não poderia ser aleatória ou automaticamente traduzido para o Inglês como “About to be sad”.
Ainda é necessário situar de que tristeza escrevo; sem sombras de dúvidas não é essa tristeza popularmente conhecida, negada, mal-vista, indesejada por todos. Não é! Também não é a tristeza que o apóstolo Paulo descreveu em sua 2ª Carta aos Coríntios (7:10): “Porque a tristeza segundo Deus produz arrependimento para a salvação, que a ninguém traz pesar; mas a tristeza do mundo produz morte” – se já ultrapassei este nível de tristeza ou ainda não atingi... depende do ponto de vista.
Numa leitura agradável encontrei:
“Sábio é receber a tristeza, permitir-se ficar triste, mas junto buscar compreender o que o deixa assim. Elaborar a tristeza é diferente de nega-la (alienando-se). Sentir-se triste não é deixar de ser feliz [...] É fundamental desenvolver o contato com a tristeza, refletindo sobre o que ela diz. É impossível passar com serenidade de uma tristeza a uma alegria sem uma profunda reflexão sobre o motivo de estar-se triste”[1].
Já situei a questão do ser e estar. O título diz respeito a minha condição pessoal. Reconhecer-me e confessar-me triste não é um pecado, uma derrota, um fracasso para mim, mesmo porque ser triste não significa que não possa ser alegre. Como reconheceu e escreveu Cecília Meireles sobre a morte e a solidão, que a todos os mortais apavora, enquanto a ela, foram combustíveis para belíssimas e fecundas obras. Não que ela tenha cultivado ou buscado a ambas, morte e solidão. Nossas vidas são (estão?) aquilo que fizemos (e fazemos) com os fatos que preenchem o primeiro fato de todos, que é estar vivo.
Meu pai relembra nostalgicamente de um dia quando ele, minha mãe e minha avó paterna riam sobre algo; eu, bebê, senti'ndo prazer naquele som – as gargalhadas dos adultos, sorria – um espasmo facial infantil e depois gritava bem alto, na tentativa de imitar som tão agradável... Os adultos passaram a rir das tentativas do bebê em imitá-los, que por sua vez, insistia, por serem insistentes as gargalhadas dos mais velhos e os gritos aumentavam em força e intensidade. Sempre foi hilariante para mim, remontar no imaginário esta cena...
Devo ter cansado muito nesta tentativa temprana e pueril. Sorrir, gargalhar, levar os outros a se contagiarem com minhas risadas não foi (e não é) a minha aptidão, decididamente! Melancólico?! Talvez seja... e não tem nenhuma ligação direta com o gosto por Cecília Meireles, mais que melancólica, é sagaz e inteligente; um realismo cheio de lirismo e poesia inundam suas obras.
Tem haver com o crescimento, com a maturidade, que tem haver com a perda da inocência, que as pessoas são boas e más, quase sempre más, não porque queiram, mas porque assim é que garantem a sobrevivência em meio a tamanha selvageria que é um ciclo vicioso... Tem haver com o conhecimento: “o muito estudar é enfado da carne” (Eclesiastes 12:12b); seria menos triste o homem que ficou no mundo da caverna, que não atingiu, não conheceu a luz, sobre o qual escreveu Platão? Quanto mais pensamos ter galgado degraus no conhecimento, mais aumentamos a angústia e o tormento interno, não devia ter sabido isto, não devia ter descoberto aquilo... é o pago do homem adâmico por ter a pretensão de querer conhecer o bem e o mal.
Segundo a percepção e pensamento de uma grande amiga, devia ser muito feliz um sujeito surdo, analfabeto, sem os dentes e que sorria a todos e de tudo, pensava ela com seus botões e um dia compartilhou comigo. Parece tão sensata a ignorância, aquela de viver na superfície da existência, não aprofundar nos sub-mundos, bastidores, segredos, valores e mecanismos que regem a vida. Entendam que não culpo nem procuro culpados por ser triste... muito menos quero parecer auto-comiserado. Não escrevo sobre ser triste desejando ser feliz, também não quero ser fatalista. É apenas uma saudável constatação como apontou Alex Rocha.
O Pregador aconselhou: “Melhor é ir à casa onde há luto do que ir à casa onde há banquete, pois naquela se vê o fim de todos os homens; e os vivos que o tomem em consideração” (Eclesiastes 7:2).
[1] Alex Rocha, psicólogo, citado por Esther Carrenho, no livro “Raiva: seu bem, seu mal”. São Paulo: Editora Vida, p. 34.
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