[Escrito no Facebook em 10 de agosto de 2020]
Celebrar sim, porém, com engajamento, posicionamento, esclarecimento e reflexão.
Há vários conceitos e pesquisas sobre Altas Habilidades/Superdotação (AHSD). Pesquisadores debatem, divergem, convergem sobre questões que envolvem a área.
Todavia, grande parte fica no estritamente teórico. Claro que é importante outros falarem e defenderem a área não sendo superdotados.
Muitos se engajam na área por serem pais e mães, viveram/vivem diariamente as agruras de ter um sujeito superdotado em casa sob sua responsabilidade. Bem como profissionais que vestem a camisa da superdotação, pois exercem empatia e alteridade.
Entretanto, é importante que o próprio sujeito fale por si, não como representante exclusivo da área, pois, ao falar sobre sua idiossincrasia como sujeito com AHSD, fala de um perfil, que pode refletir um ou outro aspecto da diversidade e pluralidade dos perfis de outros sujeitos superdotados.
Somos muitos e diferentes! Há os "nerds", há os líderes (quando não encontram ambientes favoráveis, o crime oferecerá "ótimas" oportunidades), há aqueles que não vão bem na escola, pois esta é rígida, tradicional, e há muitos outros perfis.
Já fui extremamente otimista em relação ao mundo, a possibilidade de mudar o "status quo" por meio da coletividade, cooperativismo, a formação para o envolvimento social.
O meu otimismo se mudou para algum lugar da Oceania, bem distante de mim.
Somos uma família de superdotados, não uma família com superdotados. Os quatro superdotados. Tudo começou com o Lorenzo (2015), depois eu (2018), Paula (2019) e, recentemente Benjamin (2020).
Lorenzo, AHSD acadêmico-intelectual, como a minha superdotação. Paula, AHSD produtivo-criativa e no Esporte. Benjamin tem AHSD mista: acadêmico-intelectual e produtivo-criativa.
Não há glamour na superdotação, principalmente num mundo repleto de idiotas, no qual Ciência, Conhecimento e Estudo são ridicularizados e menosprezados.
Reina a ignorância e os ignorantes estão no poder; os superdotados sofrem, em sua grande maioria, pois o mundo despreza seus apelos: liberdade, justiça, ambiente favorável ao aprendizado, sem bullying, espaços, recursos materiais e humanos para exercer a criatividade, consumir e produzir conhecimento.
É muito triste pensar que muitos humanos que estavam à frente do seu tempo, por defenderem ideias diferentes, sofreram graves consequências, pagando com a própria vida, o que hoje sabe-se ser real.
O Sol não gira em torno Terra, mas é a Terra que orbita em torno do Sol. O médico que entendeu a importância da higienização das mãos, foi enganado por um colega que o internou num manicômio e morreu uma semana depois. Martin Luther King foi assassinado por lutar pelos direitos civis dos negros americanos. Mandela ficou preso por 27 anos por defender a igualdade entre negros e brancos e a lista é enorme.
Numa palestra em 2017, sobre criatividade, o questionamento da pesquisadora foi: o que faz uma sociedade valorizar e pagar melhor o Engenheiro Civil e não o pedreiro? As respostas são óbvias, podem pensar: o engenheiro estudou e merece ganhar mais por projetar prédios seguros. Mas, e o construtor? É uma questão cultural, para dizer o mínimo, mas poderíamos levantar muitos outros pontos.
Passei a vida escolar idolatrando a escola e meus professores. No processo de formação como professor, a ira, a indignação cresceram dentro de mim, senti-me enganado, traído, menosprezado, subestimado. Em sua grande maioria, os agentes educacionais foram rasos, medíocres; cumpriram mecânica e burocraticamente o ofício de ensinar, mediar e promover o conhecimento.
Como eu disse acima, esse é uma parte da minha percepção do mundo como sujeito superdotado, 37 anos sem saber que a minha estranheza tinha esse nome.
A percepção da Paula, menina boliviana, crescendo com suas dificuldades em Oruro são bem diferentes das minhas.
Assim como as percepções de mundo dos sujeitos cm AHSD identificados em idade escolar, que frequentaram/frequentam o Atendimento Educacional Especializado... ainda assim não estão livres dos desencontros e desajustes com o mundo.
Feliz Dia dos Superdotados? Felicidade? Não há felicidade em observar e absolver o mundo num ritmo diferente, num nível elevado de sensibilidade, pensamentos constantes, análises mil, outras tantas conjecturas e planos, dos quais 99% não acontecem, ou acontecem de modo inadequado por conta do desentendimento e ignorância do ambiente familiar, escolar, social...
Não há mesmo muito o que celebrar. Há muito pelo que lutar, há muito para conquistar. Os sistemas educacionais brasileiros têm muito, muito mesmo para melhorar, modificar, evoluir.
A formação de professores precisa mudar. A valorização salarial, a gestão dos recursos educacionais precisam ser mais adequadas e eficientes.
Enfim, parece que o otimismo me manda mensagens lá da Oceania, às vezes, chegam, com rasuras, incompletas, outras vezes não chegam. Zero. Silêncio (do otimismo). Resta o barulho e a confusão da realidade!