Por André Luís Onório Coneglian: aquele que viajou até lá!
Data da viagem: 18/06/2007 a 21/06/2007
Introdução
Creio que nada é mais emocionante que viajar, conhecer lugares e pessoas, viver situações novas e inusitadas. Depois de viajar para alguns lugares e algumas vezes posso afirmar que adoro viajar. Sempre adorei histórias, as narrativas com cenários, pessoas e as ações, sejam histórias contadas por outros, sejam elas lidas em livros[1]. Mas, oportuna felicidade é poder contar as histórias vividas nas andanças particulares. A última realizada nesta semana foi inspiradora, repleta de fatos e circunstâncias, impossível não registrar. Por isso este relato!
As três partes, Uma viagem frustrante, Uma viagem chocante e Uma viagem emocionante são as somatórias dos fatos e circunstâncias, e é óbvio, das pessoas envolvidas, inclusive deste que vos escreve, ora como observador, ora como participante e ora como mero narrador - dos meus pensamentos e percepções de algumas experiências.
Espero que o registro destes dias fantásticos fique para a posteridade; 13 horas para chegar, 13 horas para voltar e apenas um dia e meio na Ilha de Santa Catarina – Florianópolis. Também é uma forma de homenagear e agradecer a todos os envolvidos, de uma forma ou de outra, que tornaram possível a realização desta viagem, cujo motivo primordial e principal foi a coleta de dados para a minha pesquisa, que resultará na minha dissertação de mestrado.
Apenas para melhor informar o contexto desta viagem: sou aluno regular do Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação, UNESP-Marília, sob orientação da Professora Dra. Helen Castro da Silva Casarin, na linha de pesquisa “Organização da Informação”; meu tema é a “Caracterização do comportamento informacional de pós-graduandos surdos”, os quais se concentram grande parte no Grupo de Estudos Surdos – GES, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).
Assim, as partes não estão divididas em ordem cronológica, mas sim agrupadas nas categorias frustrante, chocante e emocionante, devido às características dos fatos e percepções sobre os mesmos. Vamos às três partes, então. Boa leitura e boa viagem!
Uma viagem frustrante
Iniciar a primeira parte com a frustração é estratégico. Poderia ser a segunda, mas não a última. Devemos aprender a lidar com as frustrações que a vida vai nos apresentando... Algumas pessoas lidam muito bem com elas, outras nem tanto. Creio que a educação que meus pais me proporcionaram me permitiu aprender com as frustrações vividas ao longo desses 26 anos de idade – sei que pareço um velho escrevendo desta maneira, mas sei ser criança quando quero e quando é conveniente. O problema é que muitas pessoas agem como crianças a vida toda e são essas que não sabem de forma alguma lidar com as frustrações.
A maior frustração foi não passar mais dias na cidade de Florianópolis; conseqüentemente, esta frustração gerou as demais, como: não conhecer os lugares turísticos da Ilha como o centro histórico, o Mercado Municipal. Muito menos ir à praia!
Imaginem: o ônibus circular que me levou até a UFSC, passou pela avenida Beira Mar – sabe por que a avenida tem esse nome? Por isso mesmo, ela beira o mar... uma visão incrível: avenida larga, pistas que vão, pistas que vem, carros, ônibus, pontos de ônibus, semáforos, pessoas, calçadão e ele: o mar, imenso, lindo, o céu azul e eu dentro do ônibus – boquiaberto, feliz momentaneamente, vendo tudo aquilo pela primeira vez, mas sabendo que não desfrutaria de nada...
Não tirei nenhuma foto sequer do mar, o que é pior!
Com relação ao principal objetivo da minha ida até Florianópolis, as frustrações foram mínimas e compensadas por outros fatos e circunstâncias, mas apenas para constar: não conhecer todos os integrantes surdos do GES, (doença, viagem a trabalho, viagem pessoal e outros). A filmadora, emprestada de última hora, funcionou no quarto da pensão, mas na hora não! Sinais vistos foram congelados pela câmera fotográfica, pouquíssimos! Sem contar que alguns setores da UFSC entraram em greve um dia antes da minha chegada, como as bibliotecas, as quais eu precisava ter visitado.
Frustração por ter que ir embora, justo quando estava aprendendo a me encontrar pela UFSC, gigante que é; conhecer aos bairros adjacentes e a dinâmica dos itinerários dos ônibus. Frustração por deixar pessoas incríveis, recém conhecidas, em seus afazeres e atividades cotidianas.
A frustração existiu, mas não é o que permanece. “Em tudo, dai graças!” escreveu o apóstolo Paulo ao tessalonicenses (I Ts 5: 18a).
Uma viagem chocante
Como eu gostaria que esta parte não precisasse ser escrita! Mas, infelizmente, os fatos existiram e foram marcantes. Aproveitarei para dar o itinerário que fiz nesta viagem. Segunda-feira, dia 18/06, às 22h00 peguei o ônibus da Princesa do Norte com destino a Curitiba-PR, foram 8 horas de viagem.
Às 6 horas da manhã estava de volta à rodoferroviária de Curitiba, lugar que havia conhecido e também marcante numas das minhas andanças. Em 2003, eu, Alexandre Bellamoli, Andréia Perez, Débora Correia e a Fernanda Antiqueira fomos para o IV Congresso Internacional de Surdos e Intérpretes do Keiraihaguiai. Na época, fomos e chegamos nestes mesmos horários (22h00 – 6h00). Hora após hora de espera pelas vans que nos levariam até o Keiraihaguiai, identificamos mãos se comunicando por todo lado da rodoviária.
Após os dias de congresso, Andréia, Alexandre e Fernanda foram embora no domingo, às 20h00. Eu e Débora decidimos ficar para o culto no domingo à noite, para tanto dormimos na casa do Cilas e sua esposa; o traumático foi a Débora descobrir logo quando chegamos à casa deles que sua carteira havia sido roubada. Na segunda-feira de manhã arrumamos nossas coisas, voltamos à igreja para procurar pela carteira, mas sem sucesso. Quase perdemos o ônibus do meio-dia, foi uma correria!
Voltando ao ano de 2007, comprei a passagem para Florianópolis-SC (Viação Catarinense), ônibus executivo, às 7h00, completando a viagem de Curitiba-PR a Florianópolis-SC em quatro horas. Aproveitei e comprei a passagem de volta para Marília para o dia 21/06, o mesmo horário que eu e Débora voltamos, 12h00.
O ônibus Viação Catarinense executivo só pára em Joinville-SC, exatamente duas horas depois da partida. Eis que começa o drama. Pessoas desceram, pessoas subiram. Exatamente meia-hora depois que partiu da rodoviária de Joinville, a mulher que estava a minha frente gritou: “Ele está passando mal!”. Eu não acreditei, logo veio em minha memória o episódio do ônibus circular em Marília no qual a mulher passou mal e fomos todos parar no hospital (http://quartovirtualdomenino.spaces.live.com/).
Mas estávamos na rodovia! Algumas pessoas levantaram para acudir; chamaram o senhor; não reagia! Colocaram ele no corredor do ônibus, estava completamente roxo! Todos os meus pêlos se arrepiaram só de lembrar da cena!! Havia dois policiais no ônibus, um começou a fazer massagem cardíaca e respiração boca-a-boca. Uma moça à esquerda e a que estava do lado dele buscavam sinal de vida nos pulsos e o bombeiro encostava os dedos em seu pescoço.
A esta altura o motorista já estava avisado e parou alguns minutos depois no posto da polícia rodoviária de Barra Velha-SC. O outro policial continuou a massagem cardíaca enquanto os bombeiros não chegavam. Horrível!!! Era praticamente evidente que o senhor já estava morto. Olharam o documento: Antônio, era o seu nome, não devia ter 60 anos. Colocaram ele na maca, foi uma dificuldade tirar do ônibus. Continuaram a fazer massagem cardíaca, eu via tudo pela janela.
Mas, o ônibus partiu! Com um passageiro a menos. Provavelmente teve um ataque cardíaco fulminante. A moça disse que sentiu uma cotovelada dele, mas pensou que estava dormindo, mas ele fez um barulho – que eu ouvi, assim que ela percebeu que estava agonizando.
A viagem prosseguiu, finalmente, chegamos ao destino. Ilha de Santa Catarina, Florianópolis. Terminal Rodoviário Rita Maria. Descemos, pegamos nossas malas, ainda na porta de desembarque eu e a moça (a que estava ao lado do senhor Antônio) trocamos olhares, aqueles que levantam as sobrancelhas e as extremidades dos lábios vão para baixo... e seguimos nossos caminhos.
Perguntava a mim mesmo: quem está livre de um fato como este? Tão distante de casa eu estava... Senhor Antônio, morreu no dia 19 de junho de 2007 a bordo do ônibus Viação Catarinense, entre as 9h00 e 10h00 da manhã, não completou o destino da sua viagem entre Joinville e Florianópolis. Um jovem paulista estreante no Estado de Santa Catarina foi um dos espectadores deste fato lamentável!
Uma viagem emocionante
Terceira, última e melhor parte! Querem saber se atingi o objetivo da viagem, relacionado à minha pesquisa? Sim, grande parte do objetivo foi alcançado. O restante será alcançado de outras formas, mantendo contato via e-mail, por exemplo.
A viagem foi emocionante por vários aspectos: primeiro, a ansiedade quase me consumiu dias antes de embarcar para lá. As pessoas próximas a mim que falem por mim – mejor, que Paula hable por mi! –, emocionante viajar para um lugar desconhecido e ter que ir descobrindo os modos particulares de funcionamento desses lugares. Ainda que haja certa constância de funcionamento, cada lugar possui sua característica peculiar.
Estar dentro do ônibus e descobrir que a estrada acompanha o mar, é emocionante pensar que naquele exato momento estava acompanhando uma pequena fração do contorno do mapa do Brasil que por tantas vezes desenhei na escola. Serras, montanhas, praia, mar.
Emocionante ver a ponte “Hercílio Luz” que no dia anterior eu tinha visto pela internet; bem como atravessar a ponte “Colombo Machado Salles” – a 2ª das três que ligam a grande ilha ao continente.
“Quem tem boca vai a Roma”, é um dito popular que eu já sabia ser verdadeiro e mais uma vez, utilizei dele. Terminal Ticen, onde? Por ali! Ônibus para Córrego Grande? Sim! Pode me avisar quando chegar ao ponto? No próximo você desce! A rua Ana Maria Nunes? A próxima a direita! Uma placa indicava o nome da rua e ainda informava “nº 50 ao 258”. A pensão “Luar do Córrego” é no nº 222, portanto, do lado direito... Meu quarto, A1, a cama debaixo da beliche do lado direito.
Deixei minhas coisas, tranquei a porta e, com mochila nas costas e vento nos cabelos (cabelos ao vento somente aqueles que caem), guardei a chave e fui à procura do meu contato. Quinze minutos de caminhada eu estava na UFSC, como disse, “grande que só ela”. Eu precisava encontrar o CED (Centro de Ciência em Educação) e, próximo a ele, uma casa de madeira que abriga o NUCLEIND/GES (Núcleo de Investigação do Desenvolvimento Humano) e conhecer pessoalmente Mariana Campos (meu contato). Ela é uma das Surdas pós-graduandas, muito bonita, muito inteligente e muito educada.
Grande emoção foi estar sentado na sala do GES, grupo que conhecia por meio da página web, comunidade do Orkut, mas eu estava ali pessoalmente! Daí em diante não cessaram as emoções: encontrar pessoas que conhecia somente de nome e ser apresentado a novas pessoas. A professora dra. Gládis Perlin, por exemplo, primeira Surda doutora no Brasil na área da Educação, pois, conforme ela mesma me explicou, antes dela houve uma surda na área da Engenharia Molecular, mas que não utiliza a língua de sinais e não está envolvida com as questões dos Surdos.
Conheci Viviane Barazzutti, Silvana Aguiar e Soelge, tradutoras-intérpretes do GES, a professora Heloísa Barbosa (ouvinte), responsável pelo almoço acadêmico do qual participaria no dia seguinte. Na quarta-feira, dia 20/06, conheci Marianne Stumpf (Surda), agora professora da UFSC, Fabiana de Moura, tradutora-intérprete do GES (informaram que são 07 tradutores-intérpretes na UFSC, três no Centro de Comunicação e Expressão - CCE e 04 no CED) e na despedida com a professora Gládis, ela dizia que precisam de muito mais. Conheci a Patrícia Luiza, Deonísio Schmidt, Ana Regina Campello (Surdos pós-graduandos), Marisa Girolette (ouvinte pós-graduanda), a professora dra. Ronice Müller Quadros e outros ouvintes e tradutores-intérpretes.
Quarta-feira foi o dia da banca de qualificação da Mariana Campos e, normalmente são bancas fechadas; conversei com ela, se houvesse a possibilidade de assistir como visitante. Quando haviam fechado a porta da outra sala para iniciar a banca, quase que este episódio estaria na parte frustrante, mas a professora Gládis veio me chamar; eu quase pulei de alegria.
A vida acadêmica é assim, você submete projetos, executa-os e os põem à prova, à avaliação de outros, antes, mediados por orientação. Quando defendi meu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) no dia 07/07/2005 nunca havia visto uma sessão de defesa; no início de 2006 assisti a uma defesa de doutorado e agora em maio de 2007, assisti a defesa de mestrado da Juliane, amiga do mesmo programa de pós-graduação que o meu.
Mas eu estava numa banca de qualificação de mestrado, cuja orientadora era a professora dra. Gládis Perlin (Surda), a professora dra. Marianne Stumpf (Surda), a professora Heloísa Barbosa (ouvinte - não descobri sua qualificação, ela disse que morou durante 11 anos nos EUA), as tradutoras-intérpretes Viviane e Fabiana e ainda a Soelge, controlando a filmadora.
FANTÁSTICO! Segurei minhas lágrimas... orientadora sinalizava, Viviane a interpretava oralmente, Mariana fez a apresentação da sua pesquisa e respondia aos questionamentos em LIBRAS e Viviane a interpretava oralmente, Marianne fez sua argüição em LIBRAS e Fabiana a interpretou oralmente, prof. Heloísa fez suas colaborações oralmente e Fabiana as interpretou para a mestranda em LIBRAS. Justificativa, objetivo geral, objetivos específicos, metodologia, Mariana explicou cada um destes itens em língua de sinais precisa e segura.
Eu, que seria um simples espectador, tive a oportunidade de falar e, em LIBRAS disse estar emocionado pelo privilégio de poder assistir àquela sessão de qualificação, primeiro, pela qualidade do trabalho da Mariana, segundo por todo o contexto que minimamente apresentei acima: professores-pesquisadores Surdos, pós-graduandos Surdos pesquisando e defendendo suas produções, tradutores-intérpretes mediando as línguas portuguesa e LIBRAS e vice-versa.
No almoço acadêmico, atividade organizada pela professora Heloísa, realizado de 15 em 15 dias, Marisa apresentou sua pesquisa. O objetivo, além de apresentar, é discutir entre os participantes possíveis encaminhamentos da pesquisa em andamento. Fiquei de boca aberta pelo tema; Marisa é professora do Estado de Santa Catarina e trabalha numa aldeia Kaigaing na qual existem 12 surdos, 08 são alunos. A pesquisa, entre outros objetivos visa investigar a qualidade dos “gestos” utilizados por este grupo de surdos e as demais pessoas.
Parece até o episódio de “Os Simpsons” que assisti neste último sábado, “História sem fim”, a Lisa conta uma história para o Homer, na qual o velhinho rico e avarento - Mr. Burns, conta algo a ela, que contaram antes a ele e outra história, até chegar num ponto comum, rsrsrs. Mas, Marisa contou que para ir trabalhar, acorda 5 horas da manhã e juntamente com outra professora vão para a estrada pegar carona para chegar até a aldeia. Demonstrou alguns exemplos de sinais típicos do contexto indígena, como sentar (como não usam cadeira o sinal não poderia ser o mesmo que da LIBRAS), o sinal de morte faz referência aos olhos que se fecham e a mão em forma de “oração”, com detalhamento do número de pessoas que morreram na mesma família.
O Deonísio falando sobre seu filho de seis meses de idade na hora da atividade com os alunos do curso de Letras da professora Ronice Quadros. O filho se chama Eduardo, mas o sinal do pequeno Eduardo é quase um “Junior” do sinal do Deonísio (do pai é mão direita em “N” voltado para o olho direito, balançar os dedos para cima e para baixo rapidamente; do filho é só apontar os dedos para a frente com o dorso da mão ainda em frente ao olho direito realizando o mesmo movimento com os dedos).
Como se não bastassem tantas emoções em um dia e meio, minha visita ao GES estava quase acabando, já havia me despedido de alguns, ainda consegui acompanhante para uma atividade cultural que aconteceria ali mesmo na UFSC no período noturno; Ana Regina Campello e Mariana Campos; voltei 18h15 para a pensão, tomei banho, troquei de roupa, comi umas bolachas recheadas de chocolate e voltei para a UFSC. “Vou experimentar ir por aquela avenida, creio que chegarei no mesmo lugar em menos tempo”. Dito e feito. Já estava me sentindo em casa, pelo menos ali, nas mediações da UFSC, rsrsrs.
O 1º Festival Internacional de Teatro de Animação (FITA), de Florianópolis, a peça “El Avaro (Molière)” da Espanha, seria apresentado no Centro de Cultura e Eventos da UFSC – um local muito lindo e bem planejado, diga-se de passagem. Cheguei 19h20 e a Ana estava comprando seu bilhete, comprei o meu bilhete pagando metade (R$ 3,00), apresentando minha carteirinha da biblioteca da UNESP. Tirei fotos dos bonecos da exposição, conversamos sobre alguns assuntos. Inclusive, Ana ficou admirada por eu ser cristão evangélico e estar no mestrado. Eu disse que Deus nos deu inteligência e saúde para utilizarmos e desenvolvermos. Minutos depois nos encontramos com Mariana na praça de alimentação.
Ana Regina contou que é fluente em American Sign Language e que atuou como tradutora-intérprete no Congresso Internacional de Línguas de Sinais que ocorreu ano passado na UFSC. Foi aos Estados Unidos 3 vezes: 1989, 1994 e agora em 2006. Desta última vez, submeteu um projeto para a CAPES, o qual foi negado na primeira vez, não desistiu e submeteu novamente, sendo aprovado. Teve que fazer uma prova de proficiência em inglês escrito. Disse que se virou muito bem por lá. Eu acompanhei um pouco desta viagem pelas informações que ela divulgou pelo Orkut.
Quando subimos para o saguão, o mesmo estava lotado. Pensei que por ser uma peça com bonecos não haveria falas, portanto Ana e Mariana poderiam acompanhar normalmente e outra, disse para Ana que me questionou duas ou três vezes: e se usarem a voz? Creio que não, além de ser animação, tem muitas crianças, e o grupo é da Espanha. Um doce para quem adivinhar o que aconteceu!
A abertura formal do evento, agradecimentos, etc, fiz a interpretação sem problemas; quando a peça começou... os personagens falavam em... Espanhol[2]! Esforcei-me ao máximo para entender o que diziam e no escuro do teatro, interpretava em LIBRAS para elas. Muito criativa, divertida e futurista.
Mais emoção que esta?
Despedir-me da Mariana e Ana na saída do teatro, subir a ladeira da pensão pela última vez às 22h15, tentar dormir às 23h50, levantar 5h33, assustado com o despertador do celular que não despertou às 5h00, fechar a porta do quarto deixando a chave do lado de dentro (já que não mais a usaria) às 5h45, descer a mesma ladeira às 5h48, virar à esquerda da rua João Pio Duarte Silva, atravessar a rua Dep. Antônio Edu Vieira, pedir informação para o único senhor que ia à minha frente qual ônibus me levaria o mais rápido para o Terminal Ticen, pois às 7h00 meu ônibus sairia da Rodoviária Rita Maria, que chegaria às 11h00 na Rodoferroviária em Curitiba, de onde, ao meio-dia estaria o ônibus que me traria de volta para casa depois de longas 8 horas e meia de viagem.
Seu Arnaldo, o senhor ao qual pedi informação, foi preciso, o ônibus “Volta ao Morro do Pantanal” passou às 6h05 e às “6h15 você estará no Terminal Ticen”. Foi assim mesmo! Ele é aposentado e trabalha como vigia num prédio ali no Córrego Grande, das 22h15 às 5h45 “para complementar a renda, né”. Ele desceu antes do ônibus chegar no terminal, devia ser no próprio Morro do Pantanal. “Tchau, boa viagem!” – ele disse. “Tchau, muito obrigado!” – respondi feliz, muito feliz!
Conclusão
Dizem que a melhor parte da viagem é a volta. Mas é a pura verdade, ver ao longe as luzes da minha cidade, chegar à rodoviária que mais parece um chapéu de bruxa, aguardar alguns instantes, olhar para trás e ser recepcionado por meus pais, retornar ao lar doce lar, tomar banho diante de azulejos conhecidos, jantar arroz e feijão e salada e banana que há dois dias meu estômago não reencontrava, colocar o pijama, deitar na minha adorável cama. Passei o dia 21 praticamente todo dentro de ônibus. O último parou pelo menos em 05 cidades. Em Jacarezinho-PR entrou uma creche inteira praticamente e quase todos chamavam a mesma mulher de mãe! Duas das crianças sentaram atrás da minha poltrona, quase chegando em Marília, a menina vomitou. Levantei a minha mochila rapidamente e coloquei no banco ao lado. O que é um simples vômito comparado às intempéries vivenciadas por mim dentro de ônibus? Não é nada! Nem fiquei com nojo. Mas o menininho dizia: “ai, eu vou vomitar também!”. Depois: “eu quase vomitei por ver ela vomitando, mãe”. Claro que a melhor parte de toda viagem é o retorno. Voltamos para lugares nossos, pessoas nossas, repletos de lugares outros, situações diversas (e adversas), de pessoas muitas e especiais. Voltamos nós, mas outro!
[1] Crônicas de Viagem – Volume 1, de Cecília Meireles. Belíssimo exemplo!
[2] “Nesta adaptação da obra de Molière, não é o dinheiro o que todos cobiçam, mas a água. Os protagonistas desta comédia visionária são torneiras, tubos e mangueiras – recipientes de todo tipo”. Do grupo “Tábola Rassa” (Espanha).