O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

terça-feira, outubro 31, 2006

Equilíbrio by Cecília Meireles

Escrita em 1932, concordo em gênero, número e grau com esta doce e frágil figura, mas de espírito e palavras seguras e fortes. Recomendo a leitura na integra de "Crônicas de Educação", volumes I, II e III. Todos deveriam ler, mas principalmente aqueles que têem contato com crianças ou que, de alguma forma atuam como educadores. É de arrepiar, cada uma das crônicas! Por enquanto, aproveitem esta...

"Não há nada mais triste no mundo que o vôo do espírito detido pelo peso das necessidades. As obrigações que o homem criou para si mesmo, no sistema de vida que os séculos superpuseram à vida espontânea, começaram por ser uma disciplina de relações mútuas, mas acabaram por uma tortura de prisões múltiplas, diferentes umas das outras para tornarem ainda maior o sofrimento.

O homem tendo que atender a tantas coisas que inventou, secretamente pergunta a si mesmo se valeria a pena tê-las inventado, para assim limitar sua liberdade, para assim ter de ficar como um operário vigilante junto a engrenagens que, ao menor descuido, o sacrificarão – sentindo, no entanto, que a vida verdadeira não é aquela posição atenta do dever, exaustivo, monótono, mesquinho, mas uma participação nesse sentimento total do universo, nessa gravitação geral em que os acontecimento libertam seus ritmos na plenitude de seu poder de realização.
Ao lado dos seus mais profundos e generosos impulsos de sociabilidade, o homem parece continuar a ser uma força individualista, que em sua própria concentração prepara a riqueza que, em seguida, poderá converter em favor coletivo. Não pode dar quem nada tem. E para ter é necessário adquirir, produzir, acumular, multiplicar: o rendimento se verificará depois, como a própria continuação desse processo de enriquecimento humano, que, atingida uma grandeza que o emancipe, logo se põe a transbordar.

Talvez não seja difícil encontrar-se justamente nos que mais apelam para uma civilização feita conjuntamente, e igualmente distribuída pelos homens todos, esse processo contra o desvirtuamento da capacidade de cada um; contra a limitação de seu destino, por fatalidades detestáveis: contra a incompletação de desenvolvimento, que obrigou, criaturas normais como muitas outras, a precipitarem numa formação medíocre, dando-lhes para sempre esse gosto inexato, e essa aparência castigada dos frutos amadurecidos à força.

Continuam, pois, os ideais individualistas governando a ação mais avançada dos homens. O que se pode dizer é que esse individualismo perdeu a estreiteza com que antes o consagravam: não é mais uma forma luxuosa de viver, para uso apenas de alguns, confinados num mundo pretensioso, inútil e falso. Esse tipo de individualismo estéril não foi, afinal, o dos grandes individualistas de todos os tempos que, seguindo aquela marcha de enriquecimento próprio a que acima nos referimos, foram sempre os mais humanos dos homens, sendo, por isso mesmo, os que, no quadro medíocre da vida, poderiam parecer mais sobre-humanos.

Infelizmente, as palavras têm o amargo destino de, às vezes, comprometerem os pensamentos. Pelo ódio a palavras desfiguradas ou mal compreendidas, tem-se visto perseguirem-se as aspirações que elas definiam tanto quanto os homens que as pronunciavam. Há uma injustiça largamente esparsa pela terra, uma obstinada incompreensão que bem poderia ser responsabilizada por estas demoras de evolução, - se acaso - e sem menor fatalismo – não vai nisto tudo um ritmo necessário, média das possibilidades humanas vencendo os tempos.

Uma coisa, porém, isenta de todas as dúvidas é o sonho de acelerar o progresso humano. Sonho vago, enquanto não se determina – e quando poderá isso ser feito? e por quem? – o que ao certo caracteriza definitivamente esse progresso.

De qualquer modo, parece que não se trata de obra a encaminhar por uma só direção e num único sentido. Será para abranger o mundo, mas para não perder de vista o homem, que o constitui. Para se divulgar largamente, mas sem se dissolver nessa grande divulgação, conservando sempre vivos os núcleos em que se elabora, por uma força espontânea e decisiva, a plenitude ardente que é, afinal, a garantia de uma constante irradiação.

O mundo é complicado e os homens se desentendem tão facilmente quanto seriam capazes de se entender. Mas o que importa é que se faça uma libertação destas necessidades obrigatórias em que a existência se mecaniza, esquecendo-se de que é vida, ou lembrando-se disso com angústia.
A educação pretende hoje realizar esse equilíbrio. Todas as criaturas deviam empenhar-se em ajudá-la, sabendo que trabalham no seu próprio interesse, ao mesmo tempo, no interesse humano, em geral."

Cecília Meireles
[Rio de Janeiro, Diário de Notícias, 30 de outubro de 1932]
In.: Crônicas de Educação, 1. Rio de Janeiro: Nova Fronteira: Fundação Biblioteca Nacional, 2001. p. 55-57.

quinta-feira, outubro 12, 2006

Café da Tarde


Numa dessas tardes, pensamentos a mil por hora, reservei-me o direito de desviar a atenção para o momento que vivia, debruçar os olhos nos elementos à minha volta e aos meus movimentos.

Sentado à mesa na cozinha, estendi o pano de prato para fazer a vez de toalha, peguei a garrafa térmica com café, feito pela manhã por meu pai, também o pacote com biscoito de água e sal e o pote de margarina.

Lá fora, uma tarde molhada; não havia poucos minutos, a chuva cessara e o sol, timidamente iluminava. Observar e absorver esta cena remontou em minha mente flashes da minha infância. Aquele lugar no tempo em que não importa o quão difícil fora as circunstâncias da vida, a sofrida descoberta do mundo e das pessoas que nele habitam, será sempre recordado como o melhor tempo. Tempo de não se preocupar com dinheiro, com avaliação, trabalho e outras responsabilidades de adulto. Tempo de ir à escola, esperar ansiosamente pela batida do sinal e ir ao encontro da mãe que já esperava no lado de fora. Tempo de brincar na rua: balança caixão, esconde-esconde, queima, conversar bobeiras e travar discussões com os amigos.

Gosto daquele tempo em que não era tão consciente desse movimento chamado vida, quando apenas me movimentava...

Mas nessa tarde, essa tarde molhada na mesa do café, senti uma felicidade imensa por valorizar esse momento, à primeira vista, tão corriqueiro. Pegar um biscoito de água e sal, com a faca passar generosamente a margarina e cobri-la com outro biscoito. E brincar com elas antes de morder, assim, comprimindo-as para ver nascer as minhoquinhas de margarina pelos orifícios, tão certinhas, as minhocas...

Manchar os lábios com estas minhoquinhas, agora desfeitas e embeber a mistura de biscoito e margarina com café morno, quase frio.

Para mim, foi gratificante olhar e pensar sobre cada um desses movimentos... Que vontade de convidar alguém para fazer parte dessa hora e compartilhar esses meus pensamentos... ”Aceite esses minutos de café da tarde com biscoito de água e sal, com margarina e café... Oh, mas, por favor, aceite também este que vos convida, minhas qualidades e meus defeitos. Mesmo sendo previsível em muitos dos meus atos, aceite minhas prováveis imprevisões. Conhecendo minha calmaria externa, não se assuste com a minha tempestade interna, que às vezes, incontrolável, traspassa essa fina carcaça”.

Mais importante que a gratuidade da infância, do tempo sempre bom de ser lembrado, quero aprender o esquecido e inutilizado exercício do diálogo, e viver o hoje, o agora. Usar o bálsamo do perdão, derramar sobre mim o óleo da alegria, refletir no olhar, no agir e no falar, o meu doce Jesus.

Será Ele o convidado para o meu café da tarde? Para aceitar-me assim, como sou... e pacientemente conduzir-me a um estado de estar e ser melhor do que este em que estou e sou?! Ah, obrigado meu Senhor, meu Salvador, meu Amigo, por aceitar tão humilde café...


André Luís
Escrita em: 28/11/2003
Até pensei em escrever um comentário atual a respeito desta crônica, escrita há quase três anos... Decidi que o melhor é não fazê-lo. A perenidade do escrito não precisa estar suscetível à minha instabilidade.