“Para escrever um verso que seja, há que ter visto muitas cidades, muitos homens e muitas coisas; há de conhecer os animais, há que ter sentido o vôo dos pássaros e saber que movimentos fazem as flores ao abrirem-se de manhã, leves, brancas e adormecidas, voltando a fechar. Há que ter recordações de muitas noites de amor, todas diferentes, de gritos de mulheres com dor de parto e de parturientes. E ter estado junto a moribundos, e ao lado de um morto, com a janela aberta, pela qual chegavam, de vez em quando, os ruídos do exterior. E tampouco basta ter recordações. Há que saber esquece-las quando são muitas, e há que ter a imensa paciência de esperar que voltem. Porque as recordações não servem. Tem de converter-se em sangue, olhar, gesto; e quando já não tem nome, nem se distinguem de nós próprios, então pode acontecer que a certa altura, brote a primeira palavra de um verso.” (Rilke)
Este trecho possui uma longa história. O fio do novelo começa por José Antonio Marina, que o leu e o transcreveu em seu livro “Teoria da Inteligência Criadora”, Lisboa: Caminho, 1995. p. 216-7 (o qual ainda não li), juntamente com outro trecho de sua própria autoria, embasando, comentando o trecho de Rilke, reproduzido em outro livro, de três autoras, que escreveram sobre o ensino de arte. Assim, me faltam elementos, por exemplo: quem foi Rilke, por que José Antonio Marina o citou, que por sua vez, foi citado por Martins, Picosque e Guerra (as três autoras), num outro recorte; encaixa-se esta última escolha no objetivo das autoras de esboçar caminhos e possibilidades do ensino da arte.
Afinal, chamou-me a atenção o trecho de Rilke, assim como de José Antonio, pela essência criadora, poética, etc. Agora, existe a história do próprio livro, este único (apesar de existir milhares de outros exemplares iguais editados pela FTD, em 1998); falo deste único que toco, folheio, leio... Era julho de 2005, fui para um único final de semana em São Paulo; entre outras visitas, passeios e afazeres a Priscila Fernandes presenteou-me com um livro que já era dela, tanto que este possui, aqui e ali, carimbos de PRISCILA K MENDONÇA – Fonoaudióloga – CRFa xxxx –SP. E que ganhado, provocou emoções, sentimentos: o livro, o dar, o presentear, a intuição de que seria útil em algum momento... Empreendi uma leitura no ônibus voltando para casa, nos dias seguintes ainda, mas não prossegui.
Ontem, 22 de junho de 2006, peguei-o, enquanto aguardava o computador ligar altas horas da noite, início da madrugada. Abrindo na página 74, chamou-me a atenção a definição de leitura, trazida para o contexto da arte plástica: “Ler é produzir sentido. Lemos a cor vermelha em uma obra figurativa ou abstrata da mesma maneira que a cor vermelha do semáforo?”. Quase um ano após ganhar o livro, este trecho foi muito significativo devido ao momento específico que vivo. Escrever uma monografia para a disciplina “Aspectos técnicos e sociais da leitura no tempo e no espaço”, do programa de pós-graduação (mestrado). Retomei a leitura do trecho e prossegui em outros tópicos, hoje pela manhã (23/06/2006). Reencontrei autores como Gardner, que conheci depois de um seminário na graduação em pedagogia sobre inteligências múltiplas, citando outra obra, comparando os estágios de desenvolvimento psicológico proposto por Jean Piaget, Gardner mais preocupado com o desenvolvimento estético, artístico da criança.
Bem, já passa do meio-dia, estou no meu quarto, sentindo a fome chamar, com barulhos e movimentos traduzíveis por: “chega de fazer o que faz agora, está na hora de almoçar, por favor!”. Assim, todo livro, ou qualquer trecho, autores, idéias possuem outras histórias, enfim... Concluindo, Rilke está repleto de certeza! Concordo em gênero, numero e grau.
André Coneglian
23/06/2006
12h33m.