Esta não é a minha primeira
produção escrita sobre Maria – e, não será a última. Desde que a conheci nos
idos de 2002, na condição de aluno no segundo ano da graduação, Maria foi minha
professora, na disciplina Didática II.
Naquele contexto, causou um
frisson na turma de Pedagogia – ou a amavam, ou a odiavam! (A inteligência
aliada a organização, clareza e autoconfiança, assusta!). Para mim, foi
fascínio. “És fascinação!”. Como conclusão da disciplina, a professora pediu um
texto acadêmico, no qual devíamos relatar nossa trajetória escolar.
Escrevi em meu blog, em 2005: “’Da
pré-escola ao curso superior: entre o século XX e XXI’, texto apresentado à
disciplina Didática II, ministrada pela Profa. Dra. Maria do Rosário Longo
Mortatti, novembro de 2002” e sobre a professora, registrei: “um encanto de
pessoa, pois respira e exala literatura”.
Numas das aulas na disciplina
da pós-graduação, em 2006, num ato de coragem, eu pedi para ler “Sugestão”,
poema de Cecília Meireles, pois Maria nos inspira a esquecer a timidez por um instante
e espalhar poesia.
Em outubro de 2021, escrevi um
texto sobre minhas percepções de leitura dos livros: “Mulher emudecida” e “Mulher
umedecida”. Foram leituras impactantes, pois tive a oportunidade de humanizar a
professora, figura sobre-humana, mas que ainda causa fascinação.
Nestes últimos anos – 2021 a
2024, Maria lançou livros de poesia, crônicas, ensaios e o objetivo principal
deste texto é tecer algumas considerações sobre a leitura do livro “Prosa de
leitora: sobre livros, autores e outros acepipes, volume 1”.
Minhas considerações sobre o
conteúdo são as melhores: nomes, datas, fatos, percepções da autora-leitora. Um
verdadeiro banquete, muito mais que um “acepipe” (aprendi o significado por
conta do livro de Maria).
Aqui, tento seguir a fórmula
de Maria, produzir uma prosa de leitor, o que a leitura de seus ensaios me
provocou. Autores e histórias que já conhecia e Maria confirma alguns dados e
percepções. Ainda sobre estes, apresenta novas informações que funcionam como
luminárias possibilitando novos modos de ver/sentir este ou aquele autor, esta
ou aquela história.
Ler a prosa de Maria, leitora
profícua e incansável, produz conexões com nossas próprias vivências e
leituras. Uma dessas conexões foi com um trecho de Bernardo Soares, do “Livro
do Desassossego”, que muito me impressiona pela clareza e, consigo vincular a
essência deste trecho com Maria e suas produções, todas!
O trecho é o que segue: “Dizer!
Saber dizer! Saber existir pela voz escrita e a imagem intelectual! Tudo isto é
quanto a vida vale [...]”. Maria diz! Maria sabe dizer! Maria sabe existir pela
voz escrita e pela imagem intelectual: textos acadêmicos-científicos, prosas,
ensaios, poemas e, tem construído firmemente sua herança – para a eternidade,
de modo brilhante.
Deus me deu a palavra,
não uma palavra qualquer,
mas aquela potente arma alquímica
que fere, destrói, mata pessoas
e ilumina, preserva e pereniza paisagens
“Mulher qualquer, mulher” (2024),
de Maria Mortatti, poema “A palavra”, (p. 76). Ah, esses versos! Como escrevi:
passaram a habitar meu interior. Os versos e o poema todo, confirma: Maria sabe
dizer! Com a palavra, Maria pereniza paisagens! E soube fazê-lo de cada autor,
livro, história, nos ensaios em “Prosa de leitora”.
Gosto da organização, por
exemplo, as datas ao final de cada texto (dd/mm/aaaa), pois, como nos anuncia,
foram escritos para seu blog. E muitos dos textos foram motivados exatamente
pelo calendário: “Os três de abril de 1616: Shakespeare, Cervantes e Inca”,
versa sobre o Dia Mundial do Livro e foi escrito em 23.4.2023, dia em que estes
três gigantes faleceram (no ano de 1616). “Bom dia, Lygia!”, escrito no
primeiro ano de falecimento de Lygia Fagundes Telles (03.4.2023). Ou ainda, “Júlia
Lopes de Almeida e a Cadeira 41 da ABL”, escrito em 30.5.2023, quando a autora
homenageada faleceu em 30.5.1934.
Sobre Júlia, há uma crônica
escrita por Cecília Meireles, em 1962, no livro “Escolha o seu sonho” (1972), em
razão do centenário de aniversário de Dona Júlia (24.9.1862). Não é fascinante
como os textos bem escritos e bem lidos relacionam-se e retroalimentam-se? Cecília
Meireles, também foi tema dos ensaios de Maria, e citada em outros, como amiga
de Gabriela Mistral, além dos versos de Cecília, abrirem o presente livro: “Teu
bom pensamento longínquo me emociona./ Tu, que apenas me leste,/ acreditaste em
mim, e me entendeste profundamente”.
Preciso registrar para a
posteridade, ainda que este dado não seja relevante, mas foi significativo para
mim, saber da homossexualidade de Gabriela Mistral, amiga de Cecília. Só fez
minha admiração por Cecília crescer.
Como não amar as conexões de
quem escreve e de quem lê, por exemplo, com o ensaio: “Uma história de dicionários:
do ‘Capelino’ ao ‘Aurélio’”. Maria inicia o texto: “Não sou lexicógrafa, mas
gosto muito de dicionários de vários tipos: gerais, temáticos, analógicos, etimológicos,
bilíngues, plurilíngues, entre outros”.
Assim, associar este ensaio
com a crônica “O livro da solidão”, de Cecília Meireles: “Não sei se muita
gente haverá reparado nisso - mas o Dicionário é um dos livros mais poéticos,
se não mesmo o mais poético dos livros. O Dicionário tem dentro de si o
Universo completo”.
Eu mesmo, semelhante amante de
dicionários, tive a ousadia de escrever o poema “O menino que amava dicionários”,
sendo o título, o único verso, pois o corpo do poema se transforma em verbetes:
“amava, dicionário, o, menino, que”.
Poderia redigir comentários
sobre cada um dos 54 ensaios e registrar as reverberações produzidas em mim,
amante da Literatura e do objeto Livro, leitor de Cecília, Clarice, Umberto, Adriane,
Maria.
Em outro momento de coragem,
em 06 de novembro de 2020, aniversário de Maria, escrevi um “poema-presente/’,
como ela mesmo chamou:
MARIA
SEIS DO ONZE
Perigosa
escorpiana
Sereia
de canto ardil
A
conheci unespiana
Aluno
quase infantil.
Seu
canto é literatura
Palavra
é seu veneno
Elevado
sou às alturas
Extasiado,
feliz e sereno.
Palavras
e canções ao cantil
Salve,
salve tanta sagacidade
Escritora,
poeta e outras mil
Saúde!
Paz! Muitas felicidades!
André
Coneglian
Londrina-PR,
06/11/2020
A título de conclusão deste
pequeno texto, faço um apelo:
Leiam Maria! A que diz
(escreve). A que sabe dizer e existir pela voz escrita e imagem intelectual.
Ave Maria!
5.5.2024