O Quarto do Menino

"No meu quarto que eu lia, escrevia, desenhava, pintava, imaginava mil projetos, criava outros mil objetos... Por isso, recebi o apelido de 'Menino do Quarto', título que adotei como pseudônimo e hoje, compartilho neste 'Quarto Virtual do Menino', o que normalmente ainda é gerado em meu próprio quarto". Bem, esse início já é passado; o 'menino' se casou (set/2008); há agora dois quartos, o do casal e o da bagunça... Assim, diretamente do quarto da bagunça, entrem e fiquem a vontade! Sobre a imagem de fundo: A primeira é uma reprodução do quadro "O Quarto" de Vicent Van Gogh; a segunda, é uma releitura que encontrei no site http://www.computerarts.com.br/index.php?cat_id=369. Esta longe de ser o MEU quarto da bagunça, mas em 2007, há um post em que cito o quadro de Van Gogh. Como disse, nada mais propício!!!... Passaram-se mais alguns anos, e o quarto da bagunça, já não é mais da bagunça... é o Quarto do Lorenzo, nosso primogênito, que nasceu em dezembro de 2010!

quinta-feira, outubro 13, 2005

Uma Singela Homenagem aos meus Amigos Canhotos

Essa é uma longa história; a lateralidade e a importância que tem em minha vida. Escrevi a respeito na Trajetória Escolar, no 2º ano da faculdade, texto monográfico apresentado à professora Drª. Maria do Rosário Longo Mortatti, um encanto de pessoa, pois respira e exala literatura. Vamos a histórias dos destros e canhotos, então:

“Como introdução, uma necessária explicação

Escrever sempre foi um imperativo para mim. Escrever sempre: por obrigação, por diversão, copiando, inventando, não importando o quê, nem quando. Escrever!!!

Sou destro por natureza, quando a mão cansava ou doía, pensava: “Pena que não escrevo com a esquerda também”. Não era por falta de tentativa e treino, muito treino. Mas, além da caligrafia horrível, a primeira frase era o suficiente para cansar a mão. Coitada!

Conhecia dois canhotos, o João Roberto e a Daniela que estudaram comigo no Ensino Fundamental. Tinham letras deitadas e escreviam muito rápido, eu ficava admirado com a agilidade da mão esquerda deles. Mas quando eu lhes propunha escrever com a direita – ah! – era o mesmo dilema que o meu. Essa coisa de destro e canhoto me deixava encafifado: “por quê destro?” ou “por quê canhoto?”, “quem determina isso?”, “quem escolhe?”...

Conformei-me com minha condição de destro (afinal, a letra é legível e mais ágil), e coleciono um senhor calo no dedo médio do qual muito me orgulho.

Até que um dia, buscando o significado de uma palavra, passeando pelo dicionário, me deparo com a palavra ambidestro: (Adj. e s.m.) Que, ou quem se utiliza das duas mãos com a mesma habilidade. Eu, automaticamente, associei esta habilidade a apenas uma, desenvolvida pela mão: Escrever!

Afirmei em voz alta: eu quero ser isto!

Acabava de descobrir que não existiam apenas dois tipos de pessoas: as que escreviam com a mão direita, portanto, as chamadas destras, e as que escreviam com a mão esquerda, as canhotas, mas havia um sinônimo que designava uma pessoa completa, que escrevia com as duas mãos com a mesma habilidade: “ambidestra.”

Puxei na memória o que me ensinaram para ganhar coordenação motora na mão direita, exercícios com montanhas, voltas, retas, letras, todas tracejadas para contorná-las. Papel e caneta na mão, com a destra preparei exercícios deste tipo para a canhota e contornava tudo: abecedário, maiúsculo, minúsculo, letra bastão, letra cursiva, palavras, meu nome e treinava com a esquerda.

A mão continuava a cansar fácil, escrevia devagar, e a letra era muito feia, mas não queria desistir, afinal - pensava – é como se a mão esquerda estivesse entrado na escola naquele momento e, obviamente, não teria a mesma desenvoltura da mão calejada (velha de escola).

Não me considero ambidestro (não foi por falta de tentativa), sou um destro conformado. Muito feliz, na verdade, pois o medo de não poder escrever mais, caso algo trágico acontecesse com minha destra querida, existiu por pouco espaço de tempo.

Mãos à parte, o ato de escrever sempre esteve presente, e apesar de não escrever só na escola, era por causa dela que eu escrevia, e deve ter sido a escola que me fez gostar de escrever (ou seja lá que força me impulsionava, me obrigava a escrever), pelo conjunto da complexidade escolar. E é com muito gosto e prazer que escrevo este trabalho (manuscrito primeiramente, pela mão direita) para explicitar memórias escolares, que ultrapassam paredes de sala de aula e muros da escola. Ao mesmo tempo se torna uma tarefa complexa e difícil: por onde iniciar, o que contar, por que contar isto ou aquilo? Vou confiar em minha memória (mesmo sendo ela seletiva) e conclamar ao bom senso para dar começo, meio e fim à narração da trajetória escolar que me fez o ser complexo que sou hoje, fisiologicamente envelhecendo, historicamente enriquecendo. Com a destra ou com a canhota, não importa qual, para mim, escrever continua sendo um imperativo...”

(Da Pré-Escola ao Curso Superior: Entre o Século XX e XXI, texto apresentado à disciplina Didática II, ministrada pela Profª Dª Maria do Rosário Longo Mortatti, novembro de 2002).
Depois desta data, ao folhar um jornal eis que encontro tal reportagem: “Canhoto enfrenta o ‘ser gauche na vida’”, in: Folha de São Paulo, Sinapse, 27 de agosto de 2002” [link da reportagem logo mais abaixo].
Eu já tinha o jornal, mas não tinha percebido a existência desta reportagem. Chamou-me a atenção para coisas mínimas que nunca havia parado para pensar, como usar a tesoura e o abridor de latas (foto), é uma tarefa difícil pra o canhoto, pois tais instrumento foram feitos apenas para os destros.
Há uma coluna à parte nesta mesma reportagem escrita por Nicolau Sevcenko, professor de História da Cultura da USP, que conta a respeito sobre as dificuldades e conseqüências que enfrentou em toda sua vida por ser canhoto. Por exemplo: “Minha família vem de uma comunidade na Rússia, onde ser canhoto era proibido pela lei e pecado para a Igreja. Por pressão da comunidade, minha mãe amarrava minha mão esquerda nas costas para me forçar a usar a direita” [coluna completa em link abaixo]. No final do ano de 2004, na biblioteca de uma escola, cumprindo meu estágio curricular, descubro em um livro um conto escrito por ninguém mais, ninguém menos que Nicolau Sevcenko. Adivinhem a respeito do que? Pois é! Emprestei o livro, tirei cópia e fiz questão de digita-lo todo para disponibilizar aqui para todos os meus amigos canhotos e obviamente para os destros também (curiosos como eu):
A Lenda do fim dos gigantes e o Surgimento dos Homens
Minha mãe contava esta história quando eu era pequeno. Ela contava sempre que eu ia dormir. Era história do fim dos bogatires, os gigantes da Mãe-Terra, que habitavam o mundo antes dos homens existirem, e de como os homens apareceram depois.

Os bogatires eram muitos e muito poderosos. Cada bogatir tinha um nome e poderes diferentes dos outros. O bogatir chamado Sviagator era a criatura mais forte que já existira e dizia que, se tivesse um ponto por onde pegar, ele ergueria o mundo. O bogatir Volk podia se transformar num búfalo branco ou numa formiga, numa águia de duas cabeças ou num lobo cinzento. Mikula era um bogatir que tinha um arado encantado, com o qual produzia alimento para todos os outros bogatires. Mas o mais maravilhoso era o bogatir cavalo voador, com asas douradas e um chifre de marfim na testa. Ilia-Muromiets tinha um arco e lançava raios fulminantes sobre a Terra.

Os bogatires inventaram tudo o que se conhece: a agricultura, os tecidos, os objetos de metal e tudo o mais que se pode imaginar. Também defendiam a Terra contra os monstros e os espíritos maléficos. Eles eram tão fortes e estavam tão certos da sua missão que, um dia, depois de vencer uma serpente que cuspia fogo, um deles gritou, cheio de glória: ‘Nós somos invencíveis! Ainda que nos atacasse um exército vindo do além, nós o destruiríamos!’.

Nesse mesmo instante, apareceu um homem todo equipado com armas de guerra e avançou sobre aquele bogatir. Com um único golpe ele cortou o homem ao meio, da cabeça até o umbigo. Mas então o homem se reproduziu, transformando-se em dois. O bogatir tornou a golpear os dois homens, mas eles se multiplicaram, e já eram quatro. Mais quatro golpes e os homens viram oito guerreiros, e assim por diante. Logo, logo, os homens eram tantos que aquele bogatir começou a chamar outros bogatires para ajudarem na luta. Eles vieram um por um e, como os homens não paravam de se multiplicar, todos os bogatires do mundo se juntaram na batalha. Após dias de luta, os bogatires viram que era impossível vencer aquela guerra. Então correram para as montanhas e se refugiaram no fundo das cavernas, caindo nos abismos escuros onde se transformaram em pedras.

A partir daí, os homens se tornaram os senhores da Terra e decidiram celebrar sua vitória num largo banquete. Foi então, quando se sentaram à mesa, que eles reparam que metade dos homens comia com a mão direita e a outra metade com a mão esquerda. Isso acontecia porque, quando cada homem era dividido ao meio pela espada de um bogatir, dos dois novos homens que surgiam dele, um era destro e o outro era canhoto.

Como destros e canhotos se acotovelavam no banquete, sentados um ao lado do outro, eles resolveram se dividir em dois grupos, ficando numa mesa só quem usasse a mão direita e, na outra, quem usasse a esquerda. Não demorou para que um grupo começasse a desconfiar que o outro estava reservando as melhores iguarias do banquete para si, e logo os dois lados começaram a discutir e se acusar. Resultado: os canhotos preferiram se retirar e montar um acampamento separado.

Com medo de que os canhotos pudessem se organizar para atacá-los, os destros resolveram tomar a iniciativa e destruí-los primeiro. Então se reuniram e decidiram que no dia seguinte, ao raiar do sol, eles invadiriam o acampamento dos canhotos e os destruiriam. Como podia ser que alguns escapulissem e se refugiassem nas montanhas, voltando para ataca-los depois, completaram seu plano inventando uma armadilha: cobriram todas as bocas das cavernas com grandes espelhos. A idéia era que, quando um canhoto, correndo em busca de refúgio, visse de repente o reflexo da sua própria imagem invertida, ele pensaria que se tratava de um destro e atacaria o espelho, o qual, partindo-se iria precipita-lo nos abismos das cavernas.

Tal como planejado, no dia seguinte os destros atacaram a acampamento e, tomando os canhotos de surpresa, eliminaram tantos quanto puderam. Vários conseguiram fugir e correram para as montanhas, caindo, entretanto, na cilada dos espelhos. Assim, lá no fundo escuro das montanhas, ficaram encerrados os sobreviventes do massacre dos canhotos. Sua existência era toda de medo. Medo de que os bogatires acordassem do seu sono de pedra para se vingarem deles. Medo de que os destros viessem ataca-los na escuridão e extermina-los de uma vez. Fosse porque tivessem muito medo, fosse porque vivessem no escuro, ou ainda porque se sentissem desamparados, os canhotos desenvolveram a imaginação e passaram a viver num mundo de fantasmas e fantasias.

Só muitas e muitas gerações depois é que os descendentes dos canhotos resolveram voltar ao mundo da superfície. A essa altura, os destros tinham se multiplicado tanto e estavam tão divididos entre si – os que governavam e os que trabalhavam, os ricos e os pobres, os agricultores e os artífices -, que já não se preocuparam mais com a presença dos poucos canhotos. Eles os deixaram viver e se integrar no mundo dos destros. Só estranhavam como os canhotos tinham uma vida interior cheia de perturbação, delírios e melancolia. Por isso, passaram a chamá-los de sinistros.

Minha mãe sempre me contava essa historia antes de eu dormir. Mas nem era preciso: eu já sabia de tudo isso quando nasci. Antes mesmo de nascer. Eu sou canhoto.”
Nicolau Sevcenko é escritor e professor de História na Universidade de São Paulo. (In: Vice-versa ao contrário – Histórias Clássicas recontadas por Otávio Frias Filho ...[et al]; desenhado por Spacca; organizado por Heloísa Prieto. São Paulo: Companhia das Letrinhas, 1993, p. 11-14). Para maiores detalhes sobre o livro, ver os sites ou procurar no Google: http://www.terra.com.br/criancas/livros4.htm http://www.fae.ufmg.br:8081/Ceale/acao_educacional/res21
Eu amo os canhotos! Considero-os muito inteligentes; alguns, sem falsa modéstia declaram isso abertamente – rsrsrs!!! Coincidentemente ou não, a comunidade surda, com a qual convivo, possui uma incidência muito grande de canhotos.

Externei tal constatação na faculdade para a professora Débora Delibetaro, que me respondeu: “Daria uma excelente pesquisa, André!”. A Pedagogia abriu meus horizontes; para aqueles que me interrogam por que não quero ser professor, de uma classe durante um ano letivo todo pode estar aqui: vou direcionar meus esforços e estudos na área da interpretação em Língua de Sinais e demais assuntos relacionados à Surdez e, também me incursar nas áreas da neurociência. O cérebro é um órgão que me fascina!!!

Segue uma lista prévia dos meus amigos canhotos (em ordem alfabética), seguida de beijos e abraços fraternais. Irei completando a lista ao lembrar os nomes ou conforme ir conhecendo mais canhotos:
Alessandra Tiemi Horimoto - UNESP
Ana Laura Jeremias Urel – UNESP
Ana Luiza Teixeira – UNESP
Beatriz Gonçalves Mosa - UNESP
Caroline Machado Barini - UNESP
Dalva Ruedo – Aluna Curso LIBRAS
Dalva Yoshida - PIB Marília
Daniela – amiga do Ensino Fundamental, SESI
Davi Yoshida - PIB Marília (filho da Dalva)
Débora Correia – UNESP, PIB Marília Deise dos Santos – surda, PIB Marília
Elaine – Professora na EMEI Pingo de Gente
Estér Prado – Aluna Curso LIBRAS Fabiana Mota Varela – Aluna Curso LIBRAS
João Roberto Miranda – amigo do Ensino Fundamental, SESI
Juliana Cristina Lopes - UNESP
Luciane Simões – UNESP
Marcília Correia de Souza Oliveira – PIB Marília
Maria de Fátima Moura Trindade (Fatinha) - PIB Marília
Maria Helena Delmasso – Professora na EMEI Pingo de Gente
Núbia Macedo – surda, PIB Marília
Oscarlina de Brito Hoffman - UNESP
Priscila Watson Ribeiro - Aluna Curso LIBRAS
Rose Mary Aparecida de Souza - Aluna Curso LIBRAS
Sílvia Helena Prado Savério Jordão - Aluna Curso LIBRAS
Sônia Maria Ribeiro Tonin - Diretora na EMEI Pingo de Gente
Susana Enokida - Aluna Curso de LIBRAS
Valderes Silva - intérprete de Língua de Sinais (Bauru-SP)
Wanessa Morone – Aluna Curso LIBRAS

Encontrei alguns ambidestros nesta minha constante observação; descobri que muitos eram canhotos de nascença, mas foram obrigados a escreverem com a destra, assim como Nicolau Sevcenko relatou, muitas vezes apresentando tendinite na mão direita com facilidade. Também pudera!

5 comentários:

Anônimo disse...

Eu "crio" um canhoto em casa, engraçado a gente observar estas coisas, eles realmente tem habilidades que nós destros não desenvolvemos.
Ah! Eu tb queria ser ambidestra, mas agora com o teclado, me sinto quase realizada, por finalmente escrever com as duas mãos, ao mesmo tempo.

Unknown disse...

Olá André!

Adorei a homenagem! A história dos canhotos é demais, muito interessante!

Quando você comentou a respeito da tesoura e do abridor de latas me identifiquei bastante! Mas já me adaptei! Só não nego que abro latas de maneira muito estranha! Rs...

Já li uma reportagem sobre canhotos na revista Seleções, muito interessante também. Se eu achá-la aqui em casa levo segunda para te mostrar.

Beijos

Fernando Minetto disse...

Olá! Sou canhoto e axo mto interessante tudo a nosso respeito! Andando aqui em Orlando encontrei essa loja que é propria para canhotos! mto interessante tudo lah! entre nesse site! mto interessante!
http://www.leftyslefthanded.com/

Meu email é: fernando_guaranta@hotmail.com

abraço!

Anônimo disse...

Amei a homenagem, e obrigada por lembrar de mim,
Fabiana Mota Varela

Anônimo disse...

Criei uma página especialmente para reportagens e assuntos sobre canhotos:

https://www.facebook.com/pages/Canhotos/1523676894568531